Eusápia Paladino foi uma das médiuns mais
conhecidas da sua época; foi também uma das mais controvertidas.
Poucos médiuns atraíram a atenção de tantos
e tão proeminentes cientistas como Eusápia. No entanto,
ela era uma mulher inculta, de precária educação,
temperamental e de saúde instável. Os fenômenos
provocados graças à sua mediunidade, conquanto na sua
maioria autênticos, eram mesclados com tentativas de fraude. Quando
Eusápia (1854-1918) não lograva produzir um fenômeno
solicitado ou anunciado por ela própria, o seu primeiro gesto
era obtê-lo fraudulentamente. Este comportamento valeu-lhe e aos
seus investigadores sérios aborrecimentos. Quem perlustra o vasto
relato das suas atividades mediúnicas encontra uma divisão
de opiniões acerca da autenticidade dos fenômenos provocados
por Eusápia. Os pesquisadores mais tolerantes e persistentes
lograram observar fatos autênticos e realmente extraordinários.
Os excessivamente cépticos e com a ideia fixa de que iriam apanhar
Eusápia em alguma fraude praticamente não conseguiram
presenciar senão fenômenos medíocres, misturados
com vá- rias tentativas de trapacear. A opinião mais generalizada
era a de que tais atitudes visando a enganar os observadores seriam
inconscientes. Parecia um reflexo da disposição dos investigadores.
Ela própria explicava as suas falhas dizendo: Eles pedem que
eu os engane e eu atendo aos seus desejos. Era, talvez, a influência
do observador sobre o evento observado, graças à susceptibilidade
da sensitiva em estado de transe. Mas, como iremos ver, a fama de Eusápia
era merecida e apoiada em fatos realmente notáveis e autênticos,
testemunhados por pesquisadores sérios, competentes e capazes
de controlarem rigorosamente a médium, de maneira a não
haver margem para dúvidas.
Dados biográficos
Eusápia Paladino nasceu
em Minervo-Murge, próximo de Bari, em Itália, em 21 de
janeiro de 1854. A sua mãe faleceu em consequência deste
parto. Em 1866, aos 12 anos de idade, testemunhou o assassinato do seu
pai por bandidos. Eusápia viu-se órfã, e foi acolhida
em casa de pessoas amigas. Tratava-se de uma família abastada
de Nápoles, que a recebeu como empregada doméstica. Quando
era ainda mais nova e morava com o pai, Eusápia ouvia batida
nas peças do mobiliário, para as quais ela dirigia o olhar.
Quando ficava no escuro, via olhos a observarem-na. À noite,
apavorava-se ao sentir que mãos invisíveis puxavam os
seus cobertores. Em casa dos seus patrões ela foi logo notada
como sendo uma jovem diferente das demais. Era costume na Europa, naquela
época, as famílias divertirem-se consultando as mesas
girantes. Uma ocasião, as pessoas com as quais ela convivia convenceram-na
a sentar-se à mesa na companhia de outros participantes. Passados
alguns instantes, a mesa levitou, as cadeiras deslizaram sozinhas pelo
chão, as cortinas da sala agitaram-se, os copos, garrafas e outros
objetos da cristaleira tiniram, batendo uns nos outros. Feita uma triagem
entre os presentes à mesa, logo se descobriu que Eusápia
era a potente médium causadora daquilo tudo. A sua verdadeira
educação mediúnica deve-se a um espírita,
sr. Damiani, um bom investigador de fenômenos paranormais. Damiani
era casado com uma senhora inglesa. A esposa de Damiani assistia a uma
sessão em Londres, quando o conhecido espírito John King
se manifestou naquela ocasião e disse a dona Damiani que procurasse
em Nápoles uma poderosa médium. Deu o endereço
de Eusápia, rua e número, acrescentando que Eusápia
era a reencarnação da filha do próprio John King.
Este fato ocorreu em 1872, quando, então, Eusápia já
tinha 18 anos. A dona Damiani teve uma sessão com a médium,
durante a qual se manifestou o espírito de John King. Daí
em diante, ele tornou-se o «guia» de Eusápia. Em
1888, no nº 20 do periódico de Roma, «Fanfulla della
Domenica», o professor Cesare Lombroso publicou um artigo intitulado
«Influência da Civilização sobre o Génio».
Num certo ponto do seu trabalho, Lombroso dizia: «... Quinze ou
20 anos bastam para fazer admirar por todo o mundo uma descoberta qualificada
de loucura no momento em que foi feita; presentemente as sociedades
acadêmicas riem-se do hipnotismo e da homeopatia; quem sabe se
os meus amigos e eu que rimos do espiritismo, não nos encontramos
em erro, precisamente como ocorre aos hipnotizados? Graças à
ilusão que nos envolve, talvez sejamos incapazes de reconhecer
o nosso engano, e, como muitos alienados, colocando-nos ao lado oposto
da verdade, rimo-nos dos que não estão connosco».
Nesta ocasião, o professor Ercole Chiaia estava empenhado em
observar os fenômenos provocados por Eusapia Paladino. Entusiasmado
com as palavras de Lombroso, ele dirigiu uma carta aberta a este último,
publicando-a num periódico de Roma, em 9 de agosto de 1888. Nesta
carta, Ercole Chiaia elogiou a posição e convidou-o a
assistir a sessões levadas a efeito com Eusápia.
Eis um excerto da carta de Chiaia
a Lombroso: Refiro-me a uma enferma de uns 30 anos de idade que pertence
à classe mais humilde da sociedade, e que é bastante ignorante.
O seu olhar não é nem fascinante nem dotado daquela força
que os criminalistas modernos denominam de irresistível; porém,
em virtude de fenômenos surpreendentes, próprios da sua
enfermidade, pode, se o desejar, divertir durante uma hora, tanto de
noite como de dia, a um grupo de curiosos mais ou menos cépticos,
mais ou menos fáceis de contentar. Atada a uma cadeira, ou segura
com força pelos braços dos curiosos, atrai os móveis
que a rodeiam, levanta-os, sustém-nos no ar como o féretro
de Mahomet, e os faz descer, com movimentos ondulatórios, como
se obedecessem a uma vontade estranha; aumenta ou diminui o seu peso;
golpeia as paredes, o teto e o chão, com ritmo e cadência,
respondendo aos convites dos assistentes; clarões parecidos com
os da eletricidade saem do seu corpo, envolvem-na ou rodeiam os assistentes
dessas cenas maravilhosas; desenha o que se deseja sobre o papel, números,
assinaturas, nomes, frases, estendendo apenas a mão para o sítio
indicado; coloca-se num lugar qualquer da habitação uma
bacia com argila úmida encontra-se depois de alguns instantes
a impressão de uma mão grande ou pequena, a impressão
de um rosto de admirável precisão veste de frente ou de
perfil, e de cada qual pode tirar-se um molde. Esta mulher eleva-se
no ar, sejam quais forem os laços que a retenham, ficando como
que deitada no vazio, contrariando todas as leis da estática
e parecendo franquear as da gravidade; faz soar instrumentos de música,
órgãos, campainhas, tambores, como se estivessem sendo
tocados por mãos, ou agitados pelo sopro de gnomos invisíveis.
A carta aberta de Chiaia a Lombroso
faz um intervalo, tecendo algumas considerações sobre
as possíveis reações de Lombroso diante dessas
revelações, e prossegue acrescentando mais o seguinte:
Porém, permita-me continuar; esta mulher, em certas condições,
pode aumentar a sua estatura mais de 10 centímetros; é
como uma boneca de guta-percha, como um autômato de novo gênero;
adquire formas raras; quantas pernas e braços têm? Não
o sabemos. Enquanto os seus membros estão seguros pelos assistentes
mais incrédulos, vemos aparecer outros sem saber de onde saem.
O seu calçado torna-se muito pequeno para conter os pés
aumentados, e esta circunstância faz supor a intervenção
de um poder misterioso. Quando se ata esta mulher, vê-se aparecer
um terceiro braço, que ninguém sabe de onde vem, o qual
tira chapéus, relógios, dinheiro e demais joias, devolvendo-as
com alegre familiaridade. Muda de lugar algumas peças da indumentária
dos concorrentes, acaricia e retorce os bigodes, dando ocasião
a que reparta algum estalo, pois tem os seus momentos de mau humor.
É sempre uma mão grosseira e calosa (já se disse
que a de Eusápia é pequena) com grandes unhas e umedecida,
fazendo estremecer ao seu contato, porque passa do calor ao frio glacial
do cadáver. Esta mão deixa-se apertar e observar com atenção,
tanto como permite a luz do ambiente, e acaba por erguer-se, ficando
suspensa no ar, como se estivesse amputada à raiz do antebraço,
parecendo as mãos de madeira que são expostas nos mostruários
da casa de luvas.
Concluímos aqui a transcrição do trecho da carta
do professor Ercole Chiaia ao professor Cesare Lombroso. Escolhemos
este importante documento porque ele retrata com grande riqueza de detalhes
a extensa fenomenologia produzida graças à mediunidade
de Eusápia, justamente quando a médium se encontrava no
início da sua carreira e quando se mostrava no apogeu da sua
energia mediúnica. É desnecessário dizer que Lombroso
aceitou o desafio, mas investigou o caso de Eusápia somente em
1891, tendo-se rendido à evidência dos fatos. Converteu-se
e escreveu o seguinte: «Estou cheio de confusão, e lamento
haver combatido com tanta persistência a possibilidade dos fatos
chamados espíritas». A conversão de Lombroso teve
como consequência despertar a atenção de um grande
número de cientistas europeus famosos, levando-os a investigar
os fenômenos da Eusápia Paladino.
A sessão de 1908
Em 1908, Everard Feilding, Hereward Carrington e W. W. Baggally levaram
a efeito uma série de doze sessões com Eusápia
Paladino. Para isso fizeram uma preparação prévia
do local e um plano praticamente perfeito de controle. Contrataram um
taquígrafo para anotar minuciosamente o desenrolar das sessões,
inclusive aquilo que fosse dito durante as mesmas. Submetida ao mais
rigoroso controle, Eusápia logrou produzir nada menos de 470
fenômenos, os mais variados, sem haver conseguido fraudar nem
uma só vez. Foi esta talvez, uma das mais rigorosas séries
de sessões a que Eusápia foi submetida. Feilding assinalou,
com surpresa, que quanto mais perfeito era o controle sobre a médium
tanto mais fenômenos autênticos ela produzia, reduzindo-se
significativamente as suas tentativas de fraudar. Ao que parece, as
sessões de Cambridge foram levadas a cabo numa ocasião
em que Eusápia se achava na sua fase negativa. O desejo da médium
de realizar os fenômenos esperados levou-a a tentar efetuá-los,
usando os meios naturais facilitados de que ela dispunha na ocasião;
por exemplo, se lograva libertar uma das mãos, instintivamente
Eusápia procurava utilizar-se deste membro livre. Em Cambridge,
a médium achava-se enferma e acuada por uma atmosfera de frio
cepticismo e extrema desconfiança. Ocorreu aquilo que ela sempre
afirmara: «Se me pedem que eu fraude, assim eu procedo...».
O médium é, antes de tudo, um sensitivo, e não
uma máquina de produzir fenômenos maravilhosos.
Conclusão
Aqui encerramos esse rápido relato a respeito de Eusápia
Paladino. Infelizmente o espaço de que dispomos apenas permitiu-nos
dar uma pálida ideia desta extraordinária médium.
A parapsicologia jamais resgatará a sua dívida para com
esta mulher humilde, sofrida, e tantas vezes injustiçada que,
não obstante, sacrificou a sua existência a serviço
desta disciplina científica.
Referência:
Texto parcialmente transcrito do Hernani
Guimarães «Revista de Espiritismo» no. 39, Abril-
-Maio-Junho 1998
Fonte: Revista
O Fóton - Volume 5 • Maio de 2017
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