“Os maoris creem que temos
uma alma e uma essência de vida. Essa essência nos
é dada a cada vida,
estará em nós enquanto vivermos e deixará
de existir com a morte do nosso corpo, do nosso “recipiente”.
A alma estará conosco pela eternidade”.
A advogada especialista em direitos do
autor, Luciana Freire Rangel, escreveu um artigo para o blog relatando
sua experiência ao acompanhar curadores maoris em sua passagem
por São Paulo. Os maori são um povo nativo da Nova Zelândia
. Recebem de seus ancestrais, desde pequenos, ensinamentos para tornarem-se
curadores (Luciana prefere o uso da palavra curador ao invés
de curandeiro porque esse último remeteria à algo mais
ritualístico). No texto, ela fala sobre essa cultura tão
curiosa, sua filosofia de vida e concepções sobre a morte.
“A morte segundo os sentidos
dos maoris
Como você vê a morte?
– Tão claro como eu vejo você.
Manu Korewa é da cultura Maori, povo nativo
da Nova Zelândia. Ele é da comunidade costeira de Ahipara,
ao Norte de Auckland e recebeu de seus ancestrais, desde pequeno, ensinamentos
para ser um curador. Manu, Atarangi Muru e Terence Muru estiveram durante
alguns dias em São Paulo, fazendo workshops e trabalhos de cura.
Manu, em sua jornada, realizou trabalhos com o Papa Joe Delamere, que
durante muito tempo foi o curador maori de maior repercussão
internacional.
Os maoris, hoje minoria em sua terra natal, são
muito conectados com a natureza: “se conecte com a natureza, ela
te dará as respostas. Ela tem todas as respostas. E é
de graça!”.
Eles são conectados com todos e através
de todos os sentidos. Neste trabalho de cura, nos auxiliam a reconectar
nossas mentes e corpos, nos trazendo equilíbrio. Ajudam na limpeza
de emoções estagnadas, que criam placas no nosso organismo.
Limpam as memórias ruins que estão contidas nas nossas
células. Para isso, usam todos os sentidos. Atarangi, conhecida
por Ata, que é uma curadora muito importante, nos contou que
nossos corpos contam para eles sobre nossos traumas. Eles podem receber
a informação através de um aroma, de um paladar,
de um toque, de uma visão. Por exemplo, uma pessoa que sofreu
abuso sexual possui um cheiro muito específico. Assim, de imediato,
é possível reconhecer o que se deve trabalhar. Eu participei
de um workshop e fiz uma terapia com Terence e o resultado foi impressionante.
Para quem quiser saber mais, inseri abaixo alguns links sobre a cultura
maori, a Nova Zelândia e estes curadores.
A morte, para eles, é algo muito natural, faz
parte da vida. É um assunto que precisa ser lembrado e sobre
o qual devemos conversar frequentemente.
Morte, para os maoris, é Mate. “Ma”
significa “esclarecer” e “Te”, “múltiplo”.
Manu conta que existem muitas perguntas sobre a morte e que ela nos
traz muitas respostas. Por isso “múltiplos esclarecimentos”.
Perguntas, questionamentos são muito incentivados entre eles,
pois nos fazem refletir e aprofundar.
Por possuírem tradição oral, todos
os nomes e palavras carregam conceitos profundos que explicam as suas
crenças. Os livros que falam sobre estas tradições
são pouquíssimos. Tudo o que eles aprenderam, aprenderam
em casa, com o ensinamento de seus ancestrais, que são muito
respeitados. Uma criança de cinco anos conhece até cinco
gerações de ancestrais. Com dez anos, conhece dez, quando
crescer e chegar ao 25 conhecerá 20 e por aí vai. Um tio
da Ata e do Manu sabe de cor, organizados por ordem de parentesco, até
11 mil nomes de ancestrais.
“Ma” significa limpo, branco e “Ori”
é o vibrar de cada um. Assim, Maori significa a pura essência
da vibração interna.
Eles nos dizem para lermos menos livros e mais o que
contam nossos corpos e a natureza – para nos reconectarmos. Não
é que não sabemos fazer esta conexão, é
que simplesmente esquecemos de como fazer. Manu reforça: “a
lua, as estrelas, o sol que me iluminam são os mesmos que iluminam
vocês”.
Para os Maoris, não existem palavras para sofrimento,
medo, raiva, culpa e erro. Não existem palavras para bonito e
feio, para positivo e negativo. Tudo vibra e nos ensina, não
havendo necessidade de antagonismos. Como achei em alguns artigos e
dicionários on line brasileiros a palavra “wehi”
como medo, indaguei sobre o seu significado. Manu esclareceu que “wehi”
é o que alguém provoca em você. O palhaço
te faz rir, isto é “wehi”.
Antigamente, nas cerimônias Maori, os mortos eram
postos de pé e enfeitados como se estivessem vivos. Depois, eram
colocados em uma árvore para que a natureza, através do
ar, do vento, da chuva, dos insetos, dos pássaros e de outros
animais, consumissem sua carne e seus órgãos. Cuidavam
deste processo até que o corpo, já consumido, tivesse
se reduzido a ossos. Estes, posteriormente, eram pintados com uma espécie
de argila vermelha e depositados em uma caverna. Esta cerimônia
era realizada na intenção de devolver o corpo para a mãe
terra.
Chocados com essa e outras cerimônias “selvagens”,
os ingleses, em torno de 1850, proibiram as suas realizações.
Atualmente, os mortos são enterrados em cemitérios.
Para eles, as cremações não fazem
sentido: uma vez que não nascemos do fogo não devemos
partir pelo fogo. Nascemos da grande mãe, da mãe Terra
e para ela devemos voltar.
Os maoris creem que temos uma alma e uma essência
de vida. Esta essência nos é dada a cada vida. Estará
em nós enquanto vivermos e deixará de existir com a morte
do nosso corpo, de nosso “recipiente”. A alma estará
conosco pela eternidade. Quando morremos, a alma retorna ao criador
até que um novo “recipiente” possa recebê-la.
No momento de renascer, uma nova essência de vida nos é
dada e será única para aquela vida.
A cada nova vida, todas as condições mudam
para que possamos aprender cada vez mais e nos tornarmos cada vez mais
livres. Sempre renasceremos em lugares distintos, inclusive em outros
planetas, convivendo com outras pessoas e situações.
A nossa alma se recorda das nossas vidas, mas o nosso
“recipiente” geralmente não. Ao menos neste planeta
poderia nos trazer muita confusão. As pessoas que têm acesso
a estas informações geralmente possuem uma missão
específica neste sentido.
Para os maoris, as crianças precisam saber tudo
sobre a morte. É um assunto que deve ser tratado com naturalidade
e desde muito cedo. Afinal, a morte é inexorável. A única
certeza que temos na vida é que um dia vamos morrer. Se a criança
sabe sobre a morte desde cedo, ela não ficará triste quando
alguém próximo morrer, não achará que foi
abandonada. No futuro, se tornará um adulto que lidará
com a morte como algo natural e não como algo misterioso, objeto
de traumas, ou seja, um tabu.
Para eles, esse conhecimento nos ajuda a ter mais consciência
no momento da morte. Entendem que não temos escolha de como nasceremos,
mas temos a possibilidade de escolher como morreremos. Podemos escolher
se morreremos felizes, em paz, ou gritando e sozinhos, por exemplo.
Esta decisão nos ajudará no nosso renascimento.
Durante o workshop, diversas vezes ressaltaram as diferenças
entre a nossa cultura e a deles. Um exemplo básico: não
existe a palavra impossível, que em inglês é impossible.
Então eles dizem que esta palavra é na verdade I´m
possible (eu sou possível, em português).
Ata conta que, viajando pelo Brasil, a quantidade de
cruzes nas estradas chamou sua atenção. Para eles, esta
homenagem às pessoas que sofreram acidentes é uma prática
muito estranha, pois mantém a energia da pessoa que morreu presa
naquele local, naquela forma de morrer. A forma de morrer, se foi acidente,
câncer, etc, não é o que importa. O que importa
é que a pessoa fez a passagem e um novo ciclo vai começar.
E precisamos deixá-la ir. Eles sentem a morte de um ente querido
e choram esta morte, mas vivem aquela dor e a deixam passar.
Homenagens como rezas, meditações cânticos,
inclusive as prestadas nos cemitérios serão sempre pertinentes
se tiverem a intenção de libertar as pessoas. Qualquer
homenagem que prenda as pessoas não faz sentido.
Quando perguntei se é possível conversar
com os mortos, ele apontou para algo atrás de mim e disse com
seu habitual bom humor: ela está falando de vocês!
Seguiu esclarecendo que o tempo todo podemos falar com
as pessoas que deixaram seus corpos. É algo absolutamente possível.
Com o poder do coração, da mente e do universo, podemos
falar com todo mundo. Quando alguém faz a passagem, podemos nos
comunicar para nos despedir, para pedir desculpas, para dizer o quanto
a amamos. Podemos sentir a pessoa, podemos conversar com ela. Basta
pensar nela com amor e liberdade. Existem canções para
facilitar estas conexões. Nada de milagres, nada de mistérios,
tudo é absolutamente possível e natural.
Perguntei sobre a relação deles com os
animais. Para eles, a maneira como muitos de nós – eu inclusa
– tratamos os animais de estimação, não faz
sentido. Animais precisam estar livres e em contato com a natureza.
Penso que isso deve fazer sentido para nós também!
Manu brinca que, na Nova Zelândia, a população
se divide em ovelhas (em torno de 46 milhões) e seres humanos
(em torno de 4,5 milhões), estes divididos em descendentes de
europeus e nativos, que hoje são minoria. Os Maoris não
têm restrições em relação a comer
carnes. Entretanto, estes momentos exigem um agradecimento, que pode
ser discreto e profundo ou mesmo uma cerimônia. Dentro desse sentimento
de gratidão, existe o reconhecimento de que a comunidade é
uma com o animal e o animal está ali para integrar, alimentar
aquela comunidade através de sua carne.
Pergunto se ele gostaria de deixar algum recado especial
para nós, sobre como viver bem até que ela – a morte
– chegue. Então, ele lembra que precisamos estar em nós.
Estar em nós significa fazer coisas, pequenas coisas, que nos
deixem felizes – e que não machuquem os outros, claro!
– , que deixem nossos corpos saudáveis, nossas emoções
saudáveis. Devemos sempre lembrar que cabe somente a nós
escolher. Cabe a nós escolher e nos curar. Podemos escolher se
buscaremos uma relação saudável ou se ficaremos
em uma relação que nos faz mal, se vamos ingerir alimentos
que deixem nossos corpos saudáveis ou se iremos aos poucos os
deixando envenenados, se vamos colocar lazer no nosso dia a dia ou se
iremos trabalhar 28 horas por dia. Podemos escolher se seremos os mestres
de nosso futuro ou os escravos de nosso passado.
Segue dizendo: se chover, vá para a chuva e prepare-se
para se molhar. Um ser Elemental quer falar com você e a maneira
da chuva fazer isto é te molhando. Não foque na crença
do frio e de uma possível doença, foque na canção
que a chuva quer cantar para você. Acredite, vai dar tudo certo
e ela vai cantar. Cantar para você!
Para saber mais sobre os Maoris e estes curadores,
selecionei, de muitos, alguns links abaixo:
Links:
Em português
Maoris do Brasil
> Sobre a Nova Zelandia e os Maoris
(Cultura maori e identidade cultural na
contemporaneidade)
- https://www.youtube.com/watch?v=9wsMC9ejkgs&feature=youtu.be
> Waitangi
e o início de um país chamado Nova Zelândia
> Maoris:
os Curadores da Nova Zelândia - Palestra com tradução
para o português
- https://www.youtube.com/watch?v=iKJ7WKFmAkw&feature=youtu.be
> Filmes
sobre a Nova Zelândia – não sei se todos estes filmes
têm o olhar dos Maoris sobre os Maoris, alguns podem ter um olhar
do ocidente sobre os Maoris, mas vale a pena conferir.
> Sobre
a influência dos Maoris nas novas formas de justiça, que
buscam a resolução de conflitos baseado no diálogo
e na responsabilização de todas as partes envolvidas.
Em inglês:
> Maori Healers – You Tube
- https://www.youtube.com/watch?v=bflLqP4on4U
> Entrevistas com Atarangi Muru
- https://www.youtube.com/watch?v=eyfQ0KXd-8c
> Synergies Journal
- http://www.synergies-journal.com/healing/2014/10/5/a-healers-perspective-atarangi-muru-new-zealand
> Sobre Papa Joe Delamere
- https://maorihealers.wordpress.com/2008/09/10/papa-joe-and-manu-maori-healers-extraordinaire