LINGUAGEM ANIMAL. — Aperfeiçoando
as engrenagens do cérebro, o princípio inteligente sentiu
a necessidade de comunicação com os semelhantes e, para
isso, a linguagem surgiu entre os animais, sob o patrocínio
dos Gênios Veneráveis que nos presidem a existência.
De início, o fonema e
a mímica foram os processos indispensáveis ao intercâmbio
de impressões ou para o serviço de defesa, como, por
exemplo, o silvo de vários répteis, o coaxar dos batráquios,
as manifestações sonoras das aves e o mimetismo de alguns
insetos e vertebrados, a se modificarem subitamente de cor, preservando-se
contra o perigo.
Contudo, à medida que se lhe acentuava
a evolução, a consciência fragmentária
investia-se na posse de mais amplos recursos.
O lobo grita pelos companheiros na sombra noturna, o gato encolerizado
mostra fúria característica, miando raivosamente, o
cavalo relincha de maneira particular, expressando alegria ou contrariedade,
a galinha emite interjeições adequadas para anunciar
a postura, acomodar a prole, alimentar os pintainhos ou rogar socorro
quando assustada, e o cão é quase humano, em seus gestos
de contentamento e em seus ganidos de dor.
INTERVENÇÕES ESPIRITUAIS. — É assim que,
atingindo os alicerces da Humanidade, o corpo espiritual do homem
infraprimitivo demora-se longo tempo em regiões espaciais próprias,
sob a assistência dos Instrutores do Espírito, recebendo
intervenções sutis nos petrechos da fonação
para que a palavra articulada pudesse assinalar novo ciclo de progresso.
O laringe, situado acima da traqueia
e adiante da faringe, consubstanciado num esqueleto cartilaginoso,
urdido em fibras e ligamentos, com uma seleta de pequenos músculos,
sofre nas mãos sábias dos Condutores Espirituais, à
maneira de um órgão precioso entre os dedos de cirurgiões
exímios no serviço de plástica, delicadas operações
no curso dos séculos, para que os músculos mencionados
se façam simétricos e para que se vinculem, tão
destros quanto possível, à produção fisiológica
da voz.
Em sua contextura interna aglutina-se
uma mucosa ciliada que se destina ao trabalho de lançamento
do som e que verte pelos estreitamentos, transformando-se em pavimentosa-estratificada
na borda livre das cordas vocais verdadeiras.
Fora da ação das cordas
vocais, o laringe revela no pescoço movimentos de ascensão
e descensão, elevando-se na expiração e na deglutição
e baixando na inspiração, na sucção e
no bocejar, salientando-se no corpo qual perfeito instrumento de efeitos
musicais.
MECANISMO DA PALAVRA. — Com o extremo carinho de vagarosa confecção,
os Técnicos da Espiritualidade Superior compõem a cartilagem
situada em plano inferior, a cricóide, que representa um anel
modificado da traqueia, sustentando uma placa na parte posterior,
sobre a qual no bordo superior e de ambos os lados da linha média,
se apoiam as duas aritenóides, que se permitem, assim, a conjunção
ou o afastamento entre si. Cada uma possui na base uma apófise:
a interna, vocal, em que está inserida a parte posterior da
corda vocal verdadeira do mesmo lado, e a outra, que é externa,
muscular. Com a mesma habilidade, os Técnicos tecem a cartilagem
localizada na região anterior ou cartilagem tireóide
a destacar-se sob a pele no chamado Pomo-de-Adão, em suas lâminas
verticais que se conjugam na linha mediana, traçando um ângulo
diedro que se volta para a retaguarda e onde se fixam as cordas vocais
verdadeiras, cartilagem essa que, por baixo, se une com o anel da
cricóide, e, por cima, com o osso hióide, através
de membranas e ligamentos, o qual fornece apoio para a implantação
do laringe.
Acima das cordas vocais verdadeiras,
surgem as cordas vocais falsas a limitarem com a parede os ventrículos
laterais de Morgagni.
Todos os músculos que garantem
o movimento das cordas são pares, exceto o ari-aritenóideo,
assegurando as funções da glote vocal e formando, com
avançado primor de previsão e eficiência, a abóbada
de precioso condicionamento, onde a pressão do ar pode fazer-se
com segurança para separar as cordas vocais em serviço.
LINGUAGEM CONVENCIONAL. — Aprende então o homem, com
o amparo dos Sábios Tutores que o inspiram, a constituição
mecânica das palavras, provindo da mente a força com
que aciona os implementos da voz, gerando vibrações
nos músculos torácicos, incluindo os pulmões
e a traqueia como num fole, e fazendo ressoar o som no laringe e na
boca, que exprimem também cavidades supraglóticas, para
a criação, enfim, da linguagem convencional, com que
reforça a linguagem mímica e primitiva, por ele adquirida
na longa viagem através do reino animal.
A esse modo natural de exprimir-se
por gestos e atitudes silenciosos, em que derrama as suas forças
acumuladas de afetividade e satisfação, desagrado ou
rancor, em descargas fluídico-eletromagnéticas de natureza
construtiva ou destrutiva, superpõe a criatura humana os valores
do verbo articulado, 6 com que acrisola as manifestações
mais íntimas, habilitando-se a recolher, por intermédio
de sinalética especial na escala dos sons, a experiência
dos irmãos que caminham na vanguarda e aprendendo a educar-se
para merecer esse tipo de assistência que lhe outorgará
o estado de alegria maior, ante as perspectivas da cultura com que
a vida lhe responde às indagações.
PENSAMENTO CONTÍNUO. — Com o exercício incessante
e fácil da palavra, a energia mental do homem primitivo encontra
insopitável desenvolvimento, por adquirir gradativamente a
mobilidade e a elasticidade imprescindíveis à expansão
do pensamento que, então paulatinamente se dilata, estabelecendo
no mundo tribal todo um oceano de energia sutil, em que as consciências
encarnadas e desencarnadas se refletem, sem dificuldade, umas às
outras.
Valendo-se dessa instituição
de permuta constante, as Inteligências Divinas dosam os recursos
da influência e da sugestão e convidam o Espírito
terrestre ao justo despertamento na responsabilidade com que lhe cabe
conduzir a própria jornada…
Pela compreensão progressiva
entre as criaturas, por intermédio da palavra que assegura
o pronto intercâmbio, fundamenta-se no cérebro o pensamento
contínuo e, por semelhante maravilha da alma, as ideias-relâmpagos
ou as ideias-fragmentos da crisálida de consciência,
no reino animal, se transformam em conceitos e inquirições,
traduzindo desejos e ideias de alentada substância íntima.
Começando a fixar o pensamento
em si mesmo, fatigando-se para concatená-lo e exprimi-lo, confiou-se
o homem a novo tipo de repouso, — a meditação
compulsória, ante os problemas da própria vida, —
passando a exteriorizar, inconscientemente, as próprias ideias
e, com isso, a desprender-se do carro denso de carne, desligando as
células de seu corpo espiritual das células físicas,
durante o sono comum, para receber, em atitude passiva ou de curta
movimentação junto do próprio corpo adormecido,
a visita dos Benfeitores Espirituais que o instruem sobre as questões
morais.
O continuísmo da ideia consciente
acende a luz da memória sobre o pedestal do automatismo.
LUTA EVOLUTIVA. — Entre a alma
que pergunta, a existência que se expande, a ansiedade que se
agrava e o Espírito que responde ao Espírito, no campo
da intuição pura, esboça-se imensa luta.
O homem que lascava a pedra e que
se escondia na furna, escravizando os elementos com a violência
da fera e matando indiscriminadamente para viver, instado pelos Instrutores
Amigos que lhe amparam a senda, passou a indagar sobre a causa das
coisas… Constrangido a aceitar os princípios de renovação
e progresso, refugia-se no amor-egoísmo, na
intimidade da prole, que lhe entretém o campo íntimo,
ajudando-o a pensar.
Observa-se tocado por estranha metamorfose.
Vê, instintivamente, que não
mais se poderia guiar pela excitabilidade dos seus tecidos orgânicos
ou pelos apetites furiosos herdados dos animais…
Desligado lentamente dos laços
mais fortes que o prendiam às Inteligências Divinas,
a lhe tutelarem o desenvolvimento, para que se lhe afirmem as diretrizes
próprias, sente-se sozinho, esmagado pela grandeza do Universo.
A ideia moral da vida começa
a ocupar-lhe o crânio.
O Sol propicia-lhe a concepção
de um Criador, oculto no seio invisível da Natureza, e a noite
povoa-lhe a alma de visões nebulosas e pesadelos imaginários,
dando-lhe a ideia do combate incessante em que a treva e a luz se
digladiam.
Abraça os filhinhos com enternecimento
feroz, buscando a solidariedade possível dos semelhantes na
selva que o desafia.
Mentaliza a constituição
da família e padece na defesa do lar.
Os porquês a lhe nascerem fragmentários,
no íntimo, insuflam-lhe aflição e temor.
Percebe que não mais pode obedecer cegamente aos impulsos da
Natureza, ao modo dos animais que lhe comungam a paisagem, mas sim
que lhe cabe agora o dever de superar-lhes os mecanismos, como quem
vê no mundo em que vive a própria moradia, cuja ordem
lhe requisita apoio e cooperação.
NASCIMENTO DA RESPONSABILIDADE. — A ideia de Deus iniciando
a religião, a indagação prenunciando a Filosofia,
a experimentação anunciando a Ciência, o instinto
de solidariedade prefigurando o amor puro, e a sede de conforto e
beleza inspirando o nascimento das indústrias e das artes eram
pensamentos nebulosos torturando-lhe a cabeça e inflamando-lhe
o sentimento.
Nesse concerto de forças,
a morte passou a impor-lhe angustiosas perquirições
e, enterrando os seus entes amados em sepulcros de pedra, o homem
rude, a iniciar-se na evolução de natureza moral, perdido
na desértica vastidão do paleolítico aprendeu
a chorar, amando e perguntando para ajustar-se às Leis Divinas
a se lhe esculpirem na face imortal e invisível da própria
consciência.
Foi, então, que, em se reconhecendo
ínfimo e frágil diante da vida, compreendeu que, perante
Deus, seu Criador e seu Pai, estava entregue a si mesmo.
O princípio da responsabilidade
havia nascido.
Livro: Evolução em dois mundos —
André Luiz — F. C. Xavier