Eis o artigo de Gregory Baum
"Há alguns decênios,
a reflexão teológica sobre o amor homossexual se desenvolveu
bastante. Dois fatores históricos provocaram este inesperado
desenvolvimento.
Em primeiro lugar, as ciências psicológicas e antropológicas
descobriram que a orientação homossexual não
é nem uma doença, nem uma perversão da natureza,
mas uma variante absolutamente natural que diz respeito a uma minoria
de homens e mulheres.
Durante os anos sessenta e setenta,
organismos profissionais, aí compreendidas associações
de médicos, mudaram, por isso, seu juízo negativo com
respeito ao fenômeno homossexual.
Estas declarações científicas assinalaram uma
virada cultural bastante notável. As grandes tradições
religiosas haviam sempre condenado o amor homossexual como uma perversão
da natureza. Os pensadores religiosos estavam convencidos que a orientação
heterossexual fosse universal e que os atos homossexuais fossem comportamentos
anormais, que transgrediam uma lei essencial da natureza humana. É
por esta razão que alguns textos bíblicos denunciam
o amor homossexual. No século 19 as sociedades modernas também
decidiram criminalizar o comportamento homossexual.
Somente em fins do século 19
muitos pesquisadores reconheceram que a homossexualidade é
uma orientação não escolhida e estável
de algumas pessoas. Reagindo a esta descoberta, os moralistas, não
podendo mais reconhecer nos homossexuais pecadores que podiam converter-se,
começaram a considerá-los inferiores, enfermos, caracterizados
por desordens e privados de equilíbrio psíquico.
A Igreja católica ainda permaneceu ligada a este ponto em seu
ensinamento oficial. Segundo uma Declaração da Congregação
para a doutrina da fé, “a condição homossexual
é destituída de sua finalidade essencial e indispensável
e é, portanto, intrinsecamente desordenada”. Uma declaração
romana mais recente nos diz que os homossexuais não devem ser
ordenados padres porque não são capazes de ter relações
sadias com os homens e as mulheres da sua paróquia. Estes juízos
oficiais, no entanto, indiferentes aos resultados da pesquisa científica,
já não têm mais nenhuma credibilidade.
Dignity, uma associação de católicos gays e lésbicas,
fundada em Los Angeles em 1973, apresentou a própria confissão
de fé: “Cremos que os católicos gays são
membros do corpo místico de Jesus e fazem parte do povo de
Deus. Temos uma dignidade intrínseca, porque Deus nos criou,
porque Cristo morreu por nós e porque o Espírito Santo
nos santificou com o Batismo, fazendo de nós canais pelos quais
o amor de Deus se expande no mundo... Nós cremos que os gays
podem expressar sua sexualidade por um modo conforme ao ensinamento
de Jesus”.
Desde então, nasceram associações
de gays e lésbicas em diversos países. Há coletâneas
de livros e artigos nos quais estes católicos contam e analisam
sua experiência religiosa e apresentam reflexões teológicas
fundadas na sua leitura da Bíblia. Neste esforço de
repensar sua tradição, estes católicos são
acompanhados por gays protestantes, judeus e muçulmanos. Segundo
eles, ter fé quer dizer aceitar a própria orientação
sexual como um dom de Deus.
O Deus do universo, que criou uma maioria de pessoas “straight”,
heterossexuais, decide criar uma minoria de pessoas homossexuais.
Ao invés de se lamentar diante de seu criador, estes cristãos
homossexuais têm orgulho da orientação sexual
que Deus lhes deu e vivem o Eros do amor ao seu modo, seguindo o ensinamento
de Jesus. Em suas relações amorosas querem permanecer
fiéis à vida espiritual, superar seu próprio
egoísmo, abrir-se ao amor altruísta pelo outro, recusar
a dominação e a dependência psicológica,
praticar a reciprocidade e a partilha.
Muitos teólogos reconhecem
hoje que a reflexão moral sobre o amor homossexual não
é autêntica se não são lidos os escritos
dos cristãos gays e se não é tomada a sério
o testemunho de sua fé. Todavia, estes teólogos se dão
conta que a posição defendida pelos católicos
gays contradiz o ensinamento oficial da Igreja católica. Os
teólogos sabem, ao mesmo tempo, que a Igreja, condicionada
por novas experiências religiosas, por descobertas científicas
e por uma releitura dos textos bíblicos, mudou, com freqüência,
seu ensinamento. Nós não cremos mais no “fora
da Igreja nenhuma salvação”, doutrina enunciada
pelos concílios do passado, não aceitamos mais a existência
do limbo, pregada por séculos, apoiamos a liberdade religiosa
e os direitos humanos, embora estas idéias tenham sido severamente
condenadas pelos papas do século 19; estamos conscientes que
a Igreja mudou seu ensinamento sobre a tortura e a pena de morte,
e assim por diante. É, pois, absolutamente razoável
pensar que num destes dias a Igreja também mude sua ética
sexual."