Na condição de encarnados, podemos apenas intuir as
implicações do trabalho de desobsessão, sem alcançar
seu real significado.
Para entender sua importância, precisamos lançar mão
de experiências do nosso espírito imortal que, ao longo
de seus quarenta mil anos de uso da razão, já vivenciou
despido do corpo os resultados desses trabalhos, na reorientação
de suas próprias questões internas, que remetem à
sucessão das reencarnações.
Muitos centros espíritas condicionam o exercício do
trabalho mediúnico a um ciclo de aprendizado formal, que chega
a durar cinco anos - o tempo de uma faculdade. A prática mostra
que o rigor formal não é suficiente para garantir a
seriedade das atividades nem para forrar o grupo aos riscos de infiltrações
de espíritos levianos, que às vezes obtêm sucesso
na tarefa de subverter as possibilidades do trabalho, tomando para
si atribuições que são exclusivas de mentores,
em seus diferentes graus e tornando precário o socorro.
O requisito fundamental para a prestação do serviço
de maneira séria é a maturidade do senso moral dos trabalhadores
envolvidos. É claro que o conhecimento formal ajuda; mas não
pode, por si só, desenvolver esse senso.
Não é possível sequer dizer sem medo de errar
que o estudo estruturado garanta a conexão com a espiritualidade
superior, que é fundamentalmente energética.
Em primeiro lugar, para lidar com a questão da mente humana,
é preciso ter um conhecimento mínimo de como ela funciona.
Encarnados e desencarnados possuem conteúdos inconscientes
e a proporção do conteúdo imerso em sombra é
tanto maior quanto seja o desconhecimento de si próprio, que
aumenta na razão da baixa vibração do espírito.
Fundamentalmente, o atendimento a desencarnados estrutura-se a serviço
de seres humanos que, despidos da carne, não conhecem a si
próprios e por isso mesmo não conseguiram lançar
luzes sobre questões fundamentais de suas existências.
Trata-se, portanto, de um trabalho de identificação
do problema central, apresentação do problema ao paciente
e orientação para que os passos sejam dirigidos no sentido
da superação, que é sempre pessoal.
É virtualmente impossível que a equipe encarnada desenvolva
um trabalho à altura das necessidades desse intercâmbio,
se os próprios encarnados estiverem presos a verdades fáceis
e seu próprio conteúdo inconsciente estiver necessitado
de iluminação em proporção importante.
Uma armadilha recorrente é a ilusão de que a bondade
seja a aceitação piegas do outro, sem o enfrentamento
de sua sombra. A tradição ocidental açucara a
voz dos santos, coloca sorrisos em personas para mimetizar aceitação
e feminiliza o Jesus pictórico, como se a precisão de
suas palavras em relação a todo o farisaísmo
pudesse ser desconsiderada, pura e simplesmente.
O atendimento feito pelo esclarecedor, muitas vezes, fica reduzido
à fórmula fácil: "Boa noite, meu irmãozinho.
O que podemos fazer por você? Estamos aqui para te ajudar..."
Ora, se o espírito em atendimento possui, como é pressuposto,
larga faixa de conteúdos inconscientes, e muitas vezes não
está disposto no momento ao enfrentamento de nós que
nem mesmo para ele são claros, assim como é fácil
que seu inconsciente minta para seu consciente, ambos mentirão
com candura para o doutrinador, sem que o atendimento seja eficiente.
Até mesmo a postura física enovelada do médium
psicofônico pode facilitar a ocultação das questões
viscerais, pelo bloqueio da energia captada pelo esclarecedor.
Apenas a visão sem profundidade pode aceitar o encaminhamento
fácil e a partida redentora com os amigos espirituais "aqui
para te ajudar".
O médium incorporador sensível trava na boca o gosto
da insatisfação da tarefa por fazer, justamente porque
durante a conexão, acessa conteúdos conscientes e inconscientes
do espírito que incorpora. Se o primeiro tiver conhecimento
mínimo de si próprio, saberá desmarcarar as armadilhas
inconscientes do espírito em atendimento. A sensação
do incorporador, no sentido de que a questão fundamental tenha
sido trabalhada ou ignorada, é elemento importantíssimo
para aperfeiçoamento dos trabalhos do grupo.
Nem pode o esclarecedor melindrar-se com a crítica diante de
um trabalho incompleto, já que somos todos humanos e sempre
haverá erro; nem pode o incorporador eximir-se de expressar
de modo respeitoso essas sensações que por não
serem objetivas não deixam de ser informação
fundamental.