Espiritualidade e Sociedade



Alexandre Ramos de Azevedo

>   Os abrigos espíritas para a infância no Brasil sob o olhar atento da imprensa espírita luso-brasileira, de 1919 a 1955

Artigos, teses e publicações

Alexandre Ramos de Azevedo
>  Os abrigos espíritas para a infância no Brasil sob o olhar atento da imprensa espírita luso-brasileira, de 1919 a 1955: uma busca de reconhecimento e popularidade ou simplesmente a afirmação da caridade enquanto Princípio Básico do Espiritismo?

 

 

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RESUMO

Apesar de o espiritismo ter se afirmado publicamente, enquanto doutrina, na França de 1857, é no Brasil, a partir de 1919, que o lema “Fora da caridade não há salvação” passou a se traduzir em um intenso movimento de criação de instituições que visavam acolher, na modalidade de abrigo, a infância dita “desvalida”. É claro que antes de 1919, ainda nos primeiros anos do século XIX, os brasileiros presenciam uma significativa obra de amparo à infância desenvolvida no Estado de São Paulo por Anália Franco. Entretanto, a espírita Anália Franco, à frente da Associação Feminina Beneficente e Instrutiva do Estado de São Paulo, não desenvolve, em nosso entendimento, uma obra social propriamente espírita. Por isso, preferimos adotar o ano de fundação, na cidade do Rio de Janeiro, da instituição denominada Abrigo Teresa de Jesus como o marco inicial do período que interessa a esse trabalho.

O final do nosso percurso se remete ao ano de 1955, escolhido por se tratar do ano em que um ilustre personagem da imprensa espírita portuguesa vem ao Brasil com a intenção de apresentar a seus leitores uma crônica a respeito da grande obra que, segundo ele, estava sendo desenvolvida pelos espíritas no Brasil. Essa crônica, na verdade, já vinha há muito sendo escrita através da imprensa luso-brasileira, mas a viagem teve uma intenção e/ou efeito de realçar ainda mais as virtudes de uma obra que passou a ser motivo de orgulho e, por isso, deveria ser conhecida por todos.

Sabe-se que a situação dos espíritas em Portugal não era nada boa nos idos de 1955, em plena ditadura de Salazar. Com o patrimônio de inúmeras de suas instituições confiscado e com seus direitos de reunião e associação limitados, os espíritas portugueses, dispersos, tinham como um dos poucos meios de aproximação a revista “Estudos Psíquicos”, de Lisboa, fundada e dirigida Isidoro Duarte Santos desde 1940. Esse português, a convite dos brasileiros, atravessa o Atlântico e em 18 de abril chega à capital brasileira, onde começa sua jornada pelo Brasil, narrada nos dois volumes do livro “O Espiritismo no Brasil (ecos de uma viagem)”.

Da capital do Brasil, ele parte para outras cidades nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Nesse percurso, boa parte de seu tempo é utilizada para visitar instituições que se dedicavam à assistência social. Dentre elas, inúmeros abrigos de crianças, tais como a Casa de Luciá, no Rio de Janeiro-DF; o Lar de Jesus, em Nova Iguaçu-RJ; o Orfanato Dr. March, em Niterói-RJ; o Lar de Maria, em Macaé-RJ; Escola Jesus-Cristo, em Campos- RJ; Casa da Criança Abandonada, em Cachoeira Paulista-SP; Lar Manuel Pessoa de Campos, em Três Rios-RJ; Instituto Jesus e Instituto Maria, em Juiz de Fora-MG; e Abrigo Jesus, em Belo Horizonte-MG. Em verdade, conforme prenunciamos acima, uma boa parte das cidades e instituições visitadas já vinham sendo noticiadas freqüentemente nas páginas da revista “Estudos Psíquicos”. Eram assunto, também, de periódicos brasileiros como a revista “Reformador”, órgão da Federação Espírita Brasileira fundado em 1883, e a Revista Espírita do Brasil, da Liga Espírita do Brasil, que circulou entre os anos de 1929 e 1950.

Os abrigos e demais instituições de assistência social espíritas, visitados por Isidoro Duarte Santos, são apresentados como verdadeiros monumentos, os quais, evidentemente, angariavam reconhecimento social para aquele movimento duramente combatido desde o início, numa sociedade onde o catolicismo era predominante. Os espíritas, conforme verificamos nos periódicos e livros que serviram de fonte a esta pesquisa, acima citados, vão adquirindo cada vez mais consciência do papel que tais instituições realizavam no sentido da legitimação social de seu movimento. Tal consciência, de alguma forma, incentivou ainda mais a criação de novas instituições, principalmente a partir da década dos 40, após a consolidação das primeiras iniciativas. Por outro lado, apesar dessa consciência, pudemos verificar que os abrigos espíritas para a infância e demais instituições de cunho assistencial fundadas e mantidas por aquele movimento nunca se tornaram elemento central da divulgação doutrinária, até porque a virtude da caridade cristã, tão propalada nos seus ensinos, não podia nem devia, segundo a compreensão dos adeptos, ser utilizada para se fazer proselitismo.

Concluímos, então, procurando responder à questão formulada no título do presente trabalho, que os abrigos espíritas para a infância não deixam de ser, contraditoriamente, além de uma afirmação da caridade enquanto princípio básico do espiritismo, e neste sentido devem ser escondidos, preservados do orgulho e da vaidade, imperfeições que mereciam vigoroso combate; também se apresentam como algo a ser mostrado, já que “a fé sem obras é morta”, “a boa árvore deve dar bons frutos” e, além do mais, os espíritas precisavam se afirmar diante de si e dos outros, construindo uma identidade capaz de enfrentar os largos preconceitos vigentes na sociedade de então.

 

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