O sonho do pequeno Edward era ser
jogador de futebol. Começaria, naturalmente, envergando a
farda verde e amarela do glorioso Mirassol Futebol Clube, a esquadra
então recém-criada na cidade. Mais adiante certamente
ainda iria parar num time grande. Talvez até virasse ídolo
no escrete nacional, ele suspirava.
Por falta de treino é que
não seria. Afinal, todo santo dia ele e os amigos praticavam,
com fervor quase religioso, o esporte que ainda haveria de levar
aquele bando de garotos sem eira nem beira de Mirassol, no interior
paulista, à redenção e à glória.
Era o sonho e a esperança de Edward. Dele e, provavelmente,
de todos os outros meninos do Brasil.
E foi, de certo modo, pelas mãos
do futebol que a vida dele começaria, de fato, a dar uma
virada. Literalmente, por causa uma bola. Edward, não mais
do que oito anos, estava bem no meio de uma disputadíssima
pelada no pátio da escola. De repente, alguém dá
um chutão. A bola vai parar lá longe. O menino é
escalado para resgatar a preciosa, que se enfiou por uma maldita
janela aberta e foi parar sabe-se lá onde.
O menino foi e viu. E gostou do
que viu.
Jamais vira tanto livro junto assim em sua vida inteira de moleque.
O lugar era uma biblioteca, que acabara de receber, justo naquela
hora, uma nova leva de livros novos.
Ele pegou um deles. E o título
sugestivo já instigava: ?A Banana que Comeu o Macaco?. Que
troço será esse?! O candidato a futuro craque da seleção
canarinho deixou a bola de lado e foi ler o livro.
Em um ano, Edward devoraria nada
menos do que outros 250 livros.
Aos poucos, já estava escrevendo
melhor. E tinha mais ideias. Certo dia o professor mandou, sem que
ele soubesse, um de seus textos para um concurso estadual. O já
ex-futuro atleta faturou o primeiro lugar e passou a, cada vez mais,
gostar dessa coisa de ler. Abiscoitou mais um e outro prêmio
e, quando viu, até algum dinheirinho a mais no bolso.
Ele estava crescendo e resolveu
mergulhar outra vez nesse negócio de livros. Até ali,
enfim, tinha dado certo. Mas agora queria era ir atrás do
sonho da mocidade mais brilhante da época: ir trabalhar no
banco, e, de preferência, no Banco do Brasil.
O danado é que tirara um
tremendo zero na prova de Contabilidade. Mas, de novo, os livros
deram uma mão pra ele livrar a cara: como lia de tudo, acabou
tirando dez em todas as outras matérias. Acabou ficando em
segundo lugar na lista nacional.
Os livros mais uma vez mudariam
a vida do rapaz. Certo dia, na aula do cursinho, ele corrigiu a
professora. A escola não teve dúvidas: botou o jovem
aluno no lugar dela.
Mas quando foi pra faculdade cursar
Direito, viu que as coisas não seriam tão fáceis
assim: de uma hora pra outra, descobriu, por exemplo, que não
sabia nada de latim. E lá foi ele novamente pedir socorro
aos livros. Entrou num velho sebo em São Paulo e lá
arrematou meia dúzia deles. Em pouco tempo, resumindo um
aqui e outro ali, o moço tinha feito seu próprio livro
de Latim - o primeiro de uma série de títulos que
ainda viria pela frente.
E como leitor e livros não
se separavam mesmo, Edward resolveu ir de vez atrás deles.
Ingressou no curso de Letras e acabou, para surpresa dele próprio,
virando um linguista famoso. Escreveu obras e mais obras sobre Semiótica
e Linguística. Deu aulas na universidade e passou a estudar
mais profundamente o assunto. Em algum tempo, já era uma
referência na área. Uma celebridade mesmo.
Hoje um craque nacional do mundo
das pesquisas, o linguista e escritor Edward Lopes diz que, ao contrário
das ciências, a arte é eterna. Por isso, anda relendo
Dante, Homero, Shakespeare...
Independente do que forem
fazer pela vida afora, ensina o mestre, as pessoas precisam ler
mais literatura. E a sua capacidade de criar, garante ele, jamais
terá fim.