Tendo um padre como padrinho e uma amiga como madrinha, mas nem o
seu pai, nem a sua mãe ao seu lado, Guy-Khaled recebeu o batismo
no domingo (30/03), numa igreja no departamento do Var (sudeste).
Desde então, ele se sente "iluminado".
Nascido na França, criado dentro da tradição
muçulmana, este jovem de 26 anos juntou-se a algumas centenas
de muçulmanos que, de maneira mais ou menos declarada, se convertem
todos os anos ao cristianismo, abraçando a religião
católica ou protestante. Ele declara as suas convicções
com o fervor de um militante. O seu pai e os seus meio-irmãos
e irmãs desaprovam o caminho que ele escolheu, criticando-o
por ter "renegado a sua cultura". A sua mãe "tem
dificuldades para compreender", mas "aceita as suas decisões"
e o acompanha de vez em quando nos encontros com cristãos dos
quais ele participa. Alguns dos seus antigos amigos acusam-no de ter
cometido a apostasia e não falam mais com ele.
Khaled garante ter chegado a se interessar pelo salafismo,
uma vertente rigorista do Islã, quando ele tinha 17 anos. Durante
um verão na Argélia, o então colegial, já
fortemente influenciado pela sua formação "em literatura
e em civilização francesas", empreende o "seu
caminho rumo ao Islã" sob a orientação de
um primo salafista. Ao retornar à França, enquanto ele
inicia seus estudos de direito, o jovem rapaz freqüenta assiduamente
a mesquita. Mas, aos 20 anos, sentindo-se "mal à vontade
em meio ao comunitarismo" imposto pelas suas novas orientações
religiosas, atormentado por "questões fundamentais às
quais o Islã não responde", ele começa a
sentir a necessidade de observar uma "pausa" religiosa.
Diversas discussões com Guy, um professor de filosofia católico
que ele conheceu por acaso, levam-no a descobrir uma "proximidade
com o Deus cristão" e correspondem às suas expectativas.
O nome de batismo que ele escolheu presta uma homenagem a este encontro.
O percurso de Fátima, que chegou da Argélia
aos 13 anos com a sua família para se instalar no norte da
França, é bem mais complicado que o de Guy-Khaled. Seduzida
pela leitura da Bíblia e "convencida" desde a adolescência
de que ela se tornaria cristã, ela demorou mais de trinta anos
até se converter efetivamente Foi há cinco anos, aos
52 anos de idade. Ao longo de muitos anos, ela participou de reuniões
de grupos de oração, em segredo. Atualmente, alguns
dos seus oito irmãos e irmãs conhecem a sua nova fé,
e outros não. "Eu ainda tenho medo de ser agredida ou
que as pessoas zombem de mim, e não me sinto serena o suficiente
para assumir essas coisas", explica esta solteira que se fez
batizar numa comuna distante da do seu domicílio. "Até
mesmo aqui, não faltam muçulmanos que pensam que aqueles
que mudam de religião são apóstatas. Na minha
família, muitos são os que jamais poriam os pés
dentro de uma igreja".
Que eles estejam ou não apaziguados, as relações
que cultivam os convertidos com o Islã permanecem marcadas
por um ponto negro intransponível: a acusação
de apostasia, que conduz eventualmente os convertidos a se tornarem
alvos de ameaças.
"A falta de tolerância e o fato dos muçulmanos
considerarem que eles são seguidores da única verdadeira
religião me deixam revoltada. E quando eu penso no estatuto
que esta religião atribui à mulher, me dá vontade
de vomitar", confia Fátima, que, entretanto, se diz
mais "tranquila" em relação ao Islã.
"No começo, junto com outros convertidos, eu me mostrava
muito agressivo para com o Islã", reconhece por sua
vez Guy-Khaled. "Trata-se de um fenômeno psicológico
normal que vai se atenuando à medida que você vai progredindo
na sua nova fé".
"As atitudes de denegrir e de se opor ao que é diferente
não eram as armas do Cristo. É possível denunciar
a face negra do Islã com amor e respeito", afirma por
sua vez o pastor evangélico Said Oujibou, um convertido de
39 anos, que se diz desconfiado das "falsas conversões,
que se destinam apenas a compensar uma overdose de Islã".
Em todo caso, todos eles lamentam que os representantes do Islã
na França não adotem posicionamentos mais explícitos
e claros no sentido de afirmarem o princípio da liberdade religiosa,
principalmente no que diz respeito aos casamentos mistos (de parceiros
de religiões diferentes), em relação aos quais
"a parte cristã, com grande freqüência, é
incentivada a se converter". Após ter se mantido discreta
em relação a este assunto até estes últimos
anos, a Igreja católica, que batiza anualmente entre 150 e
200 adultos de origem muçulmana, desde então afirma
julgar a "liberdade religiosa e a reciprocidade essenciais".
"Não seria o caso de todos nós
conseguirmos dizer as coisas abertamente uns aos outros, sem que seja
preciso agir de maneira secreta?", se interroga Dom Michel Dubost,
um bispo de Evry (Essonne, região parisiense), que está
envolvido em ampliar o diálogo com o Islã. Uma dezena
de muçulmanos vem sendo batizada todos os anos em sua diocese;
neste ano, revelou-se necessário celebrar um batismo de maneira
"não pública". Por sua vez, a diocese de Fréjus-Toulon,
que não dá tanta importância para problemas desta
natureza, implantou um fórum de "comunhão e evangelização",
especificamente dedicado às práticas missionárias
voltadas para o mundo muçulmano.
Dentro deste contexto, a conversão, amplamente
repercutida pelos meios de comunicação, de um muçulmano
italiano, em 22 de março no Vaticano, foi comemorada pelos
convertidos da França. "Eu abençôo o papa,
que pôs o dedo na ferida", comenta Mohammed Christophe
Bilek, o fundador da igreja Nossa Senhora de Cabília, em Créteil
(Val-de-Marne, região parisiense). "Essas conversões
têm sido cada vez mais numerosas; tanto pior se isso desagrada
aos guardiões do templo do Islã. Toda pessoa deve poder
ser batizada, isso diz respeito aos direitos humanos", acrescenta.
Convertido já faz 38 anos, este comerciário originário
da Argélia lembra que naquela época, "ninguém
prestava muita atenção nessas coisas. As famílias
não estavam necessariamente de acordo, mas ninguém corria
o risco de ser agredido".
Da mesma forma que outras comunidades, os franceses
de cultura muçulmana, que eles sejam crentes ou agnósticos,
vêm sendo confrontados a uma oferta espiritual diversificada,
de maneira sempre mais intensa. Entre os convertidos, destaca-se principalmente
a situação dos filhos de casais mistos.
"Quase sempre embarcados no Islã por
influência dos seus parentes muçulmanos", conforme
sublinha um padre católico, "eles acabam questionando
esta herança ao chegarem à idade adulta".
A rejeição de um sistema de valores
que não lhes parece adaptado à modernidade, um eventual
encontro benéfico, uma experiência mística, ou
ainda a descoberta dos textos cristãos, são ocorrências
que caracterizam outros percursos de conversão, segundo explicam
católicos dedicados a acompanhar os convertidos.
"Na minha diocese, uma jovem mulher muçulmana
descobriu que Santo Agostinho (354-430) era berbere; ela começou
então a ler os seus textos, e foi isso que a conduziu para
o caminho da conversão", testemunha Dom Dubost.
Do lado protestante, os evangélicos e os carismáticos,
que não hesitam a falar de Jesus em árabe, em turco
ou na língua da Cabília (região da Argélia),
buscam atrair fiéis que estejam "em busca de novas comunidades".
"Todo ano, nós acolhemos um número
três vezes maior de convertidos do que os católicos",
garante o pastor Oujibou, que optou por orientar a sua militância
no sentido de lutar para que um maior destaque seja dado para esses
novos cristãos na sociedade francesa.
"É preciso lembrar que quando uma pessoa se converte,
ela não está traindo a sua cultura", insiste
este pai de família que afirma com orgulho ser "marroquino
e cristão". Contudo, no começo, para os seus
pais e para a maior parte dos seus onze irmãos e irmãs,
a sua conversão e aquela da sua irmã primogênita
representaram "o fracasso da sua migração na
França".
Diferentemente dos outros, Said não acrescentou
um nome de batismo ao lado do seu nome de origem.
"Eu teria tido a impressão de
estar renegando a minha identidade", diz, sorrindo.
Os convertidos gostariam de ver um dia os franceses
não colocarem necessariamente uma etiqueta "muçulmano"
em alguém que se chama Mohammed.