A descoberta do «sono magnético»
efectuada por Armand Marie Jacques Chastenet de Puységur teve
consequências extraordinárias. Uma vez difundida, a hipnose
permitiu que se obtivessem curas impressionantes. Mas o mais extraordinário
uso da hipnose foi feito pelo cirurgião escocês James Esdaile
(1808-1859), o qual através do emprego do hipnotismo fez, com
total êxito, mais de 3 mil intervenções cirúrgicas
– cerca de 300 delas de profundidade e gravidade consideráveis
– sem o emprego de anestesia química e da assepsia.
«Por que
a proximidade do corpo humano, que devolve o brilho a uma pérola
e renova a radiante força vital, não há-de ser
capaz de desenvolver em torno de si uma aura de calor ou de luz que
actue sobre outros nervos como um excitante ou um sedativo? Por que
não se podem produzir, neste corpo e alma, secretas correntes
e refluxos e, de indivíduo a indivíduo, atracções
e repulsões, simpatias e antipatias? Quem arriscará
hoje, nesta esfera, um categórico sim ou um ousado não?».*
A descoberta
do hipnotismo
Depois de abandonar Paris em 1785 e mesmo após sua morte, Mesmer
continuou a influir no mundo ocidental, por meio de suas ideias. Os
seus inúmeros discípulos e admiradores continuaram a sua
obra. É possível que Mesmer não houvesse atinado
exactamente com a natureza daquilo que ele denominava de magnetismo
animal. Entretanto as suas teorias e os factos que rodearam a sua obra
tiveram uma força impressionante. Perduram ainda hoje e, vez
ou outra, vê-se reactivar o mesmerismo, sob a forma de um movimento
ou de uma doutrina nova.
Discípulo fiel de Mesmer, o marquês
Armand Jacques Chastenet de Puységur (1751-1825) foi, na França,
um dos seus mais ilustres seguidores. A ele se atribui a descoberta
do hipnotismo.
Uma das características do método
terapêutico de Mesmer era a provocação das crises,
seguidas de convulsões e de outras manifestações
histéricas. Na maioria das vezes o doente debatia-se, agitava-se
violentamente, parecia, finalmente, desfalecer e entrar em calma, tendo
os seus sintomas aliviados. Junto às tinas (baquet), providenciava-se
uma sala acolchoada guarnecida de almofadões, para onde eram
transportados os pacientes em estado convulsivo. Ali, eles estrebuchavam
à vontade, sem o perigo de se magoarem.
Puységur era um marquês,
um homem abastado e filantropo. Abraçara as ideias de Mesmer
por diletantismo e por se ter apaixonado pelo magnetismo animal. Assim,
enquanto Mesmer, em Paris, atendia às elites parisienses, ociosas
e ávidas de novidades, o marquês de Puységur, em
Buzancy, acudia gratuitamente à pobreza. Uma multidão
procurava o marquês, o qual se esforçava por medicar seus
clientes rigorosamente de acordo com as prescrições do
seu mestre.
Certa ocasião, Puységur
foi procurado para socorrer um jovem pastor, de 18 anos, chamado Victor
Race. Ele estava enfermo, sofria de dores nas costas, respirava com
dificuldade e necessitava de ser tratado pelo marquês. Este aplicou-lhe
os passes magnéticos, como era da praxe. Qual não foi
a surpresa de Puységur quando, em lugar das reacções
costumeiras, espasmos, convulsões, etc., o paciente mergulhou
tranquilamente em sono profundo! Puységur tentou despertar o
pastorzinho, sacudindo-o. Mas debalde! O jovem continuou a dormir profundamente.
O marquês ordena-lhe, então, que se levante. Surpresa maior,
o rapaz ergue-se dormindo e, de olhos fechados, perambula pelo quarto
como se estivesse acordado e de olhos abertos. Comportava-se como um
sonâmbulo comum que, à noite, se afasta da cama e, dormindo,
caminha por quaisquer lugares, beirais, telhado, terraços de
difícil acesso, etc., tendo os olhos cerrados.
Puységur, interessado na sua
nova descoberta, procurou investigar melhor aquele singular estado de
sono acordado e vigília dormente. Tentou repetir a mesma condição
noutras pessoas, usando o magnetismo e a sugestão verbal. Teve
êxito.
Procurou dar ordens pós-hipnóticas,
isto é, sugerir uma dada tarefa para o paciente cumprir depois
de acordado. Foi bem sucedido. O sujeito cumpria à risca a ordem
dada durante o sono, após haver retornado ao estado de vigília.
As sugestões dadas em estado de hipnose eram mais actuantes e,
por este método, também se obtinham as curas. Foi assim
que Victor, o jovem pastor doente, ao acordar, se viu livre dos seus
sintomas. Estava curado.
Naturalmente, Mesmer e outros magnetizadores
já haviam observado o transe sonambúlico, semelhante ao
obtido por Puységur. Mas não lhe prestaram a devida atenção.
Mais ainda, ele observou que, numa ocasião, Victor Race, ao ser
levado ao estado hipnótico, mostrou-se possuidor de impressionantes
faculdades paranormais: via à distância e, com os olhos
fechados, obedecia às ordens mentais de Puységur (telepatia)
e falava com uma linguagem acima das suas possibilidades culturais.
Puységur havia descoberto o hipnotismo!
O marquês comunicou a sua descoberta
à Academia de Medicina, chamando a atenção dos
cientistas para a nova forma de curar através do sono induzido
magnético. A Academia de Medicina mostrou-se interessada na questão
e nomeou comissões para estudarem os casos. Uns relatórios
foram a favor e outros contra, sem haver uma opinião unânime.
Finalmente, em 1837, instituiu-se um prémio para se dirimirem
as dúvidas. Mas, ao contrário do que se esperava, a prova
não envolvia qualquer demonstração de cura pela
hipnose. Ofereciam-se 3000 francos ao hipnotizador que apresentasse
um sonâmbulo capaz de enxergar através de obstáculos
opacos!
Jamais qualquer paciente passaria numa
prova destas. Basta que se cite o exemplo da filha do dr. Pigaire, cuja
clarividência havia sido atestada por Arago. A garota, de 12 anos
apenas, cujos olhos foram totalmente vendados pelos experimentadores,
mostrou que podia ver perfeitamente os objectos, mesmo nestas condições.
Pois bem, o veredicto dos doutos académicos foi contrário.
Chegaram à conclusão de que embora rigorosamente blindados
os seus olhos, a sua faculdade da visão não podia ser
descartada por ter ela uma vista fisiológica normal; não
era cega, logo...
E a questão
do hipnotismo foi arquivada pela Academia (1)
A catalepsia
A catalepsia é um estado que envolve a súbita suspensão
da sensação e da volição, bem como a paragem
parcial das funções vitais. Ocorre, ao mesmo tempo, uma
modificação no corpo do paciente. Este torna-se rígido
e a sua aparência pode ser confundida com a de uma pessoa morta.
Na maioria das vezes, o indivíduo fica inconsciente durante o
transe cataléptico. Noutras ocasiões, o paciente manifesta
intensa excitação mental, por acções e palavras
aparentemente voluntárias. O ataque cataléptico tem duração
variável, indo de alguns minutos a vários dias. Ele pode
repetir-se por qualquer motivo insignificante, se não houver
resistência por parte do paciente.
Perturbações do sistema
nervoso, geralmente provocadas por emoções fortes e prolongadas,
um susto ou um medo violento chegam a produzir o estado cataléptico.
Alguns pequenos animais podem ser postos em catalepsia, por meio de
manobras físicas.
Em 1787, o dr. Jacques Henri Désiré
Petétin (1744-1808), de Lyon, descobriu como levar um paciente
hipnotizado ao transe cataléptico. Em sua obra, Electricité
Animal (1808), ele comunica ter observado, nas suas experiências
com a catalepsia, pacientes a manifestarem impressionantes faculdades
paranormais. Entre os fenómenos estranhos observados, assinala-se
a transposição dos sentidos. Alguns pacientes em estado
cataléptico pareciam surdos quando a voz era dirigida aos seus
ouvidos. Entretanto, ouviam perfeitamente bem se as palavras lhes eram
sussurradas ao nível do estômago. O mesmo facto ocorria
com relação à visão. O sujeito mostrava-se
capaz de «ver» com a região correspondente ao estômago,
o mesmo ocorrendo com os outros sentidos, os quais pareciam transpostos
para aquela região. Outras vezes os sentidos sofriam uma transposição
diferente, para a ponta dos dedos da mão ou dos pés, por
exemplo (2).
O hipnotismo em suas variadas fases
é capaz de fazer sobressair algumas faculdades paranormais, porque
ele enseja a emersão do inconsciente do paciente, facilitando
um relacionamento entre aquele e o consciente do hipnotizador. Este
último, tendo acesso ao inconsciente do paciente, pode despertar-lhe
a função psi, levando-o a manifestar as suas faculdades
paranormais. No estado de sono hipnótico, o indivíduo
torna-se altamente sugestionável e obediente às ordens
do hipnotizador.
Esta sugestionabilidade talvez explique
boa parte das curas pelo magnetismo. A grande maioria das doenças
possivelmente são de origem psíquica. A hipnose, facilitando
o acesso às câmaras mais profundas da mente, poderá
exercer uma acção bloqueadora ou libertadora dos seus
conteúdos. Os magnetizadores depressa perceberam este facto e
passaram a usar a sugestão hipnótica como poderosa arma
contra as doenças psicossomáticas ou somatoformes.
Cirurgias sem dor sob hipnose
Um dos fenómenos de sugestão obtidos com a hipnose é
o da supressão da dor e o da anestesia sem emprego de drogas.
É conhecido da maioria dos leitores que se usa hipnose na odontologia,
em substituição dos métodos de anestesia química.
Na segunda metade do ano de 1800 houve
uma grande difusão do hipnotismo mesmérico. John Elliotson
(1791-1868) fundou em 1846, em Londres, um hospital onde se empregavam
as práticas mesméricas. Surgiram, logo mais, outras instituições
semelhantes, em Edimburgo, Dublin e Exeter. «Nesta última
cidade, Parker realizou mais de 200 intervenções cirúrgicas
sem dor, dentre 1200 mesmerizados»(3).
Mas o mais impressionante é o
episódio de James Esdaile (1808-1859). Vamos tomar todos os detalhes
acerca de Esdaile, da excelente obra do dr. Osmard Andrade Faria, que
acabámos de citar: Hipnose Médica e Odontológica.
Esdaile nasceu em Perth, na Escócia.
Formou-se em medicina em 1830 e foi exercer clínica na Índia.
Informado a respeito dos trabalhos de Elliotson, procurou aplicar os
princípios do mesmerismo em um hindu portador de dupla hidrocele,
em 4 de Abril de 1845, no Native Hospital de Hooghly. Apesar dos seus
sofrimentos, o paciente caiu em sono profundo e pôde ser operado
sem anestesia. Logo mais, Esdaile iria contar com 75 intervenções
cirúrgicas feitas sob hipnose.
Ao completar 100 cirurgias, Esdaile
enviou uma comunicação ao governador de Bengala, sir Herbert
Makkock, solicitando-lhe apoio oficial para o desenvolvimento das suas
pesquisas. Um conselho médico de investigações
nomeado pelo governador aprovou a solicitação de Esdaile.
Da comunicação que F. J. Halliday, secretário do
Governo de Bengala e presidente do Conselho, dirigiu a Esdaile, destacamos
o seguinte trecho:
“Considerando, porém,
a possibilidade de se realizarem as mais sérias intervenções
cirúrgicas sem dor e sofrimento para os pacientes, é
opinião de S. Exª, baseado no testemunho visual da comissão
relatora que as investigações merecem ser facilitadas,
permitindo-lhe prosseguir nas suas interessantes experiências,
sob as mais favoráveis e promissoras circunstâncias”
(obra citada, pág.15).
Diante do parecer da comissão
e da atitude favorável do governador de Bengala, em Novembro
de 1846 foi posto à disposição de Esdaile, em Calcutá,
um pequeno hospital. Constituiu-se um grupo fiscal composto por médicos
indicados pelo Governo para acompanhar os trabalhos. Estes testemunharam
“as mais variadas intervenções cirúrgicas
sem o menor sofrimento para o paciente, redução do choque
cirúrgico e do trauma doloroso pós-operatório”
(obra citada, pág.18).
Em Julho de 1847, Esdaile apresentou
um relatório de suas actividades, enquanto a comissão
de médicos nomeada pelo Governo lhe comunicava os excelentes
resultados observados. Eis um trecho do relatório de Esdaile,
e que teve o apoio da comissão: «Durante alguns meses estivemos
ocupados quase exclusivamente com a cirurgia, o sucesso das operações
indolores praticamente eclipsando os resultados menos espectaculosos
da orla clínica. Esses, porém, tornam-se agora progressivamente
conhecidos pelo público e sucessos médicos estão
já a ser obtidos de forma encorajadora, bem como outros casos
de natureza mais grave como epilepsia, demência, paralisia e outras
afecções nervosas, dolorosas, prometem compensar o nosso
labor.
«Tais casos, porém, por
antigos e inveterados, requerem logo tratamento para marcar alguma resposta
e deixar-nos certezas dos resultados.
«Os casos cirúrgicos, por
razões bem conhecidas de V. Exª, são quase todos
similares (remoção de enormes tumores de elefantíase),
mas, felizmente, para demonstração do poder calmante e
narcótico do mesmerismo, as intervenções têm
sido as mais severas e perigosas que se podem realizar no corpo humano.
«Uma maior variedade de casos
médicos e cirúrgicos é, no entanto, desejável
e poderá ser facilmente conseguida nos hospitais públicos
de Calcutá. Será no campo dos grandes hospitais, com a
sua variedade de pacientes e incidentes, que a utilidade do mesmerismo
poderá ser melhor e mais rapidamente ilustrada...
«Em conclusão, desejo pedir
a atenção do Governador para as estatísticas concernentes
ao assunto, ponto de máximo interesse para estabelecer a proporção
de mortalidade nas velhas e novas escolas cirúrgicas.
«A esse propósito tenho
a honra de juntar uma relação de todas as intervenções
mesméricas realizadas por mim totalizando 133, e espero do Governador
os necessários elementos de comparação com os resultados
obtidos nos diferentes hospitais de Calcutá» (obra citada,
pp. 16 e 17).
Tendo-se findado o prazo concedido a
Esdaile e por este assumido, o pequeno hospital de Calcutá foi
desactivado. Apesar dos movimentos populares solicitando a reabertura
do referido hospital, as autoridades mantiveram-se irredutíveis.
Entretanto, a própria população quotizou-se para
manter as despesas e foi fundado um novo serviço hospitalar para
a prática do mesmerismo, sendo ele entregue à direcção
de Esdaile, em Setembro de 1848. Posteriormente, o próprio Governo
indiano ofereceu a Esdaile a transferência de seus serviços
para o Sarkeas’s Lane Hospital and Dispensary.
Por questões de saúde,
Esdaile ausentou-se da Índia, deixando em seu lugar o prof. Webb.
«Durante o período em que praticou o mesmerismo na Índia,
realizou Esdaile para mais de 3000 intervenções sob hipnose,
das quais 300 de cirurgia maior» (obra citada, pág. 17).
Seria interessante lembrar, aqui, que
naquela época (1845) não se conheciam ainda os antibióticos.
Outro ponto importante a ser destacado é que Esdaile praticava
as intervenções cirúrgicas, em seu estado normal,
sem nenhuma manifestação mediúnica perceptível
por parte dos que o rodeavam. Ele era escocês e, em 1845, na Índia,
onde ele se encontrava, não se conhecia o espiritismo. Lembramos
que o Le Premier Livre des Espirits, de Allan Kardec, foi publicado
em 18 de Abril de 1857, portanto 12 anos após Esdaile haver feito
a sua primeira intervenção cirúrgica sem anestesia,
em 4 de Abril de 1845.
O hipnotismo científico
Em 1823, um jovem médico de Paris, Alexandre Bertrand (1795-1831),
publicou um livro, Traité du Somnambulisme.
Três anos mais tarde, ele lançou um segundo trabalho, Du
Magnétisme Animal en France. Foi Bertrand quem descobriu o papel
importante da sugestão nos fenómenos atribuídos
ao magnetismo animal. Ele observara a conexão entre o sono magnético,
o êxtase colectivo e o sonambulismo e chegara à conclusão
de que as curas e demais sintomas, antes atribuídos ao magnetismo
animal, à electricidade animal e quejandos, não passavam
de meras sugestões de magnetizador agindo sobre a imaginação
de um paciente cuja sugestionabilidade foi altamente aumentada.
Se Bertrand tivesse vivido durante mais
tempo – ele morreu aos 36 anos de idade – talvez houvesse
antecipado a aceitação científica do transe induzido.
Outro personagem que merece ser citado
neste particular é o abade José Custódio de Faria
(1756-1819), nascido em Condolin de Bardez, na Índia Portuguesa.
Inicialmente praticou o mesmerismo, mas posteriormente concluiu que
o paciente era conduzido ao que ele chamava de sonho lúcido,
por sua própria vontade e pelo poder da sugestão. Expressou
as suas ideias num livro: De la Cause du Sommeil Lucide ou l’Etude
Sur la Nature de l’Homme, Paris, 1819, t.I, (único).
Embora tivesse despertado interesse
e suscitado admiradores como Liébeault, Custódio de Faria
não logrou projecção duradoura. O mesmerismo continuou
a fazer adeptos e a manter-se como a hipótese mais aceitável.
Coube a James Braid (1795-1860), um
cirurgião de Manchester, nascido em Rylaw House, Fifeshire, conduzir
o hipnotismo ao ponto de aceitação académica. «A
ele deve a hipnose a sua primeira conceituação realmente
científica e filosófica, despida de empirismos e ideias
absurdas. A Braid devemos por outro lado a actual terminologia empregada
para descrever os fenómenos de inibição cortical».
(4)
Na sua sessão mesmérica,
conduzida pelo francês Charles Lafontaine, Braid notou que o paciente
magnetizado se mostrava incapaz de abrir os olhos. Para Braid, as pálpebras
do paciente achavam-se fatigadas.
«Tal incidente alertou a curiosidade
de Braid. Pareceu-lhe inicialmente que estava ali a causa do fenómeno.
Ou, se não era aquele exactamente o ponto capital, de qualquer
maneira a exaustão palpebral e a catalepsia observadas deveriam
ter qualquer participação no desencadeamento do transe
mesmérico». (5)
Retornando à sua casa, Braid
tentou algumas experiências para testar a sua hipótese
de trabalho. Os seus primeiros pacientes foram a sua própria
esposa, um criado e um amigo. Fê-los fitarem fixamente um objecto
brilhante até cansarem a vista a ponto de não poderem
manter abertas as pálpebras. A partir daí conseguiu hipnotizá-los
facilmente.
James Braid chegou, independentemente,
às mesmas conclusões a que Alexandre Bertrand havia chegado
há cerca de 18 anos: o fenómeno do mesmerismo não
implicava na existência de qualquer influência planetária,
«fluido magnético animal» ou qualquer poder estranho
do magnetizador. Em suma, o transe não era induzido senão
pela sugestão aliada a uma estimulação continuada
capaz de produzir alterações nos órgãos
dos sentidos, levando-os para certo grau de exaustão. Por conseguinte,
o estado de sono mesmérico diferenciava-se do sono fisiológico.
Braid publicou, em 1843, um livro intitulado:
Neurohypnology or the Rationale of Nervous Sleep. Nesta obra, ele lançou
os primeiros termos da nomenclatura agora usada em nossos dias: sono
neuro-hipnológico, hipnologia (abreviatura de neuro-hipnologia),
hipnotismo, hipnótico, hipnose, etc..
Com Braid, iniciou-se, pois, a fase
científica do hipnotismo, candidatando-se o mesmo a ser um novo
ramo da fisiologia. Embora ainda não se tivesse uma explicação
definitiva acerca do seu mecanismo, acreditava-se, pelo menos, que o
hipnotismo parecia decorrer de causas naturais fisiológicas,
por-tanto susceptível de uma abordagem estritamente científica.
Doravante as discussões iriam versar sobre-tudo em torno do mecanismo
de produção dos fenómenos da hipnose. Nesta disputa
destacar-se-iam três grandes nomes: Ambroise Auguste Liébeault,
Henri Bernheim e Jean-Martin Charcot.
A sugestão
Ambroise Auguste Liébeault procurou investigar o problema do
hipnotismo observando-o nos seus próprios clientes. Suas pesquisas
prolongaram-se por mais de 20 anos. Publicou um livro sobre a hipnose:
Du Sommeil et des États Analougues, Considerés au Point
de Vue de l’Action.
A ideia central de Liébeault,
sobre o mecanismo da hipnose é a sugestão.
Henri Bernheim não aceitava o
hipnotismo e nem votava qualquer admiração por Liébeault.
Entretanto, um simples acidente fê-los amigos. Bernheim tratara,
durante cerca de seis anos, e sem resultados, um cliente que sofria
de ciática. O referido doente, aconselhado por outras pessoas,
procurou Liébeault. Em curtíssimo prazo o paciente voltou
a Bernheim, inteiramente livre de seu mal. Este facto despertou a curiosidade
de Bernheim, o qual procurou Liébeault para conhecer os seus
métodos de cura. Tornou-se, assim, discípulo e amigo inseparável
do mesmo.
De 1822 a 1884, Bernheim fez intensas
investigações, enfeixando suas experiências em um
primeiro livro: De la Suggestion. Em 1886 completou-o, lançando
um segundo tomo: La Therapéutique Suggestive. As suas duas obras
tiveram amplo sucesso e provocaram grande afluência de médicos
à cidade de Nancy, onde Bernheim tinha a sua clínica.
Vamos transcrever, do trabalho do Dr.
Osmard A. Faria um trecho importante, concernente às ideias expostas
nas obras de Bernheim e Liébeault: «Em tais livros, como
no de Liébeault, o tema central é o efeito da sugestão,
melhor, da hetero-sugestão, na obtenção de resultados
terapêuticos». Assim agiria o hipnotismo de Braid. E que
se teria por sugestão no entender desses autores?
Explica a escola de Nancy: Sugestão
é o acto pelo qual se faz aceitar pelo cérebro de outrem
uma ideia qualquer. (Obra citada, pág. 23).
Comentando as ideias de Alexandre Bertrand,
de Liébeault e de Bernheim, o Dr. Osmard A. Faria observa que
obviamente «é fácil implantar uma ideia no cérebro
do hipnotizado, que lhe podemos dar sugestões úteis, que
fará aquilo que insinuarmos. Mas a dúvida principal mantinha-se
irrespondida (...).» (Obra citada, p.24). Esta dúvida resume-se
em como funciona o cérebro durante o processo da hipnose.
Não é apenas esta questão
que o ilustre e competente hipnólogo, Dr. Osmard A. Faria, formula
em seu esplêndido livro. Outras mais e muito oportunas são
colocadas por ele, mostrando que a questão do mecanismo da hipnose
havia apenas sido iniciada por aqueles cientistas.
O terceiro hipnólogo que apresentou
uma hipótese de trabalho para explicar o mecanismo da hipnose
foi Jean-Martin Charcot (1825-1892), do famoso hospital da Salpêtriére,
em Paris.
Renomado neurologista, em 1862 tornou-se
chefe de serviço naquele hospital, passando a leccionar, ali,
em 1868, Moléstia do Sistema Nervoso. Em 1870 encarregou-se dos
histéricos não alienados. Em 1878, Charcot iniciou suas
investigações sobre a histeria e o hipnotismo. Breve a
chamada escola da Salpêtriére se tornou mundialmente famosa.
Foi aí que Alfred Binet, Pierre Janet e Sigmund Freud travaram
contacto com as manifestações do inconsciente.
Apesar de todo o peso de seus títulos
e da fama da escola da Salpêtriére, as ideias de Charcot,
acerca da estreita e exclusiva relação entre a histeria
e o fenómeno do hipnotismo, mostraram-se inconsistentes com os
factos. Restou, assim, como a mais correcta, a hipótese de Henri
Bernheim, da escola de Nancy.
Veremos, mais tarde, no decorrer desta
série de artigos, que as ideias de Mesmer não foram de
todo descartadas, e que as mais recentes hipóteses da psicotrónica
parecem dar-lhes certo apoio.
Fonte:
Revista de Espiritismo nr. 29 - Outubro/Dezembro 1995
http://www.espirito.org.br/portal/artigos/fep/hipnotismo.html
* Zweig, S. – A cura pelo Espírito,
Rio de Janeiro: Guanabara, 1940, p.112.
(1) - Fodor, N. - Encyclopaedia of Psychic Science, USA; University
Books, 1974, p. 45.
(2) Spence, L. An Encyclopaedia of Occultism, Secaucus, New Jersey;
The Citadel Press, 1974, pp.95 e 388.
(3) Faria, O. A. - Manual de Hipnose Médica e Odontológica,
Rio de Janeiro e São Paulo; Atheneu, 1979, p. 14.
(4) Faria, O. A. - Hipnose Médica e Odontológica, Rio
de Janeiro - São Paulo; Atheneu, 1979, p. 19).
(5) Faria, O. A. - Opus cit. P. 19).
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