O atendimento da noite agora se encerrava
naquele terreiro de Umbanda. Alguns dos pretos velhos que haviam trabalhado
se desligavam de seus aparelhos, não sem antes equilibrá-los
com energias edificantes e benfazejas. Um dos médiuns, após
praticamente "despachar" seu protetor, apressou-se em ajoelhar-se
aos pés da preta velha que ainda permanecia incorporada, para
solicitar aconselhamento.
O bondoso espírito acolheu
amorosamente suas lamentações como o fez com todos os
outros que haviam passado por ela naquela noite. Ouviu tudo fumegando
seu cachimbo, porém nada falou. Saravou aquele filho, agradecendo-o
pela caridade que havia prestado e assim se despediu, largando seu
aparelho. O médium por sua vez, desajeitadamente se retirou,
sem conseguir entender o silêncio da Preta Velha. Um misto de
rejeição e indignação passou a povoar
seus sentimentos, e pensou:
- "Então é assim! Eu fico fazendo caridade por
horas a fio e quando solicito ajuda, o que recebo?"
Enquanto a corrente mediúnica realizava as preces de encerramento
da sessão, ele sentiu uma inexplicável sonolência
que o obrigou a dirigir-se diretamente para casa, ignorando o programa
prévio de sair com os amigos para mais uma noitada de lazer
em bares da cidade.
Mal adormeceu, em corpo astral, através do desdobramento, percebeu
estar ajoelhado sobre folhas verdes e cheirosas num ambiente simples,
cujas paredes eram feitas de bambu, o teto de folhas de coqueiro e
o chão de terra batida. Algumas tochas iluminavam o local,
e havia uma cantiga no ar que ele bem conhecia. Sentindo a presença
de alguém, virou-se e o viu sentado em seu tosco banco com
aquele sorriso matreiro e cachimbo no canto da boca. Sua roupa, bem
como seus cabelos brancos, contrastava com a pele negra. Os pés
descalços e calejados. No pescoço um rosário
cujas contas eram pura luz. Sim, era ele, Pai Benedito, seu protetor.
- “Saravá zin fio!” Falou
a Entidade de Luz!
- “Saravá meu Pai!”
Respondeu ele.
- “Pai Benedito chamou o filho
até sua tenda para poder explicar tudo aquilo que você
não conseguiu entender com a orientação da mana
lá no terreiro da terra.” Explicou seu protetor.
- “Meu Pai, ela nada falou...”
Reclamou ele.
- “E suncê se magoou,
não foi?” Perguntou seu Protetor.
- “É... não compreendi...”
Respondeu tristemente. A maravilhosa Entidade então, explicou:
- “Por isso Pai Benedito o trouxe até
aqui e vai explicar. Os filhos da terra ainda não conseguem
compreender a mensagem do silêncio devido às suas mentes
aceleradas pelo imediatismo, pela falta de concentração
e pelo vício de "receitas prontas". A mana que nada
disse ao filho, agiu assim justamente para incentivar a sua busca
das respostas.
Queria que o filho, instigado pela
falta do aconselhamento a que vinha se acostumando, pudesse parar
e pensar. Pensar em todos os conselhos que seu protetor, através
de seu aparelho, havia passado para as pessoas que atendera lá
no terreiro há momentos atrás.
O silêncio da preta velha, quis
dizer ao filho que o primeiro e maior beneficiado da abençoada
tarefa mediúnica é o próprio mediador. A sua
característica de médium consciente permite que receba
e transmita os nossos pensamentos e os bons fluídos dos quais
se torna canal. Para que o intercâmbio "médium-espírito"
aconteça, pela Bondade Divina, o corpo astral do mediador é
previamente preparado antes de reencarnar através da "sensibilização
fluido-mediúnico" de seus centros de forças para
que assim se dê a afinização com seus protetores.
Durante toda a vida encarnada, é ainda
alertado e amparado para que possa exercer o mandato dentro do programado.
No entanto, existe um carma envolvendo tudo isso, e o fato dos filhos
prestarem a caridade não os isenta dos entrechoques a que estão
sujeitos na matéria, que nada mais são do que ensinamentos
necessários do certo e do errado.
Respeitando as escolhas feitas, esses
protetores tantas vezes perdem seus pupilos para os descaminhos da
vida, mesmo e apesar de todo esforço, e então lhes resta
aguardar que o relógio do tempo os traga de volta pela mão
da dor.
Pai Benedito não se entristece,
se o filho por vezes o dispensa, ou não entende suas mensagens.
Nem mesmo quando o filho desfaz as energias recebidas após
o trabalho de caridade através da busca de prazeres ilusórios
e momentâneos. Apenas ajoelha diante do Congá, que no
plano astral fica sempre iluminado pelas velas da caridade prestada
nas poucas horas em que a corrente de médiuns se reúne
na terra, e implora ao Pai Oxalá a sua compreensão para
todos os espíritos que ainda teimam em permanecer colados às
suas mazelas no plano terreno.
Por isso filho, estando aqui em frente a este
espírito que tanto o ama e cuja ligação perde-se
no tempo, peço que desabafe suas dores, que tire as dúvidas
que angustiam seu coração.”
Agora o silêncio era todo seu.
Apenas as grossas lágrimas que desciam de sua face falavam
de sua pouca fé, de seu descrédito até então,
da própria mediunidade. De seus momentos de incertezas quanto
a estar servindo realmente de canal para Pai Benedito, de seus medos
em relação ao animismo e da confusão que fazia
dele com a mistificação. Mas principalmente de sua vontade
de largar tudo pelos prazeres do mundo, afinal era muito jovem ainda
para levar uma vida regrada em função da mediunidade.
Então a Entidade de Luz continuou:
- “Pai Benedito compreende a
angústia do filho, mas pede que revise os tantos avisos que
recebeu em seus sonhos, nas palestras instrutivas que ouviu lá
no terreiro, nos livros que chegaram até suas mãos e
nas tantas vezes que a Preta Velha o instruiu, o aconselhou. Onde
estão estas informações? Para quem eram dirigidas
nossas palavras nos atendimentos, senão para você que
as ouvia antes de repassá-las? Nada é proibido aos filhos
no estágio da matéria, mas em tudo deverá existir
o equilíbrio.“
O silêncio da Preta Velha havia
sido traduzido, e agora ele conseguia compreender que fora o melhor,
dos tantos conselhos que ouvira dela.
Fechando seus olhos, agradeceu a ela
mentalmente e quando os abriu, além do cheiro de incenso e
da claridade que se instalara naquele ambiente, percebeu que tudo
modificara. A humilde tenda agora era um templo iluminado por vitrais
coloridos que formavam filetes de luz que se entrecruzavam num quadro
de beleza estonteante. No chão, ao centro, em esplendoroso
piso vitrificado havia o desenho de uma mandala, que de seu centro
irradiava luz dourada. Já não estava mais diante daquele
Pai Velho em humildes trajes, pois ele havia se transfigurado num
ser de características orientais, de olhar penetrante. Nada
pode pronunciar, sua voz embargou. Havia que se fazer o silêncio
para que só ele traduzisse a mensagem agora recebida.
Naquela manhã acordou muito
cedo, tendo plena lembrança de seu "sonho". No ar,
ainda o cheiro do incenso. Não fosse a exigência da vida
física, ficaria o dia todo calado, saudando o silêncio
da Preta Velha.
"Que nos ouça, quem tem ouvidos de ouvir". Saravá
aos filhos da Terra.
Esta mensagem foi recebida espiritualmente
pela médium Leni W. Saviscki e foi publicada originalmente
no Jornal de Umbanda Sagrada – Número 63 – em
Julho de 2005.
Que esta maravilhosa mensagem, que encerra um ensinamento
tão profundo, possa trazer muita compreensão, paz
e luz à todos nós que trabalhamos na Umbanda!
Fonte: http://espiritualizandocomaumbanda.blogspot.com.br/2010/08/voz-do-silencio-por-vovo-benta.html
topo