Luciano
dos Anjos
> Capelães Espíritas
Mas, ingratos,
os homens se afastaram
do caminho... – O Espírito da Verdade
O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VI
Essa epígrafe abre meu livro
O Atalho. Ela se aplica a todas as épocas. É
a ingratidão dos homens que, recebendo na Terceira Revelação
todas as mais belas e claras consolações, põem-nas
de lado e se afastam do caminho traçado pelo Cristo. Meu livro
é a advertência que a cada dia se faz mais presente e oportuna.
Estamos disputando os momentos festivos dos Jogos Pan-Americanos. Na
fase preparatória, os organizadores convocaram voluntários
para compor um quadro de religiosos incumbidos de dar apoio e orientação
aos atletas dos diversos países participantes. Foram chamados
católicos, protestantes, judeus e umbandistas. Os espíritas
kardecistas nem haviam sido lembrados, mas logo alguns se assanharam
e, não querendo perder essa chance celestial, correram a oferecer
seus préstimos. Expressando a carnavalização do
espiritismo através do deboche, lá se encontram, na vila
olímpica, em revezamento diuturno, ouvindo piedosamente as lamúrias
e os tremeliques narrados até em esperanto, se for o caso. Assim,
no papel ridículo de verdadeiros capelães espíritas
e perambulando pelo humorismo barato dos bufões, os seguidores
de Allan Kardec - estudiosos curriculares das apostilas que rolam por
aí - vão distribuindo sua bênção apostólica
para acalmar nervos, serenar emoções, anestesiar tremedeiras,
consolar saudades dos amores distantes, inspirar confiança na
conquista dos melhores recordes. Naturalmente, que se danem os perdedores...
E ainda sugerem que o atleta mais tenso abra o coração
para receber o balsâmico “socorro fraterno”, hoje
tão em moda nos centros espíritas. Em palavras menos fluídicas:
copia-se o confessionário dos católicos, enquanto os “irmãos
socorristas”, na mais pífia psicologia de botequim, levantam
o moral de que os atletas precisam para disputar as diversas modalidades
esportivas, inclusive, é claro, o boxe, o taek won-do, a esgrima,
etc. Vão em busca do passe magnético, dos fluidos energizantes,
para pendurar a medalha no peito e depois agradecer a Jesus por não
tê-la pendurado no pescoço do adversário. Modus
in rebus, um cenário mais ou menos igual ao dos padres abençoando
canhões e metralhadoras, durante as guerras, para que todos lutem
cristãmente abençoados e absolvidos. Pode ser cômico,
mas a tragédia é óbvia demais para fazer rir. Fruto
de desastradas sinapses mentais, essa postura de socorrer almas atléticas
e de ouvir confissões é também comportamento sucateado
pelo excesso de deformações freudianas, na medida em que
encena triste farsa saturada de patéticos devaneios. O espetáculo
não recomenda os artistas.
É esse o movimento espírita de nossos dias, transcendental
sinfonia pervertida pelo maneirismo histriônico da caricatura
e da galhofa e em que a cafonice, glaçada de intenções
galantes, resvala para o mais descarado funk pan-americano. Poderosamente
apoiado pelos cupulares da rede de unificação eclesiástica,
rede nascida do verdadeiro colapso da competência doutrinária,
certamente esse doping desleal não freqüenta com assiduidade
os artigos e os livros dos grandes e honestos escritores espíritas.
Rio, 20.7.07
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