Estudar o Espiritismo é
algo sublime, capaz de transformar-nos a maneira de pensar e agir
em relação a pessoas, situações e
de um modo geral, com a própria Vida. Mas estudar o Espiritismo
ainda requer estudo, por mais redundante que seja, de tão
óbvio.
Houve uma época em que
a produção literária espírita, preenchia
lacuna significativa, quanto a interpretações daquilo
que a Doutrina Espírita revelou. Além do magistral
trabalho de Allan Kardec, muitas pesquisas e estudos foram empreendidos
com o objetivo de esclarecer pontos e ampliar entendimentos que
o Espiritismo, por intermédio dos Espíritos Superiores,
lançou luz.
Pesquisadores e pensadores espíritas
teceram obras fenomenais, tanto pela forma, como pela profundidade
do seu conteúdo. A cada nova interpretação
e a cada novo entendimento, uma avalanche de livros era produzido
tentando explicar e fazer luzir algum ângulo até
então abordado de uma maneira diferente.
Essa diversidade fez com que o
espírita tivesse, em suas mãos, um leque extenso
de opções para seu estudo, que o movimento espírita
convencionou “fragmentar” e rotular em trabalhos de
cunho religioso, científico e filosófico. A crítica
ao rótulo não é gratuita. Foi um recurso
didático utilizado para conseguir melhor transmitir os
ensinamentos dos espíritos. Entretanto, após mais
de meio século de divulgação do Espiritismo
nos moldes atuais, adotados pela esmagadora maioria das casas
espíritas que possuem ciclos de estudos, estudos sistematizados,
etc., percebe-se, mesmo sem método ou instrumento científico
mais adequado, que o estudo do espiritismo ficou mascarado.
A fragmentação,
por exemplo, é duramente criticada pelo educador Edgar
Morin, quando diz que o retalhamento das disciplinas, torna impossível
apreender “aquilo que é tecido junto”. Por
que estudar “ciência, filosofia e religião”,
quando o que deveríamos estudar é a “Doutrina
Espírita”? Será que “tríplice
aspecto” da doutrina consegue explicar a complexidade do
que o Espiritismo aborda? Quando dizemos Doutrina Espírita,
aplicamos um “zoom” que evidencia as inter-relações
entre os conhecimentos (“tecido junto”), deixando
claro que há mais do que um tríplice aspecto. No
entanto, a aplicação do conteúdo fica a cargo
do expositor, que pode abordar assim ou não.
Talvez – e esse é
outro ponto da nossa reflexão –, quando iniciaram
os estudos, no início do século XX, traduzir o pensamento
das obras de Kardec, comportava um nível de abordagem que
preservasse muito mais o entendimento e a interpretação,
no sentido de “simplificar”, do que de ampliar considerações
daquele aprendizado em relação a outros temas do
cotidiano. Isso muda quando Dr. Carlos Imbassahy (Pai) assume
a pena e nos dizeres do Herculano Pires, em sua “fortaleza”
direto de Niterói, consegue relacionar as descobertas científicas
com as revelações doutrinárias e tecer comentários
filosóficos a respeito de conclusões – ilações,
hipóteses, inferências, etc., todas válidas
no campo da exposição de ideias –, que poderiam
agradar ou não espíritas e não espíritas.
O movimento espírita –
não o movimento de unificação, que não
unifica nem entre eles – tem sido convidado a rever a eficácia
e os objetivos do aprendizado, consequentemente, das atividades
doutrinárias da casa espírita. Será que ainda
buscamos “unanimidade” ou aprendemos com a diversidade
nas casas espíritas?
Unanimidade é utopia no
mundo atual, beirando a atrofia. Convergências de entendimento,
ainda que existam diferenças na construção
do conhecimento, são desejáveis. Veja um exemplo:
“se dou comida aos pobres, todos me chamam de santo. Mas
quando pergunto por que são pobres, me chamam de comunista.”
Essa frase do Dom Helder Câmara ilustra a diferença
dos pensamentos e a sua complexidade. Tentar simplificar, rotula.
Explicar: mascara porque evidencia apenas a compreensão
daquele que está expondo o pensamento. Na complexidade
do mundo atual, percebe-se que há muito conhecimento e
informação entre os extremos para se tomar uma decisão
simplista.
Nesse sentido, sabendo que as
necessidades humanas estão cada vez mais globais, complexas
e com níveis de exigência dantes observado, um leigo,
neófito, apenas curioso, que enfrenta críticas,
se expõe, tendo apenas como instrumentos diminuta experiência
e uma convicção pessoal, não tem alcance
e nem competência para empunhar bandeira que não
seja aquela de provocar, estimular e refletir acerca do que temos
visto, vivido e aprendido na Doutrina Espírita.
Desconstruir rótulos começa
com a revisão do próprio papel de divulgar o espiritismo.
Ao contrário do que muitos divulgadores dizem, quando assumem
a tribuna, ouso refletir com os amigos, que não está
faltando Kardec, nem obras de conteúdo doutrinários,
nem muito menos estudo. Está faltando amor, benevolência,
simplicidade.
Simplicidade é diferente
de simplismo. Com as redes sociais, reduziram as discussões
a críticas contumazes, sem ao menos apresentar argumentos.
Quando as questões apontam para o “comportamento”,
alguém se manifesta contrário, lamentando que a
discussão “sempre” redunda em questões
comportamentais. Todo aprendizado religioso, moral, filosófico,
de alguma forma afeta o comportamento. Circula vídeo no
whatsapp do Padre Fabio de Melo falando sobre a “quaresma”.
Em linhas gerais, o convite dele é para que o católico
substitua a abstinência por comida e bebida, por melhorias
no comportamento. Qual o problema do espírita de hoje em
entender isso?
Precisamos resgatar a linha mestra
que nos vincula aos primeiros cristãos, aqueles que sentiram
o perfume da presença do Mestre, seguiram seus passos,
sonhavam com suas prédicas, criavam conexões de
Suas parábolas com os desafios do cotidiano. Resgatar a
alegria de servir, a beleza de amar desinteressadamente, de auxiliar
o próximo, mais próximo, a partir de uma renovação
interior, capaz de nos mostrar a grandeza da vida e seu aprendizado.
Que as dificuldades do caminho
não nos paralisem os gestos nobres. Que o desejo de servir
seja maior do que os rótulos e máscaras que existem
no caminho. E que a presença do Cristo seja constante em
nossas vidas, hoje e sempre.
Vladimir Alexei é orador
espírita na cidade de Belo Horizonte/MG e colaborador da
Rede Amigo Espírita