Espiritualidade e Sociedade





Natália Amarinho


>   Eusápia Paladino e a conversão de Lombroso

Artigos, teses e publicações

Natália Amarinho
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Eusápia Paladino foi uma das médiuns mais conhecidas da sua época; foi também uma das mais controvertidas. Poucos médiuns atraíram a atenção de tantos e tão proeminentes cientistas como Eusápia. No entanto, ela era uma mulher inculta, de precária educação, temperamental e de saúde instável. Os fenômenos provocados graças à sua mediunidade, conquanto na sua maioria autênticos, eram mesclados com tentativas de fraude. Quando Eusápia (1854-1918) não lograva produzir um fenômeno solicitado ou anunciado por ela própria, o seu primeiro gesto era obtê-lo fraudulentamente. Este comportamento valeu-lhe e aos seus investigadores sérios aborrecimentos. Quem perlustra o vasto relato das suas atividades mediúnicas encontra uma divisão de opiniões acerca da autenticidade dos fenômenos provocados por Eusápia. Os pesquisadores mais tolerantes e persistentes lograram observar fatos autênticos e realmente extraordinários. Os excessivamente cépticos e com a ideia fixa de que iriam apanhar Eusápia em alguma fraude praticamente não conseguiram presenciar senão fenômenos medíocres, misturados com vá- rias tentativas de trapacear. A opinião mais generalizada era a de que tais atitudes visando a enganar os observadores seriam inconscientes. Parecia um reflexo da disposição dos investigadores. Ela própria explicava as suas falhas dizendo: Eles pedem que eu os engane e eu atendo aos seus desejos. Era, talvez, a influência do observador sobre o evento observado, graças à susceptibilidade da sensitiva em estado de transe. Mas, como iremos ver, a fama de Eusápia era merecida e apoiada em fatos realmente notáveis e autênticos, testemunhados por pesquisadores sérios, competentes e capazes de controlarem rigorosamente a médium, de maneira a não haver margem para dúvidas.


Dados biográficos

Eusápia Paladino nasceu em Minervo-Murge, próximo de Bari, em Itália, em 21 de janeiro de 1854. A sua mãe faleceu em consequência deste parto. Em 1866, aos 12 anos de idade, testemunhou o assassinato do seu pai por bandidos. Eusápia viu-se órfã, e foi acolhida em casa de pessoas amigas. Tratava-se de uma família abastada de Nápoles, que a recebeu como empregada doméstica. Quando era ainda mais nova e morava com o pai, Eusápia ouvia batida nas peças do mobiliário, para as quais ela dirigia o olhar. Quando ficava no escuro, via olhos a observarem-na. À noite, apavorava-se ao sentir que mãos invisíveis puxavam os seus cobertores. Em casa dos seus patrões ela foi logo notada como sendo uma jovem diferente das demais. Era costume na Europa, naquela época, as famílias divertirem-se consultando as mesas girantes. Uma ocasião, as pessoas com as quais ela convivia convenceram-na a sentar-se à mesa na companhia de outros participantes. Passados alguns instantes, a mesa levitou, as cadeiras deslizaram sozinhas pelo chão, as cortinas da sala agitaram-se, os copos, garrafas e outros objetos da cristaleira tiniram, batendo uns nos outros. Feita uma triagem entre os presentes à mesa, logo se descobriu que Eusápia era a potente médium causadora daquilo tudo. A sua verdadeira educação mediúnica deve-se a um espírita, sr. Damiani, um bom investigador de fenômenos paranormais. Damiani era casado com uma senhora inglesa. A esposa de Damiani assistia a uma sessão em Londres, quando o conhecido espírito John King se manifestou naquela ocasião e disse a dona Damiani que procurasse em Nápoles uma poderosa médium. Deu o endereço de Eusápia, rua e número, acrescentando que Eusápia era a reencarnação da filha do próprio John King. Este fato ocorreu em 1872, quando, então, Eusápia já tinha 18 anos. A dona Damiani teve uma sessão com a médium, durante a qual se manifestou o espírito de John King. Daí em diante, ele tornou-se o «guia» de Eusápia. Em 1888, no nº 20 do periódico de Roma, «Fanfulla della Domenica», o professor Cesare Lombroso publicou um artigo intitulado «Influência da Civilização sobre o Génio». Num certo ponto do seu trabalho, Lombroso dizia: «... Quinze ou 20 anos bastam para fazer admirar por todo o mundo uma descoberta qualificada de loucura no momento em que foi feita; presentemente as sociedades acadêmicas riem-se do hipnotismo e da homeopatia; quem sabe se os meus amigos e eu que rimos do espiritismo, não nos encontramos em erro, precisamente como ocorre aos hipnotizados? Graças à ilusão que nos envolve, talvez sejamos incapazes de reconhecer o nosso engano, e, como muitos alienados, colocando-nos ao lado oposto da verdade, rimo-nos dos que não estão connosco». Nesta ocasião, o professor Ercole Chiaia estava empenhado em observar os fenômenos provocados por Eusapia Paladino. Entusiasmado com as palavras de Lombroso, ele dirigiu uma carta aberta a este último, publicando-a num periódico de Roma, em 9 de agosto de 1888. Nesta carta, Ercole Chiaia elogiou a posição e convidou-o a assistir a sessões levadas a efeito com Eusápia.

Eis um excerto da carta de Chiaia a Lombroso: Refiro-me a uma enferma de uns 30 anos de idade que pertence à classe mais humilde da sociedade, e que é bastante ignorante. O seu olhar não é nem fascinante nem dotado daquela força que os criminalistas modernos denominam de irresistível; porém, em virtude de fenômenos surpreendentes, próprios da sua enfermidade, pode, se o desejar, divertir durante uma hora, tanto de noite como de dia, a um grupo de curiosos mais ou menos cépticos, mais ou menos fáceis de contentar. Atada a uma cadeira, ou segura com força pelos braços dos curiosos, atrai os móveis que a rodeiam, levanta-os, sustém-nos no ar como o féretro de Mahomet, e os faz descer, com movimentos ondulatórios, como se obedecessem a uma vontade estranha; aumenta ou diminui o seu peso; golpeia as paredes, o teto e o chão, com ritmo e cadência, respondendo aos convites dos assistentes; clarões parecidos com os da eletricidade saem do seu corpo, envolvem-na ou rodeiam os assistentes dessas cenas maravilhosas; desenha o que se deseja sobre o papel, números, assinaturas, nomes, frases, estendendo apenas a mão para o sítio indicado; coloca-se num lugar qualquer da habitação uma bacia com argila úmida encontra-se depois de alguns instantes a impressão de uma mão grande ou pequena, a impressão de um rosto de admirável precisão veste de frente ou de perfil, e de cada qual pode tirar-se um molde. Esta mulher eleva-se no ar, sejam quais forem os laços que a retenham, ficando como que deitada no vazio, contrariando todas as leis da estática e parecendo franquear as da gravidade; faz soar instrumentos de música, órgãos, campainhas, tambores, como se estivessem sendo tocados por mãos, ou agitados pelo sopro de gnomos invisíveis.

A carta aberta de Chiaia a Lombroso faz um intervalo, tecendo algumas considerações sobre as possíveis reações de Lombroso diante dessas revelações, e prossegue acrescentando mais o seguinte: Porém, permita-me continuar; esta mulher, em certas condições, pode aumentar a sua estatura mais de 10 centímetros; é como uma boneca de guta-percha, como um autômato de novo gênero; adquire formas raras; quantas pernas e braços têm? Não o sabemos. Enquanto os seus membros estão seguros pelos assistentes mais incrédulos, vemos aparecer outros sem saber de onde saem. O seu calçado torna-se muito pequeno para conter os pés aumentados, e esta circunstância faz supor a intervenção de um poder misterioso. Quando se ata esta mulher, vê-se aparecer um terceiro braço, que ninguém sabe de onde vem, o qual tira chapéus, relógios, dinheiro e demais joias, devolvendo-as com alegre familiaridade. Muda de lugar algumas peças da indumentária dos concorrentes, acaricia e retorce os bigodes, dando ocasião a que reparta algum estalo, pois tem os seus momentos de mau humor. É sempre uma mão grosseira e calosa (já se disse que a de Eusápia é pequena) com grandes unhas e umedecida, fazendo estremecer ao seu contato, porque passa do calor ao frio glacial do cadáver. Esta mão deixa-se apertar e observar com atenção, tanto como permite a luz do ambiente, e acaba por erguer-se, ficando suspensa no ar, como se estivesse amputada à raiz do antebraço, parecendo as mãos de madeira que são expostas nos mostruários da casa de luvas.

Concluímos aqui a transcrição do trecho da carta do professor Ercole Chiaia ao professor Cesare Lombroso. Escolhemos este importante documento porque ele retrata com grande riqueza de detalhes a extensa fenomenologia produzida graças à mediunidade de Eusápia, justamente quando a médium se encontrava no início da sua carreira e quando se mostrava no apogeu da sua energia mediúnica. É desnecessário dizer que Lombroso aceitou o desafio, mas investigou o caso de Eusápia somente em 1891, tendo-se rendido à evidência dos fatos. Converteu-se e escreveu o seguinte: «Estou cheio de confusão, e lamento haver combatido com tanta persistência a possibilidade dos fatos chamados espíritas». A conversão de Lombroso teve como consequência despertar a atenção de um grande número de cientistas europeus famosos, levando-os a investigar os fenômenos da Eusápia Paladino.

A sessão de 1908

Em 1908, Everard Feilding, Hereward Carrington e W. W. Baggally levaram a efeito uma série de doze sessões com Eusápia Paladino. Para isso fizeram uma preparação prévia do local e um plano praticamente perfeito de controle. Contrataram um taquígrafo para anotar minuciosamente o desenrolar das sessões, inclusive aquilo que fosse dito durante as mesmas. Submetida ao mais rigoroso controle, Eusápia logrou produzir nada menos de 470 fenômenos, os mais variados, sem haver conseguido fraudar nem uma só vez. Foi esta talvez, uma das mais rigorosas séries de sessões a que Eusápia foi submetida. Feilding assinalou, com surpresa, que quanto mais perfeito era o controle sobre a médium tanto mais fenômenos autênticos ela produzia, reduzindo-se significativamente as suas tentativas de fraudar. Ao que parece, as sessões de Cambridge foram levadas a cabo numa ocasião em que Eusápia se achava na sua fase negativa. O desejo da médium de realizar os fenômenos esperados levou-a a tentar efetuá-los, usando os meios naturais facilitados de que ela dispunha na ocasião; por exemplo, se lograva libertar uma das mãos, instintivamente Eusápia procurava utilizar-se deste membro livre. Em Cambridge, a médium achava-se enferma e acuada por uma atmosfera de frio cepticismo e extrema desconfiança. Ocorreu aquilo que ela sempre afirmara: «Se me pedem que eu fraude, assim eu procedo...». O médium é, antes de tudo, um sensitivo, e não uma máquina de produzir fenômenos maravilhosos.

 

Conclusão

Aqui encerramos esse rápido relato a respeito de Eusápia Paladino. Infelizmente o espaço de que dispomos apenas permitiu-nos dar uma pálida ideia desta extraordinária médium. A parapsicologia jamais resgatará a sua dívida para com esta mulher humilde, sofrida, e tantas vezes injustiçada que, não obstante, sacrificou a sua existência a serviço desta disciplina científica.

 

Referência:
Texto parcialmente transcrito do Hernani Guimarães «Revista de Espiritismo» no. 39, Abril- -Maio-Junho 1998

 

Fonte: Revista O Fóton - Volume 5 • Maio de 2017

 

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