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RESUMO
Em 1979 foi publicado um dos primeiros
ensaios críticos do protestantismo brasileiro. Seu autor,
Rubem Alves, então teólogo presbiteriano, professor
de filosofia e psicanalista, usando a linguagem da filosofia política,
apresentou um livro que viria a se tornar um texto clássico
no estudo do protestantismo brasileiro: Protestantismo e Repressão.
Para isso criou um tipo ideal: "Protestantismo da Reta Doutrina"
e desenvolveu uma metodologia própria, de inspiração
fenomenológica e weberiana. Hoje, quase 30 anos depois, uma
segunda edição surge com o nome "Religião
e Repressão". Este artigo, partindo de sugestões
da Sociologia do Conhecimento e das propostas de Pierre Bourdieu,
procura descrever o campo religioso brasileiro em que esse texto
surgiu, o contexto intelectual e político, discutindo a epistemologia
e a metodologia empregada por Alves na confecção de
sua obra.
(trecho inicial)
Inicialmente este artigo tinha a pretensão
de discutir alguns aspectos epistemológicos e metodológicos
do livro Protestantismo e Repressão (1979b) de Rubem
Alves. Mas, enquanto relíamos o texto esboçado, à
luz de outras publicações posteriores sobre o protestantismo
brasileiro, e de uma segunda edição publicada quase 30
anos depois, resolvemos reavaliar a abordagem proposta naquele livro.
Isto não significa, no entanto, deixar de fazer justiça
a um texto hoje considerado clássico no estudo do protestantismo
brasileiro.
Essa derradeira leitura nos levou à
conclusão que o conteúdo do livro de Alves continua provocativo,
e num certo aspecto, ainda não superado. No entanto, é
estranho que um texto como esse nunca tenha recebido ataques vindos
dos representantes das alas mais conservadores do protestantismo brasileiro.
Teria Alves inibido os adeptos do protestantismo que ele chamou de "Protestantismo
da Reta Doutrina"? Será que os possíveis leitores
protestantes não se reconheceram no tipo ideal por ele criado?
Ou será que os seus torpedos provocativos não atingiram
o alvo pretendido?
De qualquer forma consideramos que o livro de Alves
foi escrito com toda a paixão de um polemista, embora ele tenha
tentado se manter nos domínios do acadêmico e do científico.
Podemos então afirmar de Alves o que Karl Mannheim (1954:35)
escreveu a respeito do intelectual participante dos que disputam o controle
do inconsciente coletivo e que procura "não somente ter
razão, mas também demolir a base da existência social
e intelectual do adversário"?
O texto de Alves aqui analisado foi
escrito como tese de livre docência na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), onde Alves se aposentou. Propomos retomar o livro
de Alves com o objetivo de reavaliá-lo, justamente agora que
o espetáculo do autoritarismo político, da censura, da
prisão e da violência contra os intelectuais praticamente
desapareceram. Ficou apenas o atentado contra os bens públicos
e o permanente desrespeito para com o direito dos mais pobres e fracos.
Nesse novo cenário, o protestantismo alcançou um novo
patamar de adaptação, agora como "religião
do Espírito", sob a égide do mercado. No momento
em que Alves escreveu este livro, o protestantismo bebia nas fontes
do autoritarismo político, retemperava a sua força no
fundamentalismo norte-americano anticomunista, avesso ao ecumenismo
e ao diálogo inter-religioso.
Rubem Alves lançou, 26 anos depois,
uma nova edição de seu livro. Porém, houve uma
alteração no título: Religião e Repressão
(2005). Assim, a extensão do termo "Protestantismo"
foi ampliada para "Religião", uma palavra muito mais
ampla, que mereceu na nova edição oito páginas
sob o título "Trinta anos depois". Mas, como estarão
o perseverante leitor de Alves e os pesquisadores de um modo geral diante
de alterações significativas? Será que a ampliação
da extensão contribuiu para um aumento da compreensão
ou para uma conciliação entre título e conteúdo
do livro?
Sugerimos que a resposta a tais perguntas
pode ser tanto um "não" como também um "sim".
Não, porque o texto do livro disseca um conjunto
de qualidades perfeitamente adequadas apenas a uma parcela do protestantismo,
assim mesmo em um determinado momento histórico. Por isso mesmo
não se pode aplicar às religiões de um modo geral.
Sim, porque houve, ao longo dessas três décadas que separam
as duas edições, alterações biográficas
por um lado, e a adoção por Alves de novos projetos de
vida intelectual e profissional. Além do mais, a dinâmica
da pesquisa científica da religião, com mais força
do protestantismo brasileiro que apenas se iniciava nos anos 1970, alcançou
nas décadas posteriores uma crescente vitalidade e interdisciplinaridade
que toma conta de setores das ciências sociais e humanas.
Ao longo deste artigo pretendemos levar em consideração
uma frase de Pierre Bourdieu (2005:40): "compreender é
compreender o campo com o qual e contra o qual cada um se fez".
Daí a proposta: analisar o entorno da produção
de textos como o de Alves; trazer de volta um debate sobre a questão
da neutralidade científica no estudo das organizações
religiosas nas quais muitos autores são também atores;
também analisar o processo discursivo e o método empregado
por Alves, que a nosso ver é de inspiração fenomenológica;
a sua decisão de trabalhar com tipos ideais, à moda weberiana,
no caso com um tipo puro bem rotulado de "Protestantismo da
reta doutrina".
Inicialmente, a nossa intenção
era propor uma avaliação do livro de Alves à luz
da teoria do espaço metodológico quadripolar tal como
nos foi apresentada por Paul de Bruyne et al. (1982), ressaltando-se
os pólos epistemológicos, teóricos, morfológicos
e técnicos em uma atividade científica. Posteriormente
resolvemos inserir nessa discussão a própria atividade
de se fazer ciência, registrando-se uma breve reflexão
na linha da Sociologia do Conhecimento, tomando como objeto a trajetória
dos que inicialmente se debruçaram no estudo do protestantismo
brasileiro, usando-se para isso as armas das ciências sociais
e da filosofia. Nesse sentido, a pesquisa de Alves é significativa
na medida em que aponta para uma situação em que um pesquisador,
profundamente ligado ao mundo religioso, toma como objeto de estudo
a sua própria religião ou aquela religião da qual
já fez parte em uma fase anterior de vida.
Até então, a intenção
era valorizar não somente o produto da investigação
científica, mas também o processo da investigação.
Fomos atraídos a tal empreendimento pela proposta de Jean Ladriére
(De Bruyne 1982:21) de que devemos "captar a ciência em sua
gênese" ou o discurso científico em suas origens.
Tal proposta implica na separação do produto da ciência
de "seus enraizamentos, de suas condições de possibilidade,
de todo o campo de pressuposições que lhe fornece, por
assim dizer, o espaço no interior do qual ela pode se construir
e construir o seu objeto".
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Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872008000200006
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