O facto é apresentado pela
grande Imprensa como novidade de ordem sociológica. Mas
a verdade é que desde sempre o «homo sapiens»
se preocupou em aprofundar as questões da sua origem, do
seu papel no mundo. A sensibilidade mediúnica integra a
natureza humana. Mas é inegável que uma boa integração
no âmbito da cultura espírita lhe favorece muito
os resultados.
A ilação
era originária do jornal francês «Le Monde»
(17 de Fevereiro). Reportava-se a um inquérito presente no
decurso de um colóquio intitulado «O
Pensamento Científico, os Cidadãos e as Paraciências».
A partir de um grupo de 1500 pessoas, constituído por adultos.
O questionário fora elaborado por Daniel Boy e Guy Michelat,
sociólogos do Centro de Estudos sobre a Vida Política
Francesa (CNRS).
A sondagem destacava: 55% dos franceses crêem na transmissão
do pensamento (telepatia); 35% acreditam na possibilidade de prever
pelos sonhos; 55% apontam as curas por imposição das
mãos como sendo relativas aos passes magnéticos do
curador; 46% vão pelos signos astrológicos.
Os jovens rondam idades entre os 18 e os 35 anos. E os aficcionados
das «ciências marginais» situam-se, muitas vezes,
na «geração ecológica» (os Verdes).
Inevitável salientar que 54% dos inquiridos se interessam
pela ciência e declararam que, sem dúvida, no futuro
dar-se-á a consagração das «ciências
marginais», que trarão dados importantes.
Na página referida ainda se colocavam questões destas:
«Como conciliar dois sistemas de pensamento tão diversos?
Estamos ou não entre dois mundos que se auto-excluem?».
Curiosamente
A Inquisição, se bem que já moribunda, ainda
se fazia sentir, no peso da sua treva, mais ou menos manifestada.
Desde o século XIX que existiram movimentos de intelectuais,
de cientistas que se confrontaram a epistemologia(1) dominante.
Entre eles, destaca-se Allan Kardec, o eminente pedagogo, homem
profundamente actualizado e na vanguarda também dos conhecimentos
científicos do seu tempo. Só assim se compreende a
coerência do seu valoroso trabalho de codificação
do espiritismo, em meados do século passado, porque os espíritos
por si só não faziam tudo o que foi conseguido, essa
doutrina que ainda hoje como seria de esperar se mantém adiante
do momento evolutivo da Humanidade. E mesmo dos próprios
espíritas, na opinião de respeitável autor:
Herculano Pires.
Verificando-se, com o espiritismo, a naturalidade
dos fenómenos mediúnicos, passam a ser explicados
à luz da razão e do bom senso. Mas isso era simples
demais para um certo escol.
E, no final desse mesmo século, um prémio Nobel da
fisiologia, o francês Charles Richet, assessorado por outros
cientistas, funda a metapsíquica. Aqui pouco mais se fez
do que mudar a nomenclatura dos fenómenos medianímicos,
constatá-los em experiências de controlo científico
rigoroso, sugerindo hipóteses explicativas que, na verdade,
nada avançaram em relação às pesquisas
espíritas.
Mas houve uma nova e imensa onda de verificação, de
confirmação da existência do grande leque de
fenómenos segredados, ocultados (e não ocultos), mas
inquestionavelmente quotidianos. Por exemplo, de efeitos físicos
(ectoplasmias, materializações parciais e totais,
apport, poltergheist, etc.), de efeitos intelectuais (xenoglossia,
transmissão do pensamento, premonições, etc.).
Integrados nesta vaga, de memória ligeira lembramo-nos, esquecendo
imensos, de alguns: na Inglaterra, Conan Doyle (o criador de Sherlock
Holmes), William Crookes (eminente físico). Na Itália,
por exemplo, César Lombroso, Gustav Geley, Ernesto Bozzano,
Alexandre Aksakof, russo (na imagem). Na Alemanha, Friedrich Zolner.
Alexandre Aksakof
E o mais curioso é que quase todos se meteram a investigar
os fenómenos mediúnicos no intuito de provar que eles
eram uma fraude. Porém, ao reconhecerem-nos, tiveram a coragem
de declarar publicamente a sua autenticidade. Homens de brilhante
carreira na docência universitária, e não só,
perderam aparentemente (consideração académica
excepto a imensa que já tinham), a partir daí, graças
às perseguições das forças dominantes.
Mas revelaram-se gigantes, continuando a pesquisá-los até
ao fim da sua existência terrena. Com o mesmo cuidado de rigor
científico. Homens que estiveram muito à frente do
seu tempo, e por isso foram postos à margem. A verdade é
que, ainda hoje, vários dos seus livros continuam a ser editados
em várias línguas, como é o caso de Bozzano.
Nos idos da década de 50, no nosso século, surge nos
EUA Joseph Banks Rhine com a Parapsicologia. Aquilo a que Kardec
chamara simplesmente transmissão do pensamento. Foi provada
a sua existência, por novos métodos experimentais,
como telepatia.
E os fenómenos de dupla vista estudados pelo codificador
do Espiritismo passaram a ser aceites como clarividência.
Entretanto entrou num impasse. Cedeu lugar à psicobiofísica,
à psicotrónica e a outras disciplinas. Repetir o que
já foi feito, pela terceira vez, sem acrescentar novidade
que se preze, dá cansaço. Ou não?
Contradição aparente
Primeiro, há que falar com clareza
Os cientistas não são a ciência.
Os primeiros são homens, incluídos uns e outros enclausurados,
num tempo histórico específico. Os homens, mesmo os
mais cépticos, têm as suas crenças nos seus
sistemas, uns nas suas verdades em progressão, outros nas
suas verdadinhas. Eles passam, mas a ciência fica e evolui,
numa busca incessante da verdade o mais depurada possível.
O grande dilema surge quando os cientistas-homens se julgam a própria
ciência, e aí lançam sentenças, como
sacerdotes alucinados em pleno gozo de uma pré-concepção
superior da verdade - mesmo sem saberem do que estão a falar.
Fazem-lhes perguntas e eles - não fica bem dizer que não
sabem, se calhar - têm de responder, pensando que é
isso o que o sistema lhes exige.
É esta a política, com frequência, nos debates
da televisão. Não se busca saber, aglomerar dados
para investigar, busca-se ficar por cima, dar espectáculo.
O comodismo do sistema onde dominam a hierarquia, julgando que isso
durará sempre. E que o progresso lhes pedirá licença
para prosseguir...
O mito
O óbice manifesto surge quando os métodos científicos
tradicionais caem num impasse perante tipologias fenoménicas
que deveriam ser mais estudadas.
Os fenómenos de ordem mediúnica, falemos claramente,
não acontecem sempre que se quer que eles ocorram. Já
foi dito que são como um telefone que só toca de cá
para lá. Não sucedem a esmo, pois carecem de condições
- como quaisquer outros -, por parte do médium e por parte
do espírito comunicante, há problemas de filtragem
mediúnica também. Para os espíritos desencarnados,
os cientistas são apenas pessoas, limitadas como quaisquer
outras, e têm mais que fazer do que perder tempo com quem
porventura não demonstrar capacidades para realizar um bom
trabalho de pesquisa.
Contudo, isso não obsta a que tenham tido paciência
de Jó, dando provas da sua existência e intervenção
insuspeita em várias épocas da história da
Humanidade. Desde a Antiguidade aos nossos dias.
Ignorância ou sobrenatural
Na óptica espírita, o sobrenatural não existe.
Essa tem sido apenas uma palavra inventada por quem não consegue
compreender a ocorrência racional de certos fenómenos
e, por isso, apela - em pleno uso da sua imaginação
- para algo onde pode meter tudo o que lhe convenha: o pobre do
sobrenatural.
Já no capítulo da Lógica, em filosofia, a minha
professora ensinava indelevelmente, falando de Leibnitz e outros
que tais, que, segundo o princípio da razão suficiente,
todo o fenómeno com que deparemos é passível
de ser explicado pela razão, possuindo um mecanismo seu produtor
susceptível de ser percebido, após investigação.
Outra coisa não fez e disse Allan Kardec, muito antes. Elaborou
pesquisa, comparou, submeteu as comunicações mediúnicas
ao controlo universal das manifestações dos espíritos,
aplicou a razão e o bom senso. E aí está a
codificação espírita, sólida, acessível
para quem a quiser abordar.
Um manancial de conhecimentos organizados, fruto de um trabalho
metódico gigantesco, aí temos o espiritismo, essa
doutrina que sem peias transpôs a mera constatação
fenoménica, crescendo nos horizontes ético-filosóficos
da Humanidade.
In «Revista de Espiritismo» n.º
20 - 3.º trimestre 1993; texto oferecido pelo autor, que é
sócio da ADEP.
(1) Epistemologia - O termo significa "estudo
da ciência", vem do grego episthmh (episteme) = ciência,
conhecimento científico, e logoV (logos) = palavra, verbo,
estudo, discurso. É usada em dois sentidos: para indicar
o estudo da origem e do valor do conhecimento humano em geral (e
neste sentido é sinônimo de gnosiologia ou crítica);
ou para significar o estudo as ciências (físicas e
humanas), dos princípios sobre o qual se fundam, dos critérios
de verificação e de verdade, do valor dos sistemas
científicos. Este último sentido é o mais apropriado.
A epistemologia é portanto a filosofia da ciência,
num sentido preciso. Não é propriamente o estudo dos
métodos científicos, o que é objeto da Metodologia
Científica, e da Metódica, uma parte da Lógica
clássica. Nem é tampouco uma síntese ou uma
antecipação conjetural das leis científicas
(como seriam o positivismo e o evolucionismo).
A epistemologia é essencialmente o estudo crítico
dos princípios, das hipóteses e dos resultados das
diversas ciências, destinado a determinar a sua origem lógica
(e não simplesmente psicológica), o seu valor e sua
objetividade.
Deve-se portanto distinguir claramente a Epistemologia da Teoria
do Conhecimento, se bem que ela possa constituir a sua introdução
e um auxiliar indispensável, devido ao fato de estudar a
possibilidade do conhecimento a posteriori nas diversas ciências.