18 de maio de 2022
A “teoria das ondas” (Freston,
1993) é um recurso pedagógico que contribui com a compreensão
deste quadro. Porém, se inicialmente as ondas já eram
difusas, na atualidade, o “caos teórico” ainda
é mais grave. Na “primeira onda”, que se deu nas
quatro primeiras décadas do século XX, temos o chamado
“pentecostalismo clássico”; a “segunda onda”
ocorreu nas décadas de 1940 a 1980; a “terceira onda”
ocorreu a partir dos anos 1980 com a predominância do que se
denominou “neopentecostalismo”. Em um país de maioria
rural, semiletrado, como o Brasil do início do século
XX, essas expressões religiosas encontram um campo vasto para
se desenvolver pois tem crenças próximas da religiosidade
popular do mundo espiritual.
Primeira Onda: Pentecostalismos clássicos
(décadas de 1910 a 1950)
As duas principais igrejas pentecostais no Brasil
são Congregação Cristã no Brasil (CCB),
fundada em 1910, e Assembleias de Deus (ADs), fundadas em 1911. Ambas
têm similaridades, pois foram fundadas por migrantes europeus
pobres que conheceram a doutrina pentecostal nos EUA. Contudo, ironicamente,
são visceralmente distintas. São idênticas na
pentecostalidade (ainda hoje), mas absolutamente diferentes modelos
dos pentecostalismos (muito mais hoje). (Ver Glossário Pentecostalismos)
A CCB nasceu no Sudeste, fundada por Louis Francescon (1866-1964).
De origem presbiteriana, é uma igreja étnica italiana,
mantém ainda hoje as mesmas marcas estéticas na construção
dos templos, liturgia inalterada e absoluto apoliticismo. Não
produz nenhum tipo de teologia escrita, publica apenas um livro sobre
a construção de templos e um hinário. Não
tem editora, gravadora, não faz nenhum tipo de proselitismo
e sua estrutura eclesiástica se limita ao Conselho de Anciões
e ao obreiro ou ancião local, tudo a partir da “revelação
divina”. A CCB é, ainda hoje, como gosta de se autodenominar,
uma “irmandade”.
As ADs, surgiram no Norte, fundadas por dois suecos,
Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg (1884-1963). De origem batista,
abrasileirada desde o início, se espalhou acompanhando a migração
interna. Praticamente passou despercebido das pesquisas o que Samuel
Valério (2022) vai denominar de “pentecostalismo étnico”
– igrejas batistas suecas que formaram a Convenção
Batista Independente (CEBI), nascida em 1912. E isto por uma razão
explícita: igreja pequena, de origem sueca, restrita ao sul
e que teve pouquíssimo crescimento. Semelhante situação
ocorreu com a Igreja de Cristo, surgida em 1930, no Nordeste, e com
muitas outras que tiveram impacto apenas regional.
Se os pentecostalismos como expressões sociais
são distintos, a pentecostalidade deles teve pouca
mudança. Houve pequena alteração na irmandade
homogênea da CCB, mas há muita diversidade nos assembleianismos
heterogêneos. Ademais, a CCB, além de étnica é
calvinista, baseada na doutrina que entende que Deus já predestinou
os salvos e os perdidos.
As ADs, por sua vez, são arminianas, doutrina
que diverge do calviismo e entende que as pessoas podem aceitar ou
rejeitar a mensagem da salvação, por causa da herança
sueca e sempre foram refratárias à institucionalização.
Assim, cresceram desordenadas, sem uma liderança unificada,
e tem um nome único para diversos grupos.
Diferentes das ADs no mundo, as do Brasil, além
das Convenções Nacionais (distintas e divergentes) tem
nas lideranças carismáticas dos pastores presidentes
seus centros de poder, sendo estes, absolutos e vitalícios
nas sedes dos Ministérios (conglomerado de igrejas com uma
igreja sede). Nas ADs, então, há diversos “assembleianismos”
(Alencar, 2018) em aggiornamento (Costa, 2018) com “esgarçamento
ministerial” (Fajardo, 2018), lideradas por “dinastias
assembleianas” (Correa, 2018).
A Segunda Onda: Pentecostalismos de transição
(décadas de 1950-1980)
Nessas décadas o Brasil se urbanizou, industrializou
e iniciou a expansão dos meios de comunicação.
As três igrejas que se destacaram foram marcadas pela presença
na mídia, como a Igreja Brasil para Cristo (1955), Igreja Pentecostal
Deus é Amor (1962), ambas brasileiras, e a Igreja do Evangelho
Quadrangular (1951), vinda dos EUA.
Não é possível delimitar, nesse período,
o número de igrejas, suas características, se a heterogeneidade
dos pentecostalismos se acentuou ou se houve mudanças até
na pentecostalidade. A glossolalia perdeu sua importância,
a cura tomou a prioridade e o exorcismo que sempre existiu (e ainda
existe) – tornou-se público e midiático, passando
a ser uma nova marca.
Na década de 1960 nasceu, na Igreja Católica, a Renovação
Carismática Católica (RCC). Também aumentou a
diversidade protestante, pois, em quase todas as denominações
herdeiras da Reforma surgiram “grupos renovados” que podem
não ser pentecostais no sentido pleno, mas possuem marcas da
pentecostalidade: Igreja Presbiteriana Renovada (1975), Igreja
Metodista Wesleyana (1967), a Convenção Batista Nacional
(1965) e muitas outras.
Terceira onda: Neopentecostalismos (década de 1980 em diante)
O prefixo neo não
dá conta da complexidade que representa estas formas de pentecostalismo
pois muito do que apareceu não era novo, mas antigas práticas
remodeladas. Se nas décadas anteriores foi difícil delimitar,
no Brasil urbano e pós-ditadura militar, é impossível
saber quantos pentecostalismos ou quantas igrejas pentecostais existem.
A pesquisa Novo Nascimento do ISER,
do início dos anos 1980, indicava que a cada semana surgia
uma nova igreja pentecostal, mas nenhuma pesquisa, até o momento,
conseguiu contabilizar quantas fecham, mudam de nome ou alteram sua
pentecostalidade. Nesse momento histórico, tanto pelo
gigantismo quantitativo, quanto pela complexidade teológica,
não há teorização que consiga organizar
o campo. No entanto, em função da visibilidade midiática
e presença quantitativa, indicamos as seguintes representantes
do neopentecostalismo: Igreja Nova Vida (1960), Igreja Universal do
Reino de Deus (1977), Igreja Internacional da Graça de Deus
(1980), Igreja Apostólica Renascer em Cristo (1986) e Comunidade
Evangélica Sara a Nossa Terra (1992).
Além dessas foram criadas centenas ou milhares de outras igrejas:
(1) algumas surgiram e fecharam em pouco tempo; (2) algumas mudaram
de nome; (3) algumas são apenas locais/regionais; (4) outras
mantém apenas alguns aspectos da pentecostalidade,
mas ignoram ou excluem outros; (5) algumas são pentecostais,
mas não sabem; (6) algumas são pentecostais, mas não
assumem; (7) algumas eram pentecostais, deixaram de ser e depois retornaram
a ser, mas continuam não sendo.
Desta forma, nesses “tempos líquidos” talvez identifiquemos
algumas expressões de “pentecostalismos líquidos”,
não necessariamente como Bauman tematizou, mas exatamente como
os estados da água: às vezes são sólidos,
às vezes líquidos, às vezes gasosos e alguns
em evaporação.
Temas em curso
Existem duas polêmicas que
envolvem os pentecostalismos: a “confessionalização
política” (Machado, 2012) e os “pentecostalismos
beligerantes”. Pelo crescimento quantitativo, de forma piramidal,
a elite dirigente ascendeu social e economicamente e seus interesses
– econômicos, midiáticos e políticos interconectados
– precisam de uma defesa também política e econômica.
Desde a convocação da nova Constituinte, em 1988, nasceu
uma classe política pentecostal majoritariamente fisiologista
e moralista, tentando impor uma pauta moral à sociedade. E,
ao longo das décadas, cresceu e acumulou ambiguidades.
Hoje, nas periferias das cidades, grupos pentecostais crescem e disputam
o campo religioso com as religiões de matriz afro-brasileira.
Apesar de os pentecostalismos terem nascido entre os negros nos EUA
e nas periferias marginas de migrantes europeus/nordestinos, o grupo
PPPP, “pobres, pretos, periféricos e pentecostais”
(Alencar, 2017) sempre foi alvo de preconceitos e perseguição,
mas deixou de ser perseguido para ser tornarem perseguidores.
Pierucci (2006) fez uma provocação: religião
não é um espaço de coesão, mas, ao contrário,
é produtora de divisão. Religião é solvente,
não cimento; é dissenso, não consenso; traz tensão,
não harmonia. Os pentecostalismos celebram os rompimentos étnicos,
matizados por novos agrupamentos, interesses e sectarizações;
é uma forma de “religião em movimento” (Léger,
2008) que desconsidera a “tradição herdada”
em benefício de novas experiências e valores. São
expressões religiosas com pretensões hegemônicas
sendo, então, intolerantes e bélicas. Assim, parece,
que chegamos à distopia de um “Brasil terrivelmente evangélico”.
Comprovadamente terrível, inexplicavelmente evangélico.
Para ler sobre o tema
ALENCAR, Gedeon Freire.– Matriz Pentecostal Brasileira.
Assembleias de Deus – 1911-2011. Rio de Janeiro: Novos Diálogos
Editora, 2013.
ALENCAR, Gedeon. Ecumenismos & Pentecostalismos:
a relação entre o pescoço e a guilhotina? São
Paulo: Recriar Editora, 2018.
ALENCAR, Gedeon Freire. Reforma Protestante e Pentecostalismos
no Brasil: Agora são outros 500?. In LIMA 2017.
CAMPOS, Bernardo. El Principio Pentecostalidad. La
unidade em el Espiritu, fundamento de la paz. Salem Oregón: Kerigma
Publicaciones, 2016.
CARRANZA, Brenda – Renovação Carismática
Católica. Origens, mudanças e tendencias, Aparecida, Ed.
Santuário, 2000.
CORREA, Marina – Assembleias de Deus. Ministérios,
carisma e exercício do poder, São Paulo, Ed. Recriar,
2018.
FEBVRE, Lucien. Martinho Lutero, um destino, São
Paulo: Tres Estrelas, 2012.
FRESTON, Paul – Protestantes e Politica no Brasil:
da Constituinte ao Impeachment. Tese de doutorado, Unicamp, 1993.
HERVIEU-LÉGER, Danièle. O Peregrino e
o convertido. A religião em movimento. Petrópolis: Vozes,
2008.
HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça.
Ideias radicais durante a Revolução Inglesa de 1640. São
Paulo: Cia das Letras, 1987.
HOLLENWEGER, W. El pentecostalismo – história
y doctrinas. Buenos Aires: La Aurora 1976.
LÉONARD, Emile-G. O iluminismo num protestantismo
de constituição recente. São Bernardo do Campo:
IMES, 1963.
LIMA, Daniel B; ALENCAR, Gedeon Freire; COREA, Marina
Santos (orgs.) Reforma Protestante e Pentecostalismo: Convergências
e Divergências. Manaus: Ed Unida/FBN, 2017.
MARCENEIRO, Marcial. Na unidade do Espírito
Santo: observações sobre o diálogo internacional
católico-pentecostal. In OLIVEIRA, 2015. [COMPLETAR A REFERÊNCIA]
MESQUIATI, David; TERRA, Kenner. Experiência
e Hermenêutica Pentecostal. Reflexões e propostas para
uma identidade teológica, Rio de Janeiro: CPAD, 2018.
MOREIRA, Alberto da Silva; TROMBETTA, Pino Luca. Pentecostalismo
Globalizado. Goiânia: PUC-GO, 2015.
OLIVEIRA, David Mesquiati (org.). Pentecostalismos
e Unidade. São Paulo: Fonte Editorial/FPLC/GCF, 2015.
PIERUCCI, Antonio Flavio. Religião como solvente
– uma aula. Novos Estudos, n. 75, julho de 2006.
SYNAN, Vinson O século do Espírito Santo.
100 anos do Avivamento Pentecostal e Carismático. São
Paulo: Vida, 2009.
VALERIO, Samuel Pereira. Pentecostalismo de Migração:
terceira entrada do pentecostalismo no Brasil. Dissertação
de Mestrado em Ciência da Religião, PUC-SP, 2013.
MESQUITA, Cláudia. Santa Cruz : o mundo preenchido.
Revista SEXTA FEIRA Nº 8 – PERIFERIA. Disponível em:
http://www.usp.br/revistasexta/files/n8-web_1.pdf
SITES
– Aliança Mundial das Assembleias de Deus
http://worldagfellowship.org/
– Aliança Mundial para Educação
Teológica Pentecostal http://wapte.org/
– Biblioteca Digital Mundial de Teologia e Ecumenismo
http://www.globethics.net/gtl
– Centro Ecuménico Missioneiras da La
Unidade (Madri) http://centroecumenico.org
– Centro para Estudos do Cristianismo Global
https://www.gordonconwell.edu/center-for-global-christianity/
– Comissão Internacional de Diálogo
Católico-Pentecostal http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/chrstuni/sub-index/index_pentecostals.htm
– Comissões da Curia Romana dos Diálogos
Religiosos http://www.vatican.va/roman_curia/ponitifical_councils/chrstuni/index.htm
– Conferência Mundial das Associações
de Instituições Teológicas http://wocati.org/
– Conferência Mundial Pentecostal http://www.pentecostalworldfellowship.org/
– Conselho Mundial de Igrejas – http://www.oikoumene.org/en
– Consulta Pentecostal Carismático Teológica
Internacional http://www.pctii.org/
– Flower Pentecostal Heritage Center –
https://ifphc.org
– Fórum Cristão Global –
http://www.globalchristianforum.org/
– Fórum Pentecostal Latino Americano http://www.pentecostalworldfellowship.org
– Fraternidade Mundial das Assembleias de Deus
http://worldagfellowship.org/
– Fundação Pneuma – http://www.pneumafoundation.org
– Manchester Wesley Research Center – http://www.mwrc.ac.uk/
– Pew Research Center – http://www.pewresearch.org/
– Rede Latinoamericana de Estudos do Pentecostalismo
– RELEP www.relep.org.br
– Sociedade de Estudos Pentecostais – http://www.sps-usa.org
– Revista Pneuma – http://pneumareview.com
listagem de artigos da Pneuma abaixo
http://storage.cloversites.com/societyforpentecostalstudies/documents/article_index.pdf
Para assistir
Filme: Santo Forte (1999). Direção: Eduardo
Coutinho. Lançamento: 19 de novembro. Gênero: Documentário.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bf9-GiJfwog
Filme: Híbridos (2018). Um projeto de Priscilla
Telmon & Vincent Moon, produzido por Petites Planètes. Gênero:
Documentário https://hibridos.cc/po/themovie/
Filme: “Santa Cruz” (2000). Direção:
João Moreira Salles. Gênero: Documentário. https://www.youtube.com/watch?v=d-PjHpahJzY
Gedeon Freire de Alencar - Mestre e Doutor em Ciências
da Religião – PUC-SP e professor da Faculdade Teológica
Batista de São Paulo; é autor dos livros Protestantismo
Tupiniquim. Hipóteses sobre a (não) contribuição
à cultura brasileira e Assembleias de Deus. Origem,
militância e construção – 1911-1946
(Arte Editorial), e Matriz Pentecostal Brasileira. Assembleias
de Deus - 1911-2011 (Novos Diálogos Editora), tem diversos
textos publicados em revistas acadêmicas.
Fonte: https://religiaoepoder.org.br/artigo/pentecostalismos-no-brasil/
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