Onde já se viu misturar
livros com pneus?! E com graxa, ainda por cima?!? Isso vai dar certo
não... Escolado na vida, Seu Joaquim, do alto dos seus 40 anos
na profissão, deu o veredicto: não havia a menor chance
de aquilo dar certo. Era como água e vinho...
Seu Joaquim borracheiro só não contava com a teimosia
do filho, cabeça dura como o pai. Coração mole
como é, acabou fazendo vistas grossas. Quando viu, lá
estava ela: era uma estante modesta, com seus setenta e pouco exemplares
hermeticamente enfileirados (até parecia que o menino levava
mais jeito para trabalhar em biblioteca, não na borracharia,
ele pensou).
Mas daí a pouco já
eram 600 livros. Com o tempo, chegaram a 3 mil. Hoje em dia, passam,
seguramente, de 10 mil obras, dos mais variados gêneros.
A Borrachalioteca de Sabará,
uma inusitada experiência na cidade histórica no entorno
de Belo Horizonte, começou assim. Tudo muito simples. De forma
bem natural. Tal qual, afinal, seu criador, Marcos Túlio, o
filho turrão do seu Joaquim Damascena.
Quando tomou a decisão de
dar uma mão para o velho pai no pequeno negócio da família,
montado num pequeno salão alugado na periferia de Sabará,
Marcos só não abriu mão de levar junto seus livros.
Nas horas de folga, ele aproveitava para ler. Lia de tudo. E achou
que devia compartilhar aquela experiência que tão bem
fazia a ele com a vizinhança.
Quem primeiro aderiu foi a meninada
da redondeza, mais interessada na sua coleção de gibis.
Em seguida, apareceram uns marmanjos. Logo aquela invencionice já
era sucesso de público e crítica. A freguesia, a princípio,
se espantou.
Como assim?! Livros em plena oficina,
rodeados por pneus, borrachas e ferramentas?!?
Mas a clientela logo se acostumou.
E aprovou! Tanto que muitos acabam aproveitando o tempo de espera,
enquanto aguardam que o pneu furado seja devidamente remendado, para...
ler um pouco. Isso! Para muitos daqueles clientes apressados e estressados,
essa é uma das raras vezes que fazem isso no seu dia a dia:
ler um livro!
Mas a maluquice do Marcos também
começou a modificar a vida do lugar. A vizinhança da
Praça Paula de Souza Lima, em Caieira, bairro que beira o Rio
das Velhas, ficou mais sabida. A meninada anda falando com indisfarçável
intimidade sobre Thiago de Mello, Drummond e outras figuras ilustres
que, até então, não passavam de simples desconhecidos
por aquelas paragens.
E vida por ali vai, aos poucos,
tomando outros rumos. Foi assim com o próprio Marcos, que ganhou
uma bolsa de estudo e foi fazer faculdade. De Letras, é claro:
embora não pense em deixar a borracharia do pai, agora quer
dar aulas e espalhar por aí, para pessoas que, como ele, vivem
nas periferias das cidades brasileiras, essas coisas dos livros, seus
autores e suas histórias.
A coisa vem dando tão certo
que Marcos Túlio Damascena resolveu abrir ali o Instituto Cultural
Aníbal Machado, uma ONG da leitura que já abriu sucursais
em outros pontos da vida e no presídio local.
Por que ele faz isso?!
O borracheiro dos livros tem a resposta
na ponta da língua:
- Além de dar prazer, a leitura
ainda por cima instrui as pessoas... Todo mundo tem que ler!