Sergio F. Aleixo
> O que é Reencarnação
1.1 — Metempsicose
1.2 — Carma
1.3 — O Retorno
1.4 — Nexos Causais
1.4.1 — Vícios
1.4.2 — Genética
1.1
— Metempsicose
Lemos no “Vocabulário
Espírita”: “Reencarnação
— Volta do espírito à vida corpórea, pluralidade
das existências”. (O Livro dos Médiuns,
XXXII.)
Embora essa palavra, salvo melhor juízo, tenha surgido em meados
do século XIX nas obras de Allan Kardec, o conceito de reencarnação
da alma não é recente, existe há milênios.
(Veja-se o nosso livro Reencarnação: lei da Bíblia,
lei do Evangelho, lei de Deus (Lachâtre, 1999).)
O espiritismo, porém, não assimilou o conceito de reencarnação
de doutrinas preexistentes. Como aconteceu a todos os seus princípios,
os espíritos é que o proclamaram. Entendendo haver lógica
no ensino reencarnacionista dos espíritos reveladores, Kardec,
segundo seu método específico de codificação,
elevou esse ensinamento à condição de princípio
espírita. (Cf. KARDEC, O Livro
dos espíritos. Parte segunda, V – Considerações
sobre a pluralidade das existências. O Evangelho Segundo
o Espiritismo. Introdução, II — Autoridade
da doutrina espírita. Controle universal do ensino dos espíritos.)
A origem das espécies (Charles Darwin,
1859) há de ter sido determinante para que o codificador
do espiritismo desse como verdadeiras certas instruções
que só vieram a constar da segunda e definitiva edição
de O Livro dos Espíritos (1860), as quais explicam
a ontogênese mediante a filogênese. Isto é, o princípio
inteligente da criação, de que é constituído
o próprio espírito humano, elabora-se nos reinos inferiores
da natureza, numa rota evolutiva, sem solução de continuidade,
“desde o átomo primitivo até o arcanjo,
pois ele mesmo [o arcanjo] começou pelo átomo”.
(O Livro dos Espíritos, 540. Tradução
de J. Herculano Pires, LAKE, 55ª ed., 1996. Cf. 607 e 607-a. Colchetes
nossos.)
Vale bem salientarmos isso, porque, uma vez ou outra, ainda há
notícias de certa confusão sobre o princípio das
vidas sucessivas. As doutrinas orientais não possuem, nem poderiam
originalmente possuir, o conceito de evolução. É
assim que, não raro, elas têm da reencarnação
idéias diferentes da que a doutrina dos espíritos proclama
como lei natural. A metempsicose é um exemplo disso, admitindo
a volta da alma humana em corpos animais, vegetais e até minerais...
O espiritismo ensina que o espírito passa a primeira fase do
seu desenvolvimento numa série de existências anteriores
ao período a que chamamos humanidade. (Ibid., 607.) Portanto,
a alma humana foi o princípio inteligente dos seres inferiores
da criação. Em razão disso, afirmam os espíritos
que tudo na natureza se encadeia e tende para a unidade, que nesses
seres inferiores, cuja totalidade estamos longe de conhecer, é
que o princípio inteligente se elabora, se individualiza pouco
a pouco e se ensaia para a vida. Segundo eles, trata-se de um trabalho
preparatório, semelhante ao da germinação. O princípio
inteligente sofre, assim, uma transformação, e se torna
espírito. (Ibid., 607-a.)
[Kardec:] Poderia encarnar
num animal o espírito que animou o corpo de um homem?
[Espíritos:] “Isso seria retrogradar e o espírito
não retrograda. O rio não remonta à sua nascente.”
(Ibid., 612. Colchetes nossos.)
1.2 — Carma
Outra dificuldade quanto às vidas sucessivas está numa
palavra que nunca foi utilizada por Allan Kardec na Codificação
do espiritismo. Trata-se do vocábulo carma — do sânscrito
karman, “ação”. Os pouco
estudiosos costumam empregá-la apenas num mau sentido, num sentido
negativo: uma dívida do passado a ser paga no presente. Mas o
carma pode igualmente ser bom, positivo.
Num ponto de vista mais global, tudo depende do conjunto de nossas ações
pretéritas, do “saldo”, digamos
assim, de bem e de mal que temos em nossa “conta”.
Se tivermos em nosso passado mais méritos que deméritos,
teremos uma “conta” cármica de saldo
azul, positiva; se mais deméritos que méritos, uma “conta”
cármica com saldo vermelho, negativa.
Embora a palavra carma não conste do vocabulário kardeciano,
o espiritismo confirma a verdade essencial por ela expressa: o passado
criou o presente e este gera o futuro.
“Por meio da pluralidade
das existências, o espiritismo ensina que os males e aflições
da vida são muitas vezes expiações do passado,
bem como que sofremos na vida presente as conseqüências
das faltas que cometemos em existência anterior e, assim, até
que tenhamos pago a dívida de nossas imperfeições,
pois que as existências são solidárias umas com
as outras.” (KARDEC, A Gênese,
XV:15.)
Observe-se que o codificador não atribui todas as vicissitudes
do presente a delitos de vidas passadas. Isso se dá muitas vezes.
Quer dizer que nem sempre é assim!
Em espiritismo, a reencarnação é necessária
por ser o meio de evolução do espírito. Ela não
existe para que o espírito sofra, mas a fim de que ele evolua
rumo à perfeição a que fatalmente se destina. Qualquer
masoquismo é patológico e longe está de ser uma
responsabilidade da doutrina espírita.
O fato é que a reencarnação tem um objetivo: a
perfeição espiritual, que não pode ser atingida
sem que o espírito passe por provas e, eventualmente, na proporção
exata dos males praticados, por expiações. Esta é
a lei. Agrade-nos ou não. (Cf. KARDEC,
O livro dos espíritos. Introdução, VI e VII.)
A doutrina é muito precisa em estabelecer
que nem todo sofrimento por que passamos neste mundo resulta de uma
determinada falta no passado. O espírito também busca
“simples provas para concluir a sua depuração
e ativar o seu progresso”, o que levou Kardec a dizer
que “a expiação serve sempre de prova, mas
nem sempre a prova é uma expiação”.
(O Evangelho Segundo o Espiritismo, V:9. O Livro dos Espíritos,
268.)
Portanto, há três
campos a considerar no que respeita a tudo que nos sobrevém nesta
vida: as existências anteriores, a existência atual e os
períodos entre vidas, chamados erraticidade. Nestes últimos,
dependendo da situação em que se encontre, o espírito
é capaz de escolher os gêneros das provas — expiatórias
ou não — que melhor o conduzirão a superar-se, para
avançar na evolução.
(Cf. KARDEC, O Livro dos Espíritos, 871.)
A causa primordial da reencarnação, segundo o espiritismo,
não está nas faltas eventualmente cometidas, mas na necessidade
geral que os espíritos têm de evoluir para a perfeição
a que todos igualmente se destinam. A reencarnação é,
portanto, o meio de eles progredirem, não propriamente de serem
punidos. (Cf. KARDEC, O Livro dos Espíritos,
133. A Gênese, XI:26.)
1.3 — O Retorno
Muitas são as conjecturas acerca da união entre a alma
e o corpo. Quando e como aconteceria essa ligação?
No entender espírita, considerado em sua essência, o espírito
propriamente dito constitui um ser abstrato e, portanto, indefinido.
Por essa razão, não pode ele ter “ação
direta” sobre a matéria. Assim, necessita para
tanto de um intermediário. Tal mediador é o seu envoltório
fluídico, ou perispírito. Segundo Kardec, esse revestimento
é “semimaterial”, porquanto “pertence
à matéria pela sua origem e à espiritualidade pela
sua natureza etérea”. (A
Gênese, XI:17-18.)
O fluido perispirítico, ou seja, a energética do corpo
espiritual, possibilita, assim, a união entre o espírito
e a matéria. Enquanto a alma está ligada ao corpo físico,
o perispírito serve de veículo ao pensamento, transmite
movimento às diversas partes do organismo e, por outro lado,
também faz que tenham repercussão na alma as sensações
que os agentes materiais produzem.
No momento em que o espírito se reencarna, um “laço
fluídico”, “expansão do seu
perispírito”, une-o ao óvulo fecundado.
À medida que o embrião se desenvolve, esse “laço”
se encurta. É assim que, no dizer de Kardec, “o
perispírito, que possui certas propriedades da matéria,
se une, molécula a molécula, ao corpo em formação”.
Desse modo, o espírito, por meio de seu perispírito, liga-se
ao organismo, à semelhança de uma planta enraizando-se
na terra. (Id., ibid.)
1.4 — Nexos Causais
Focalizando dois temas algo palpitantes: vícios e genética,
talvez possamos expor de uma forma mais ilustrada os nexos causais que
impregnam o pensamento reencarnacionista espírita.
1.4.1 — Vícios
O homem, como já vimos, não é apenas um ser biológico
e social, mas fundamentalmente um ser moral e espiritual, um conjunto
de fatores combinados e intimamente relacionados.
Todos os movimentos psíquicos,
ou seja, da alma ou espírito, que é um foco imortal de
inteligência e consciência, ficam dinamicamente “registrados”
no seu perispírito.
Podemos dizer que os vícios, do mesmo jeito
que as paixões, resultam do “excesso de que se
acresceu a vontade” (KARDEC,
O Livro dos Espíritos, 907), ou seja,
que são eles o produto de uma vontade desregrada pela indisciplina,
quer nesta, quer noutras vidas.
A única coisa capaz de comprometer o perispírito é
a vontade mal dirigida, a vontade mobilizada pela alma em desrespeito
às leis morais que regulam a natureza espiritual da vida. Disfunções
no corpo perispirítico são os resultados disso.
Preexistimos, com nosso corpo espiritual, à fecundação
do óvulo. Durante todo o processo embriogenético e a própria
vida extra-uterina, esse nosso corpo perispirítico constrói
o corpo físico em que reencarnamos. Se o perispírito apresenta
anomalias, resultantes de vícios cultivados no passado recente
ou remoto, mais cedo ou mais tarde elas se manifestarão. Trata-se
do princípio psicossomático.
Os vícios, em seus aspectos físicos e morais, são
causa de disfunções do perispírito; constituem
verdadeiros atentados contra a lei de conservação do organismo
terrestre, exposta na Parte terceira de O Livro dos Espíritos,
em seu Capítulo V.
O corpo de carne
é um instrumento de evolução do espírito;
merece, portanto, para o bem do próprio corpo fluídico
que o vivifica, o respeito de uma vida regrada, seja física,
seja moralmente.
Dizemos isso porque os espíritos, somente por desencarnarem,
não se livram dos vícios, das paixões que na Terra
cultivaram. Segundo Léon Denis [1846-1927]: “As
necessidades procedem do corpo e com ele se extinguem. Os desejos e
as paixões são do espírito e o acompanham”.
(No invisível, cap. XIX, p. 258.)
Os desejos e as paixões mais não são do que elaborações
psíquicas construídas a partir da exposição
do espírito às necessidades corporais. As necessidades
são do corpo, com ele terminam. Porém, as elaborações
psíquicas que resultam da exposição do espírito
às necessidades corporais — elaborações que
constituem os desejos, e, num nível deletério, as paixões
— são da alma, permanecem, sobrevivem à morte biológica.
Não devemos, por isso, acrescer de excessos a vontade que mobilizamos
na satisfação de nossas necessidades e desejos. Essa vontade,
porque acrescida de excessos, mobilizada em demasia, transforma-se numa
paixão, escraviza-nos à matéria pelas teias do
vício, e faz-nos, enfim, padecer enfermidades. Estas últimas,
na sabedoria infinita de Deus, provocam um aprendizado que nos reabilitará
— espíritos que somos — perante a harmonia das leis
cósmicas, que funcionam numa sincronia infalível, de absoluta
integração entre o físico e o moral.
“Toda paixão
que aproxima o homem da natureza animal afasta-o da natureza espiritual.
Todo sentimento que eleva o homem acima da natureza animal denota
predominância do espírito sobre a matéria e o
aproxima da perfeição.” (KARDEC,
O Livro dos Espíritos, 908.)
O consumo de drogas, permitidas ou proibidas,
e os hábitos sexuais ou alimentares desregrados podem ser comparados
a golpes de vibrações inferiores da alma sobre o seu próprio
perispírito. Essas vibrações expressam atitudes
mentais enfermiças. Pela mediunidade de Francisco Cândido
Xavier, o espírito André Luiz assegurou que elas criam
bacilos psíquicos, corpúsculos negros semelhantes a larvas,
verdadeiras feras microscópicas, que comprometem os centros da
vitalidade orgânico-espiritual, sendo causa de várias patologias.
(No Mundo Maior, cap. XIV, p. 196. Os Mensageiros,
cap. 40, p. 211. Missionários da Luz, caps. 3 e 4.)
Entretanto, pode-se não cultivar estes vícios sobre os
quais tradicionalmente incide a censura social, ou seja, pode-se não
beber, não fumar, não falar palavrões, etc., e
mesmo assim se ter um perispírito degradado, por exemplo, pela
inveja, pelo ciúme, pela cólera, pelo rancor, pelo sensualismo,
pela gula; enfim, pelos desequilíbrios socialmente invisíveis,
mas vibratoriamente indisfarçáveis.
Toda atitude mental negativa compromete não só o perispírito
que a expressa como os ambientes em que esse corpo espiritual vibra.
Como já vimos, o perispírito está “encaixado”
no corpo material, mas, sendo fluídico (energético), manifesta-se
em volta da carne, donde influencia as ambiências externas. Compreende-se,
desse modo, outro fato relatado pelo espírito André Luiz,
o das aglutinações de matéria mental inferior,
expelida por certa classe de pessoas. Essas aglutinações
flutuam em grupos compactos pelas vias públicas, sendo, por vezes,
atraídas pelos transeuntes em obediência à lei das
afinidades. (Os Mensageiros, cap. 40, pp. 210-11.)
André Luiz conta-nos também um triste caso de obsessão
espiritual gerada pelo alcoolismo. Quatro entidades embrutecidas se
revezavam na absorção das emanações alcoólicas
do aparelho digestivo de uma pessoa completamente embriagada... O quadro
era tão estarrecedor que André Luiz afirma não
saber se estava diante de uma pessoa embriagada ou de uma “taça
viva”, cujo conteúdo era sorvido por “gênios
satânicos”. (No Mundo Maior,
cap. XIV, p. 196.)
O mesmo ocorre, mais ou menos gravemente, no que diz respeito a outros
vícios. Ninguém os cultiva sozinho! Também por
isso disse Jesus: “Vigiai e orai”.
(Mateus 26:41.)
1.4.2 — Genética
Todas as coisas estão interligadas. Nada
é por acaso. Mesmo a constituição genética,
a tão evocada hereditariedade, relaciona-se ao histórico
espiritual de cada um, quer em seus aspectos positivos, quer negativos.
A reencarnação é um
movimento morfogenético. O perispírito constitui fator
decisivo de influência sobre os fenômenos embriológicos
e vitais. Se um espírito, no seu perispírito, traz as
resultantes dessas ou daquelas vicissitudes cultivadas em suas encarnações
pretéritas, pode acontecer que se veja constrangido a manifestá-las
mediante estruturas biológicas comprometidas. Muitas vezes, isso
é necessário para depurar o corpo perispirítico
e tornar mais consciente o ser imortal.
O próprio espírito é quem arregimenta as possibilidades
genéticas oferecidas pelos gametas de seus pais, possibilidades
que, evidentemente, estão relacionadas à sua condição
perispirítica, na qual figuram dinamicamente “inscritos”
os seus “registros” causais.
O espírito recebe dos pais terrenos o material genético;
porém, ele é quem discrimina, combina e influencia a estrutura
íntima desse material. A reencarnação obedece,
portanto, a princípios de compatibilidade, de afinidade.
Sob eventual influência de espíritos-guias, o reencarnante,
por meio do perispírito, exerce uma espécie de ação
discriminatória dos genes paternos e maternos, para que sejam
estes, conforme seus imperativos cármicos, os adequados instrumentos
de sua manifestação corpórea na Terra.
O fato é que nós, espíritos, interagindo com o
meio ambiente, também concorremos para as mutações
genéticas que ocasionam a evolução biológica.
O acaso não existe! Isto se dá pelas múltiplas
reencarnações, nas particularidades da interatividade
entre a energia (perispírito) e a matéria (corpo físico).
Assim, construímos as estruturas cromossômicas mediante
as quais nos temos manifestado, sempre recebendo da vida exatamente
o que a ela demos.
O passado espiritual determina, portanto, a parte da obra multimilenar
da evolução biológica que cabe a cada ser humano
reencarnante na Terra. Se lhe é outorgada a saúde ou a
doença, a capacidade ou a incapacidade, vale uma vez mais o princípio
cristão que estabelece: “A cada um, segundo suas
obras”.
Em espiritismo, a hereditariedade está, como se vê, no
campo dos efeitos e não no das causas. O perispírito é
o modelo da organização biológica; a fôrma,
por assim dizer, das formas corpóreas; um fator decisivo para
a futura vitalidade física do reencarnante.
Podemos dizer sem medo que, do ponto de vista genético, o perispírito
estabelece afinidade com os tipos de cromossomos e genes que a maneira
de viver do espírito construiu e constrói no processo
da sua contínua evolução, sempre em dois mundos:
físico e extrafísico.
“(...) em virtude de
cada espírito representar um universo por si, cada um de nós
é responsável pela emissão das forças
que lançamos em circulação nas correntes da vida.
A cólera, o desespero, o ódio e o vício oferecem
campo a perigosos germens psíquicos na esfera da alma. (...)
Cumpre reconhecer que nós mesmos, em todo o curso das experiências
terrestres, na maioria das ocasiões, fomos campeões
do endurecimento e da perversidade contra as nossas próprias
forças vitais. Entre abusos do sexo e da alimentação,
desde os anos mais tenros, nada mais fazíamos que desenvolver
as tendências inferiores, cristalizando hábitos malignos.
Seria, pois, de admirar tantas moléstias do corpo e degenerescências
psíquicas?” (ANDRÉ
LUIZ (espírito). Missionários da Luz, cap. 4, pp. 38-39.
Psicografia de Francisco Cândido Xavier.)
Vemos assim que as doenças, sobretudo em seus aspectos expiatórios,
têm por causas primeiras a cólera, o desespero, o ódio
e o vício. O espiritismo, então, como nenhuma outra doutrina,
demonstra que correlatas às leis físicas existem leis
morais, um perfeito intercâmbio entre o conhecimento exato e a
ação justa; a ciência e a consciência; a razão
e a fé.
Sergio F. Aleixo
ADE-RJ
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