Espiritualidade e Sociedade





Sonia Campos

>   O Espiritismo é contra tatuagens?

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Sonia Campos
>   O Espiritismo é contra tatuagens?

 

Tatuar deriva do taitiano tatu, que quer dizer sinal, pintura. A tatuagem é o processo de introduzir sob a epiderme substâncias corantes a fim de apresentar na pele desenhos e pinturas. Significa ainda marca, sinal e estigma.

O costume de marcar a pele com desenhos é milenar. Em 1991, um casal de alpinistas encontrou uma múmia datada de cerca de 5300 anos, muito bem conservada, numa fenda entre geleiras dos Alpes, próximo à fronteira entre a Áustria e a Itália. Era do sexo masculino e ficou conhecido como Ötzi. O “Homem do Gelo” neolítico apresentava cerca de 60 tatuagens muito simples, feitas com pó de carvão e, provavelmente, não eram decorativas, e sim terapêuticas. As marcas estavam localizadas próximas ou sobre pontos da acupuntura, o que pode indicar que foram feitas para tratar alguma doença Eram linhas paralelas simples e cruzes na parte posterior do corpo.

Comprovando a antiguidade do costume de tatuar a pele, além do caso acima, podemos citar uma múmia feminina encontrada no vale do rio Nilo, no Egito, de cerca de 3 mil anos. As tatuagens estavam no pescoço, nas costas e nos ombros, apresentando não apenas desenhos geométricos, mas detalhes como flores de lótus, representação da deusa Hator (vacas com colares), cobras relacionadas com divindades femininas e olhos significativos de proteção. As tatuagens no pescoço parecem indicar que ela exercia influência na aldeia, através da fala ou do canto.

Na Rússia, corpos mumificados há 2500 anos apresentavam tatuagens. Um desses corpos era de uma princesa siberiana, pertencente a um povo nômade do século 5 a.C. Pelas características, deve ter sido curandeira. Foi sepultada entre dois guerreiros, também tatuados, que deveriam protegê-la na viagem além-túmulo.

Por esse resumo histórico, concluímos que os atuais portadores de tatuagens não estão longe dos nossos ancestrais, como se poderia supor.

Em tempos menos longínquos, no século 18, quando a Inglaterra e a França estendiam seus domínios além das fronteiras da Europa e da América, o navegador britânico James Cook realizou explorações no oceano Pacífico, nas quais descobriu a Austrália, a Nova Zelândia e o Havaí.

O capitão Cook foi um daqueles espíritos que, pela ousadia e coragem, reencarnaram predestinados a mudar o rumo da História. Sentem que podem chegar ao fim desejado, superando os desafios e os obstáculos do caminho, liderando homens em condições adversas.

O explorador inglês chegou à Polinésia em 1769 e registrou em seu diário de bordo o costume nativo, estranho para os europeus, que consistia em fazer tatuagem:

“Homens e mulheres pintam seus corpos. Na língua deles, chamam isso de tattow (tatau). Injetam pigmento preto sob a pele de tal modo que o traço se torna indelével”.

Os povos polinésios, através das tatuagens, expressavam fatos da vida cotidiana, como nascimento, puberdade, reprodução e morte. Eram também utilizadas em rituais.

Para os maori, da Nova Zelândia, as marcas feitas na pele constituíam a identificação do grupo social a que o indivíduo pertencia na tribo.

Os métodos primitivos, que acreditamos serem bastante dolorosos, foram aperfeiçoados e hoje em dia os desenhos subcutâneos são feitos com agulhas que introduzem os pigmentos, procurando produzir menos dor e com assepsia, caso realizados por profissionais competentes.


Gravura maori de um rosto tatuado,
prática comum deste povo.


O retorno de James Cook e seus marinheiros à Inglaterra popularizou a arte de transformar o corpo em uma tela viva. As tatuagens passaram a fazer parte do perfil dos homens do mar, que buscavam levar consigo para as longas viagens nomes ou símbolos dos afetos deixados em terra, como fazemos com fotografias.



O governo britânico, a partir de 1879, passou a tatuar criminosos para identificá-los. Em função disso, a tatuagem passou a sugerir algo ligado à marginalidade e à rebeldia.

Na 2ª Guerra Mundial, foram utilizadas para passar mensagens secretas através das linhas inimigas. De triste memória, ainda na 2ª Guerra Mundial, eram os números tatuados nos judeus dos campos de concentração, feitos pelos nazistas, a fim de identificar os prisioneiros.


Na Índia, há uma tradição milenar (mehdi) de pintar o corpo com hena, que é um pigmento natural, em ocasiões festivas como casamentos. Nessa técnica, a pintura é desenhada sobre a pele e não injetada, durando cerca de uma semana.


Após a breve contextualização histórica, passaremos a fazer considerações sobre as implicações espirituais da prática dessa arte em que o corpo é a tela. Em algumas religiões, é desencorajada ou proibida, pois seria vandalizar o corpo. Em outras, é incentivada, como no hinduísmo.

Mesmo sendo, como vimos, uma arte milenar, a tatuagem ainda hoje causa dúvidas, inclusive no meio espírita.

Qual a posição do Espiritismo quanto às tatuagens? Permite? Proíbe? Incentiva? Desestimula?

Allan Kardec foi de uma acuidade sem precedentes nas indagações que fez aos Espíritos que orientaram na Codificação da Doutrina Espírita. Fez perguntas, ao mesmo tempo, abrangentes e profundas, abordando fatos da vida material e pedindo esclarecimentos sobre a vida do espírito.

No discurso fúnebre quando do desencarne do codificador, Camille Flammarion referiu-se a Allan Kardec como “o bom senso encarnado”. Portanto, é o bom senso que deve permear o pensamento e as atitudes dos seguidores da Doutrina.

O Espiritismo não se baseia em proibições. Somente chama a atenção que, em função da lei de causa e efeito, todas as ações que praticamos acarretam consequências, positivas ou negativas, nesta ou em outras vidas. A culpa é substituída pela responsabilidade. Não há imposições dogmáticas, e sim discussão de problemas, apresentando soluções racionais.

Na sua época, século 19, conforme vimos, as tatuagens estavam restritas a determinados grupos e Kardec não se ocupou especificamente desse caso. Hoje, voltaram à moda e o meio espírita procura responder às perguntas que surgem.

Para embasar melhor este trabalho, pedimos o depoimento de duas pessoas íntegras, respeitadas por sua seriedade no trabalho mediúnico e que são tatuadas.

Eis o que diz E. A.:

“Até os 37 anos, não pensava em fazer. Aí vi uma de que gostei muito e claro, como sou apaixonada por gatos, era de um gatinho. Depois fiz mais algumas e pretendo fazer mais. Me encanta ter o corpo colorido por desenhos que mostram um pouco de mim e da minha história. Sinto que já colori meu corpo assim por inúmeras reencarnações. Quando vejo uma indiana toda cheia de tatuagens de hena, penso: já fui assim! Já colori meu corpo assim. E minha história com as tatuagens começou”.

A.R. médium, fundadora e presidente de casa espírita, relata o seguinte:

“Sou espírita desde muito nova e sempre gostei de tatuagens. Fiz a primeira aos 18 anos, embora um desenho pequeno com muito significado para mim. Mais tarde, já bastante atuante na Doutrina Espírita, fiz outras que têm significado muito profundo em minha vida. Cada tatuagem que tenho significa algo muito positivo. Vejo-as como um adorno no corpo, como uma joia que levamos durante toda a encarnação. Por este motivo, acredito que a tatuagem deve ser algo muito significativo para colocarmos em nosso corpo. Quando decido fazer uma, pesquiso o significado do desenho e sempre encontro algum que tenha vínculo com aquilo que acredito como espírita. Tatuada e espírita… Por que não? Respeito o meu corpo físico, morada de minha alma nesta encarnação e atuo ativamente no movimento espírita, mesmo com minhas muitas tatuagens, com responsabilidade, amor e imensa gratidão”.



Tatuar o corpo pode representar lembrança de vida passada, vivenciada em um grupo social em que era indício de status ou padrão de beleza. É a reencarnação anterior que retorna à memória.

Como a Doutrina revela, a intenção é primordial em tudo que fazemos. Por isso, antes de emitirmos qualquer juízo de valor, observemos com que intenção foi feita a tatuagem.

Evidentemente, símbolos trevosos e negativos serão verdadeiros ímãs de atração para espíritos sintonizados com tais energias, pois é claro que quem coloca em sua pele desenhos pregando violência, agressividade, ódio e preconceito revela o seu estado espiritual doentio. Prisioneiros inocentes de campos de concentração tinham o corpo marcado por estigmas, mas seus algozes tinham comprometimento muito maior e seus estigmas morais, mesmo invisíveis, provavelmente deixaram marcas indeléveis no perispírito.


Ao contrário, os que pretendem propagar sentimentos amorosos e de paz, demonstram um espírito voltado para coisas positivas. Por exemplo: um jovem desencarnou e seus amigos resolveram tatuar um símbolo apreciado pelo grupo, em homenagem ao que partiu; os que tatuam o nome de seus amados acreditam que o amor vai durar para sempre. Nesses casos, não há razão para estigmatizar o perispírito.

Sabemos que o perispírito registra as agressões sofridas pelo envoltório material, motivadas pelo próprio indivíduo que comete excessos de várias ordens, assim como aquelas provocadas por agentes externos. Aí sim, pode haver reflexo no perispírito que aparecerá em reencarnações futuras, em forma de doenças ou de marcas de nascença.

As marcas morais são mais significativas do que as físicas, quando estas não são feitas com sentido de mutilar o templo do espírito. Mulheres que atualmente fazem a chamada “maquiagem definitiva” (na realidade, são tatuagens) não precisam se preocupar se renascerão desprovidas de sobrancelhas...

Concluindo: Segundo Paulo, “Tudo posso, mas nem tudo me convém”. Portanto, analisemos nossas intenções antes de marcar o corpo físico.

Jesus advertiu: “Não julgueis”. Os que não praticam a arte de tatuagem, não emitam julgamentos precipitados.

 

Referências:



https://www.kardecriopreto.com.br/tatuagem-e-perispirito

https://mapadelondres.org/james-cook

https://oglobo.globo.com/sociedade/historia/tatuagens-de-vacas-babuinos-saodescobertas-em-mumia-de-3-mil-anos-19261544#ixzz4lOFAaR7g

 

 

Fonte: Revista CELD de Estudos Espíritas
https://celd.xyz/wp-content/uploads/09-Revista_CELD_Setembro_2017.pdf

 

 

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