02/12/2002
Por quê tememos a autoridade?
Antes de fazer esta pergunta é
necessário fazer uma outra: “Por quê nós
temos medo da autoridade?” Se esclarecermos o medo, provavelmente
vamos saber lidar melhor com as ameaças representadas por todas
as atitudes de mando, comando e autoridade. A questão não
se resolve com uma resposta simples. Quando temos temor frente à
autoridade, cabe uma parcela de responsabilidade a quem a representa
para nós, mas também cabe uma parcela a nós mesmos,
porque a figura de autoridade ou esse temor de que estamos falando
habita o nosso íntimo e nos faz, geralmente, muito mal.
Somos nós mesmos que deixamos os medos da autoridade tomar
conta da gente? Como este medo surge?
A figura de autoridade torna-se muito
grande sobre nós devido a importância ou valor que atribuímos
a ela. As raízes desses medos tem início, bem cedo,
na maneira como a autoridade é passada para nós através
da educação. Primeiramente, a influência do lar.
Os diálogos que são ouvidos pelas crianças é
uma das maneiras como elas aprendem. Os pais são os seus principais
autores. Quando a mãe diz, de forma natural e inconseqüente
“você vai ver quando o papai chegar, vou contar tudo
para ele”, não tem idéia do conteúdo
que está passando para o seu filho relacionado a autoridade.
Nesta idade, a criança não sabe ainda que é a
própria mãe que conta para o pai tudo que aconteceu
durante o dia na ausência dele. Para a criança, fica
a constatação de um fato misterioso. O pai fica sabendo
do que acontece mesmo não estando presente. Num outro momento,
a mãe usa outra expressão como “papai do céu
vai castigar você se mentir outra vez”. Para a criança
o papai do céu que pode ficar sabendo da sua mentira é
outro mistério. Na cabecinha infantil estes dois mistérios
começam a funcionar em conjunto. Papai do céu pode saber
de tudo que ela faz e o seu papai também fica sabendo das coisas
que acontecem mesmo não estando presente. Ambos os papais representam
autoridade invisível. Mais do que isso, uma autoridade sobrenatural
porque o papai do céu Todo Poderoso fica na mesma categoria
e dimensão do seu papai, pois ambos adquirem o mesmo tipo de
poder. É o que eu chamo de caráter sobrenatural da autoridade.
Daí por diante, qualquer figura de autoridade vai ter um traço
de poder misterioso e sobrenatural. Esta verdade que foi fixada pela
criança vai sendo confirmada pela vida afora, com expressões
do tipo “se a tua professora ver estar letra, você
vai levar um zero deste tamanho!” ou “se o teu
chefe te pega fazendo isso, você vai levar uma bronca daquelas”
até que as pessoas se casem, constituindo um novo casal e reiniciem
o ciclo ao educar os seus filhos, quando a nova mãe ou o novo
pai vai usar, e pior do que isso, vai repetir uma expressão
semelhante a que ouviu na infância “se a tua mãe
ver você mexendo na água, ela vai te bater!”.
Isto dito pelo pai ou pela babá, tem o mesmo efeito da frase
da mãe “você vai ver quando o seu pai chegar”.
As frases ouvidas durante a infância recebem outras versões,
mudam os personagens, mas o sentido continua o mesmo. Sempre conferindo
à figura de autoridade, um traço de super poder, na
medida em que pode punir, mesmo não estando presente ao ato
que a criança pratica. É o poder praticado à
distância, não porque esse poder exista de fato, mas
ele passa a agir dentro de cada um de nós como verdadeiro.
Esta verdade interna aparece nos medos e pelas sensações
de perseguição que vêm a nossa mente, quando nos
sentimos emocionalmente ameaçados pela autoridade invisível
que pode ver e punir. Chefes, professores, policiais e principalmente
os pais, moram dentro da gente como autoridades causadoras de medo,
porque representam o castigo que devemos sofrer por fazer alguma coisa
errada.
Que diferenças podem existir entre a autoridade e a pessoa
que manda?
As diferenças residem nas diversas
maneiras como a autoridade é exercida. Estas maneiras de que
falamos, vão determinar a qualidade do modo de exercer autoridade
e, ao mesmo tempo, construir a legitimidade da autoridade exercida
por alguém. O uso do autoritarismo, é apenas um modo
de exercer a autoridade, e podemos dizer que é o modo ruim
ou desqualificado de uma pessoa em posição de comando
ou de liderança, atribuindo-se o título de dono da verdade.
Alexandre Herculano disse que “o princípio da autoridade,
considerado como critério único e exclusivo da verdade,
é não menos falso que o da razão, da consciência,
ou de qualquer outro, tomado do mesmo modo exclusivamente”.
A posição de mando não confere à pessoa
a condição de idônea, nem torna a faz verdadeira
nos seus atos. A pessoa que manda, deve construir a sua autoridade
durante o tempo que está a frente de um grupo ou exercendo
um cargo que lhe permite ter pessoas subordinadas, para que possa
vir a ser referência para os outros, pelo seu modo de ser e
de agir. Não precisará provar nada, pois é como
é. Será reconhecida. Saberá ouvir quem a procure
sem medos e sem sentir-se ameaçada. Possui sabedoria e conhecimentos
para criar e estabelecer regras e normas, e saberá avaliar
as exceções quando elas surgirem. Será capaz
de demonstrar visão de futuro, percebendo novas tendências,
novos valores, hábitos e costumes. Mostrar-se-á como
uma pessoa de mente atualizada e inovadora. Acima de tudo, será
capaz de praticar atitudes éticas. Nenhuma dessas qualidades
você vai encontrar na pessoa mandona, porque ela depende dos
outros estarem submissos e concordes para conseguir demonstrar pseudo
firmezas e aparente segurança nas atitudes.
À luz da Doutrina Espírita, como podemos esperar
as atitudes de autoridade?
A faculdade mediúnica
possibilita a ligação entre as inúmeras dimensões
vibracionais do Universo, mostrando que a vida é ampla e infinita
e, para que possamos ser bons instrumentos da Vontade Divina, precisamos
apenas viver a normalidade da condição humana.
Por não termos “senso de humanidade”,
é que não aceitamos o atual estágio evolutivo,
ou seja, não admitimos viver, no momento presente, a etapa
existencial que o Criador nos destinou. No Livro dos Médiuns
em resposta à pergunta 226 encontramos a afirmação
de que o desenvolvimento da mediunidade não se processa na
razão do desenvolvimento moral porque a faculdade mediúnica
é orgânica e sendo assim, independe da moral. Mas o mesmo
não acontece com o uso da mediunidade que, pode ser bom ou
mau, segundo as qualidades de cada um. Desta forma, a autoridade moral
que podemos esperar de um dirigente ou praticante da Doutrina Espírita
que se constitua autoridade, esta sim, depende da pessoa que vai,
ao longo da vida, amadurecendo um pouco mais o seu Espírito
para encontrar-se já, em elevação moral e ser
capaz de exercê-la com este traço. Podemos pois, afirmar
que uma figura de autoridade de traços morais e éticos
duvidosos, não sabe administrar bem o que é valor pessoal
ou valor de outras fontes, querendo usar como se fosse dele, a sabedoria
e o discernimento de uma autoridade que não lhe pertence.
Você pode comentar alguma coisa sobre a questão
ética? O que é mesmo?
A palavra Ética vem do latim
e significa moral. Segundo o Dicionário Aurélio, é
o estudo dos juízos de apreciação que fazemos
sobre a conduta humana e suas atitudes, classificando-as do ponto
de vista do bem e do mal dentro de uma determinada sociedade.
Segundo o pensador francês André Comte-Sponville, não
nascemos virtuosos, mas nos tornamos pela educação,
pela moral, pelo amor. Agir bem e, antes de mais nada, fazer o que
temos que fazer, e depois o que se deve fazer, o que vem a ser moral.
Portanto, a moral estará mais no que devemos fazer. E é
claro que nesse dever, entra em questão o respeito e a consideração
aos outros. Como seres que um dia alcançaremos as virtudes,
ser ético é praticar o senso de justiça sendo
portanto, justo e bom. Nunca fazer alguma coisa para alguém
que não gostaríamos que fizessem a nós.