Espiritualidade e Sociedade





Leonildo Silveira Campos


>   O discurso acadêmico de Rubem Alves sobre "protestantismo" e "repressão": algumas observações 30 anos depois

Artigos, teses e publicações

Leonildo Silveira Campos
>   O discurso acadêmico de Rubem Alves sobre "protestantismo" e "repressão": algumas observações 30 anos depois

 

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RESUMO

Em 1979 foi publicado um dos primeiros ensaios críticos do protestantismo brasileiro. Seu autor, Rubem Alves, então teólogo presbiteriano, professor de filosofia e psicanalista, usando a linguagem da filosofia política, apresentou um livro que viria a se tornar um texto clássico no estudo do protestantismo brasileiro: Protestantismo e Repressão. Para isso criou um tipo ideal: "Protestantismo da Reta Doutrina" e desenvolveu uma metodologia própria, de inspiração fenomenológica e weberiana. Hoje, quase 30 anos depois, uma segunda edição surge com o nome "Religião e Repressão". Este artigo, partindo de sugestões da Sociologia do Conhecimento e das propostas de Pierre Bourdieu, procura descrever o campo religioso brasileiro em que esse texto surgiu, o contexto intelectual e político, discutindo a epistemologia e a metodologia empregada por Alves na confecção de sua obra.

 

 

(trecho inicial)

Inicialmente este artigo tinha a pretensão de discutir alguns aspectos epistemológicos e metodológicos do livro Protestantismo e Repressão (1979b) de Rubem Alves. Mas, enquanto relíamos o texto esboçado, à luz de outras publicações posteriores sobre o protestantismo brasileiro, e de uma segunda edição publicada quase 30 anos depois, resolvemos reavaliar a abordagem proposta naquele livro. Isto não significa, no entanto, deixar de fazer justiça a um texto hoje considerado clássico no estudo do protestantismo brasileiro.

Essa derradeira leitura nos levou à conclusão que o conteúdo do livro de Alves continua provocativo, e num certo aspecto, ainda não superado. No entanto, é estranho que um texto como esse nunca tenha recebido ataques vindos dos representantes das alas mais conservadores do protestantismo brasileiro. Teria Alves inibido os adeptos do protestantismo que ele chamou de "Protestantismo da Reta Doutrina"? Será que os possíveis leitores protestantes não se reconheceram no tipo ideal por ele criado? Ou será que os seus torpedos provocativos não atingiram o alvo pretendido?

De qualquer forma consideramos que o livro de Alves foi escrito com toda a paixão de um polemista, embora ele tenha tentado se manter nos domínios do acadêmico e do científico. Podemos então afirmar de Alves o que Karl Mannheim (1954:35) escreveu a respeito do intelectual participante dos que disputam o controle do inconsciente coletivo e que procura "não somente ter razão, mas também demolir a base da existência social e intelectual do adversário"?

O texto de Alves aqui analisado foi escrito como tese de livre docência na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde Alves se aposentou. Propomos retomar o livro de Alves com o objetivo de reavaliá-lo, justamente agora que o espetáculo do autoritarismo político, da censura, da prisão e da violência contra os intelectuais praticamente desapareceram. Ficou apenas o atentado contra os bens públicos e o permanente desrespeito para com o direito dos mais pobres e fracos. Nesse novo cenário, o protestantismo alcançou um novo patamar de adaptação, agora como "religião do Espírito", sob a égide do mercado. No momento em que Alves escreveu este livro, o protestantismo bebia nas fontes do autoritarismo político, retemperava a sua força no fundamentalismo norte-americano anticomunista, avesso ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso.

Rubem Alves lançou, 26 anos depois, uma nova edição de seu livro. Porém, houve uma alteração no título: Religião e Repressão (2005). Assim, a extensão do termo "Protestantismo" foi ampliada para "Religião", uma palavra muito mais ampla, que mereceu na nova edição oito páginas sob o título "Trinta anos depois". Mas, como estarão o perseverante leitor de Alves e os pesquisadores de um modo geral diante de alterações significativas? Será que a ampliação da extensão contribuiu para um aumento da compreensão ou para uma conciliação entre título e conteúdo do livro?

Sugerimos que a resposta a tais perguntas pode ser tanto um "não" como também um "sim". Não, porque o texto do livro disseca um conjunto de qualidades perfeitamente adequadas apenas a uma parcela do protestantismo, assim mesmo em um determinado momento histórico. Por isso mesmo não se pode aplicar às religiões de um modo geral. Sim, porque houve, ao longo dessas três décadas que separam as duas edições, alterações biográficas por um lado, e a adoção por Alves de novos projetos de vida intelectual e profissional. Além do mais, a dinâmica da pesquisa científica da religião, com mais força do protestantismo brasileiro que apenas se iniciava nos anos 1970, alcançou nas décadas posteriores uma crescente vitalidade e interdisciplinaridade que toma conta de setores das ciências sociais e humanas.

Ao longo deste artigo pretendemos levar em consideração uma frase de Pierre Bourdieu (2005:40): "compreender é compreender o campo com o qual e contra o qual cada um se fez". Daí a proposta: analisar o entorno da produção de textos como o de Alves; trazer de volta um debate sobre a questão da neutralidade científica no estudo das organizações religiosas nas quais muitos autores são também atores; também analisar o processo discursivo e o método empregado por Alves, que a nosso ver é de inspiração fenomenológica; a sua decisão de trabalhar com tipos ideais, à moda weberiana, no caso com um tipo puro bem rotulado de "Protestantismo da reta doutrina".

Inicialmente, a nossa intenção era propor uma avaliação do livro de Alves à luz da teoria do espaço metodológico quadripolar tal como nos foi apresentada por Paul de Bruyne et al. (1982), ressaltando-se os pólos epistemológicos, teóricos, morfológicos e técnicos em uma atividade científica. Posteriormente resolvemos inserir nessa discussão a própria atividade de se fazer ciência, registrando-se uma breve reflexão na linha da Sociologia do Conhecimento, tomando como objeto a trajetória dos que inicialmente se debruçaram no estudo do protestantismo brasileiro, usando-se para isso as armas das ciências sociais e da filosofia. Nesse sentido, a pesquisa de Alves é significativa na medida em que aponta para uma situação em que um pesquisador, profundamente ligado ao mundo religioso, toma como objeto de estudo a sua própria religião ou aquela religião da qual já fez parte em uma fase anterior de vida.

Até então, a intenção era valorizar não somente o produto da investigação científica, mas também o processo da investigação. Fomos atraídos a tal empreendimento pela proposta de Jean Ladriére (De Bruyne 1982:21) de que devemos "captar a ciência em sua gênese" ou o discurso científico em suas origens. Tal proposta implica na separação do produto da ciência de "seus enraizamentos, de suas condições de possibilidade, de todo o campo de pressuposições que lhe fornece, por assim dizer, o espaço no interior do qual ela pode se construir e construir o seu objeto".

 

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Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872008000200006

 



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