HYDESVILLE —
As irmãs Fox, o ano de 1848
Historicamente, o espiritismo surgiu motivado pelos
fenómenos de movimentação de objectos, verificados
em diferentes países, na Europa, na América e noutras
partes do mundo.
O marco de tais acontecimentos, todavia, foram as manifestações
ocorridas na aldeia de Hydesville, no condado de Wayne, perto de Nova
Iorque, nos Estados Unidos da América. Ali morava a família
Fox, composta de três filhas, das quais duas viviam com os pais;
os Fox estabeleceram-se na casa desde 1847”.
“Numa noite do ano de 1848, nas paredes de madeira
do barracão de John Fox começaram a soar pancadas incomodativas,
perturbando o sono da família, toda ela metodista. As meninas
Katherine (Katie ou Kate), de nove anos de idade, e Margareth, de
doze anos, correram para o quarto dos pais, assustadas com os golpes
fortes no tecto e paredes do seu quarto”.
As pancadas, ou “raps”, começaram
nessa noite; depois, ouvia-se o arrastar de cadeiras, e com o tempo
os fenómenos tornaram-se mais complexos; tudo estremecia, os
objectos moviam-se, havia uma explosão de sons fortes. (5) Três
noites seguidas, até 31 de Março de 1848, os fenómenos
repetiram-se intensamente, impedindo que os Fox conciliassem o sono.
O sr. Fox fez buscas completas pelo interior e exterior da casa, mas
nada encontrou que explicasse as ocorrências.
A menina Kate, um dia, já habituada ao fenómeno,
pôs-se a imitar as pancadas, batendo com os dedos sobre um móvel,
enquanto exclamava, em direcção ao ponto onde os ruídos
eram mais constantes: “Vamos, Old Splitfoot, faça o que
eu faço”. Prontamente as pancadas do “desconhecido”
se fizeram ouvir, em igual número, e paravam quando a menina
também parava.
“Margareth, a brincar, disse: “Agora,
faça o mesmo que eu: conte um dois, três, quatro”,
e ao mesmo tempo dava pancadas com os dedos. Foi-lhe plenamente satisfeito
esse pedido, deixando a todos estupefactos e medrosos”.
As meninas Fox eram protestantes e supunham tratar-se
do demónio e chamavam ao batedor de sr. Splitfoot (Pé
Fendido), que corresponde a pé de bode. A família Fox
estava alarmada; acorreram vizinhos e curiosos. Toda a localidade comentava
os acontecimentos. Duesler idealizou, então, o alfabeto, para
poderem traduzir as pancadas e compreenderem o que dizia o invisível.
O batedor invisível contou a sua história:
chamava-se Charles B. Rosma; fora um vendedor ambulante e, hospedado
naquela casa pelo casal Bell, ali o assassinaram, para roubar-lhe a
mercadoria e o dinheiro que trazia, e o seu corpo fora sepultado na
cave. “Fizeram uma busca no local indicado e aí encontraram
tábuas, alcatrão, cal, cabelos, ossos, utensílios”.
(...) “Uma criada dos Bell, Lucretia Pulver, declara que viu o
vendedor, e descreve-o; diz como ele chegara à casa e refere
o seu misterioso desaparecimento. Uma vez, descendo à adega,
seu pé enterrou-se num buraco, e como falasse isto ao patrão,
ele explicou que deviam ser ratos; e foi apressadamente fazer os necessários
reparos. Ela vira nas mãos dos patrões objectos da caixa
do ambulante”.
Arthur Conan Doyle, no seu livro “História
do Espiritismo”, relata que cinquenta e seis anos depois
foi descoberto que alguém fora enterrado na adega da casa dos
Fox. Ao ruir uma parede, crianças que por ali brincavam descobriram
um esqueleto. Os Bell, para maior segurança, haviam emparedado
o corpo, na adega, aonde inicialmente o haviam enterrado.
Em 23 de Novembro de 1904, o Boston Journal noticiava
que o esqueleto do homem que possivelmente produziu as batidas, ouvidas
inicialmente pelas irmãs Fox, em 1848, fora encontrado, e as
mesmas estavam, portanto, eximidas de qualquer dúvida com respeito
à sinceridade delas na descoberta da comunicação
dos espíritos.
Diversas comissões se formaram na época
dos acontecimentos, com a finalidade de estudar os estranhos fenómenos
e desmascarar a fraude atribuída às Fox. Verificou-se
que eles ocorriam na presença das meninas; atribui-se-lhes o
poder da mediunidade. Nenhuma comissão, todavia, conseguiu demonstrar
que se tratava de fraude. Os factos eram absolutamente verídicos,
embora tivessem submetido as meninas aos mais rigorosos e severos exames,
atingindo, às vezes, as raias da brutalidade.
As irmãs Fox foram, pressionadas. A Igreja excomungou-as,
como pactuantes com o demónio. Foram acusadas de embusteiras,
e ameaçadas fisicamente, muitas vezes.
Em 1888, ao comemorar os 40 anos dos fenómenos
de Hydesville, Margareth Fox iludida por promessas de favores pecuniários,
pelo cardeal Maning, faz publicar uma reportagem no New York Herald
em que afirma que os fenómenos que realizaram eram fraudulentos.
Todavia, no ano seguinte, arrependida da sua falta de honestidade para
com o Espiritismo, reúne grande público no salão
de música de Nova Iorque e retracta-se das suas declarações
anteriores, não só afirmando que os fenómenos de
Hydesville eram reais, como provocando uma série de fenómenos
físicos no salão repleto.
“A retractação foi publicada na
época. Consta da Light e do jornal americano New York Press,
de 20 de Maio de 1889”.
“Como, porém, a lealdade e a sinceridade não são
requisitos dos espíritos apaixonados, ainda hoje, quando se
quer denegrir a fonte do moderno espiritismo, vem à baila a
confissão das moças. Na retractação não
se toca, ou quando se toca é para mostrar que não há
no que confiar. Os pormenores ficam de lado”.
Os fenómenos aqui narrados e, as irmãs
Fox, suas personagens principais, passaram para o histórico do
Espiritismo. No entanto, o Espiritismo não aparece aqui, mas
sim mais tarde, com a edição de «O Livro dos Espíritos»,
de Allan Kardec, em 1857.
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