Desde muito cedo, Luiz começou
a dar duro pra ganhar a vida. Aos sete anos já trabalhava
como engraxate, depois foi pedreiro. Precisava ajudar nas despesas
da casa. Escola que é bom, nada! Que tempo ora o quê
pra essas coisas de aprender a ler e a escrever...
Só quando se mudou para Brasília
é que foi conseguir um serviço mais maneiro: foi trabalhar
como ajudante num açougue da Asa Norte. Luiz tinha, então,
12 anos. Só se alfabetizaria alguns anos mais tarde. Como
também vivia num quartinho nos fundos do açougue,
logo percebeu que precisava arrumar alguma coisa para matar o tempo
e, assim, não se sentir tão só.
Ele achou um livro. E fez dele sua
companhia mais presente e permanente.
O primeiro livro que lhe caiu nas
mãos foi um gibi. Trazia umas ideias meio estranhas sobre
filosofia, mas ele seguiu em frente. Foi até o fim. Não
entendeu nada daquilo. Mas adorou!
Depois daquele, vieram outros livros.
E muitos outros ainda.
Quinze anos depois, Luiz acabou
comprando o açougue onde trabalhava e morava. Resolveu inovar.
Junto às carnes, instalou uma prateleira com dez livros em
cima. Aos poucos, a coleção cresceu com a chegada
de mais exemplares, e deu origem a uma pequena biblioteca no lugar.
Enquanto a Vigilância Sanitária deixou, essa biblioteca
chegou a ter mais de 10 mil títulos.
Luiz lia sem parar. Com isso, tornava-se
mais criativo. As coisas que agora sabia, mais as palavras novas
que descobrira nos livros, e, ainda, as histórias e as experiências
de vida de personagens do mundo da literatura que desfilaram, nesses
anos todos, diante de seus olhos de leitor, o haviam transformado
numa pessoa diferente. Mais interessante, no mínimo.
A freguesia de classe média
gostava disso. E, de certo modo, invejava um pouco toda aquela sabedoria
vinda daquele rapaz tão simplório. E o boca a boca
só fazia crescer sua fama de açougueiro dos livros.
Em pouco tempo, a casa de carnes
prosperou. A clientela não parava de crescer. Nem por isso
o açougueiro-leitor-quase-bibliotecário abandonou
sua verve provocadora. Era uma freguesa entrar no seu estabelecimento
para o rapaz dar a estocada:
- A madame vai levar meio quilo
de Saramago ou uns bifes de Machado de Assis?! - ele brincava.
A coisa pegou. E até hoje
ele vive a chamar a atenção para a importância
da leitura e ajudando a formar leitores no coração
do Brasil. Seu açougue cultural - que já atraiu grandes
nomes da MPB e escritores que vão de Ziraldo a Frei Betto
- ficou famoso. Dele surgiu uma biblioteca comunitária com
mais de 50 mil livros. E ele não para.
Lendo de dez a quinze livros todo
mês, Luiz Amorim está o tempo inteiro a ter novas e
boas ideias. Foi ele, por exemplo, quem criou, por toda a cidade,
a inusitada rede de bibliotecas populares nas paradas de ônibus.
São duas ou três estantes de livros espalhadas pelos
pontos da cidade. Sem ninguém para ver ou anotar quem pegou
ou deixar de pegar o livro.
Enquanto aguarda a condução,
o candidato a leitor pode folhear à vontade. Se gostou, basta
pegar e levar para continuar lendo durante o trajeto. Tanto pode
devolver na parada seguinte como levar pra casa e devolver quando
bem entender.
Coisa de doido isso?! Ele próprio
diz que sim (muito embora o índice de sumiço de livros
seja muito baixo...).
Por que ele faz isso? O próprio
Luiz Amorim dá a pista:
- Graças aos livros, o mundo
mudou pra mim. Em todos os sentidos. Quando você faz uma coisa
e se dá muito bem, passa a acreditar que, se as outras pessoas
o fizerem, também vão ficar melhores...
Esse é o Luiz, um leitor
de mundo.