Espiritualidade e Sociedade



Antonio Cesar Perri de Carvalho

>     Epístola aos Gálatas e as “marcas do Cristo”

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Antonio Cesar Perri de Carvalho
>    Epístola aos Gálatas e as “marcas do Cristo”

 

A Epístola aos Gálatas teria sido redigida mais provavelmente entre os anos 54 e 57 d.C. embora haja estudiosos que admitem o período do final do ano 48 a 50 d.C. (1,2). A Galácia possuía várias etnias e contava com grandes colônias judaicas.

A Epístola aos Gálatas é considerada por Champlin como a “Carta Magna da Fé Cristã”
(2). Registra a fidelidade do apóstolo aos ensinos originais do Mestre e é muito claro, não aceitando interpolações ou ajustes às tradições judaicas:

1.9 […]Se alguém vos anunciar outro evangelho além do que já recebestes, seja anátema. 1.10 Porque, persuado eu agora a homens ou a Deus? ou procuro agradar a homens? Se estivesse ainda agradando aos homens, não seria servo de Cristo. 1.11 Mas faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os homens. 1.12 Porque não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas pela revelação de Jesus Cristo. 1.13 Porque já ouvistes qual foi antigamente a minha conduta no judaísmo, como sobremaneira perseguia a igreja de Deus e a assolava. 1.14 E na minha nação excedia em judaísmo a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais. (3)

A atitude humana de tentativas de “agrado” é analisa por Emmanuel e considerando ainda as reações que geralmente ocorrem às propostas de adequação a novos contextos e de inovação:

“Em muitas ocasiões, os pareceres populares equivalem à gritaria das assembleias infantis, que não toleram os educadores mais altamente inspirados, nas linhas de ordem e elevação, trabalho e aproveitamento. Que o sincero trabalhador do Cristo, portanto, saiba operar sem a preocupação com os juízos errôneos das criaturas. Jesus o conhece e isto basta”. (4)

Nessa Epístola há o importante depoimento de Paulo sobre suas visitas à Casa do Caminho e a sua reiteração do compromisso com a ampla divulgação do Evangelho à gentilidade, sem nenhuma exigência de pré-requisitos para com seu público, o que ele definiu na sua primeira visita a Jerusalém, após sua conversão ao Cristianismo. Um registro importante é o relativo ao seu segundo retorno a Jerusalém, anos depois:

2.1 Depois, passados catorze anos, subi outra vez a Jerusalém com Barnabé, levando também comigo Tito. 2.2 E subi por uma revelação, e lhes expus o evangelho, que prego entre os gentios, […] 2.9 E conhecendo Tiago, Cefas e João, que eram considerados como as colunas, a graça que me havia sido dada, deram-nos as destras, em comunhão comigo e com Barnabé, para que nós fóssemos aos gentios, e eles à circuncisão. 2.10 Recomendando-nos somente que nos lembrássemos dos pobres, o que também procurei fazer com diligência. […] 2.14 Porque eu, pela lei, estou morto para a lei, para viver para Deus. 2.20 Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim.

Paulo separa os compromissos de formalidade com a legislação Moisaica e os de natureza espiritual e que permanecem após a vida corpórea. Suas colocações demonstram a firmeza de suas decisões pautadas na vivência coerente com os ensinos do Mestre. O tema é abordado por Emmanuel trazendo-o para a vida cotidiana:

“Quando termine cada dia, passa em revista as pequeninas experiências que partilhaste na estrada vulgar. Observa os sinais com que assinalaste os teus atos, recordando que a marca do Cristo é, fundamentalmente, aquela do sacrifício de si mesmo para o bem de todos”. (5)

O raciocínio com base em valores para a vida espiritual aparece em outros trechos da Epístola e Paulo separa claramente o que seria a lei de ordem material e elaborada para um contexto temporal. A Galácia sofria muita influência dos cristãos ligados ao judaísmo e eram chamados de “legalistas”. Registra um alerta com um tom enérgico:

3.1 O insensatos gálatas! quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, a vós, perante os olhos de quem Jesus Cristo foi evidenciado, crucificado, entre vós? 3.2 Só quisera saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? […] 3.12 Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá.

A dedicação deve ser desinteressada, como enfatiza Emmanuel:

“Trabalhemos, pois, contra a expectativa de retribuição, a fim de que prossigamos na tarefa começada, em companhia da humildade, portadora de luz imperecível”. (4)

Paulo repete conceitos emitidos em outras Epístolas, esclarecendo o valor da fé com base em ações e não a tradicional interpretação de se imaginar que seria suficiente um compromisso formal de aceitação da “lei de Moisés”. A fundamentação do ensino moral do Cristo, já registrada na Epístola aos Romanos é ratificada:

5.4 Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído. […] 5.14 Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.

A preocupação de Paulo com os desvios pessoais e de grupos transparecem nessa Epístola, onde ele é explícito, e anota uma enérgica admoestação com relação a problemas “como obras da carne”, que já identificava naquela época:

5.20 Idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias.

Na sequência, recomenda aos gálatas:

5.25 Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito.

Entendemos que o Apóstolo diferenciava as atitudes humanas, sem compromissos com a visão de vida imortal. Emmanuel analisa essa questão considerando os textos de Paulo sobre a polêmica carne versus espírito e deixa claro que a vontade é do espírito. A recomendação final resume a visão de Paulo para o melhor relacionamento entre os integrantes das comunidades da Galácia:

6:10 Então, enquanto temos tempo, façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé.

As ponderações do inspirado missivista merecem vários comentários de Emmanuel, dos quais destacamos:

“O Apóstolo Paulo reconhece que, às vezes, atravessamos grandes ou pequenos períodos de inibições e provações, pelo que nos recomenda: “enquanto temos tempo, façamos o bem a todos; contudo, mesmo nas circunstâncias difíceis, urge endereçar aos outros o melhor ao nosso alcance, porque segundo as leis da vida, aquilo que o homem semeia, isso mesmo colherá”. (6)

Nessa Epístola, o Apóstolo faz um significativo registro, que é repetido por muitas pessoas:

6.17 Desde agora ninguém me inquiete; porque trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus.

A colocação paulina pode ser interpretada pela ótica material, pois ele foi apedrejado, considerado morto e arrastado para fora de cidades. Literalmente, poderia ser interpretada como as marcas das cicatrizes dos flagelos a que foi submetido.(1) Champlin também considera que “os legalistas gálatas jactavam-se da ‘marca na carne” (2), ou seja, da circuncisão. Daí Paulo enfatizar outro tipo de “marca” – a espiritual -, já por ele definida na sua colocação “Cristo vive em mim”, e, que Emmanuel amplia a compreensão para o aspecto espiritual:

“Todas as realizações humanas possuem marca própria. Casas, livros, artigos, medicamentos, tudo exibe um sinal de identificação aos olhos atentos. Se medida semelhante é aproveitada na lei de uso dos objetos transitórios, não se poderia subtrair o mesmo princípio, na catalogação de tudo o que se refira à vida eterna. Jesus possui igualmente os sinais dEle. A imagem utilizada por Paulo de Tarso, em suas exortações aos gálatas, pode ser mais extensa. As marcas do Cristo não são apenas as da cruz, mas também as de sua atividade na experiência comum. Em cada situação, o homem pode revelar uma demonstração do Divino Mestre”. (5)

A Epístola aos Gálatas é fortemente sugestiva para a mais ampla reflexão para a avaliação sobre as “marcas do Cristo” – no sentido ético, moral e espiritual -, em nossas vidas e na Seara Espírita.

 

 

Referências:

1 – Walker, Peter. Pelos caminhos do apóstolo Paulo. Trad. Mariz, Andréa. Introdução, Cap. 6. São Paulo: Ed.Rosari. 2009.
2 – Champlin, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol. 4. Cap. Gálatas. São Paulo: Hagnos. 2014.
3 – Almeida, João Ferreira. A Bíblia Sagrada contendo o Velho e o Novo Testamento. Trad. Edição Corrigida e Revisa Fiel ao Texto Original. São Paulo: Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil. 2007.
4 – Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Pão nosso. Cap.47 e 155. Brasília: FEB.
5 – Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Vinha de luz. Cap. 8. Brasília: FEB.
6 – Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Palavras de vida eterna. Cap.129 e 169. Uberaba: CEC.

 

Fonte: Transcrição parcial-síntese de artigo do autor publicado em “Revista Internacional do Espiritismo”, edição de fevereiro de 2016
http://www.noticiasespiritas.com.br/2016/MARCO/02-03-2016.htm

 

 

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