Há 152 anos a Doutrina
Espírita vem consolidando a sua credibilidade no mundo, sobretudo,
porque as descobertas científicas têm caminhado, passo
a passo, com muitas das verdades já há tanto propagadas
por Kardec. Avançamos. Se ontem as pessoas corriam dos espíritas,
hoje correm para nós, atrás de respostas que só
“O Consolador” pode dar.
Mais que nunca é preciso divulgar o Espiritismo. Mas divulgar
não é empurrar material doutrinário goela abaixo.
É antes de tudo comunicar-se, estabelecer empatia imediata
com o receptor, despertar interesse inicial, contínuo e gradativo
pelo material apresentado, é fazer-se entender e sentir. Assim,
há que se ter uma abordagem minimamente adequada, para que
se consiga tocar a alma e chegar à razão.
Neste ponto, faz-se urgente uma reflexão. Conseguiremos nós,
espíritas, alcançar corações e mentes,
em pleno século XXI, sem atualizar nossas formas de comunicação?
A pretexto de fidelidade doutrinária, campeia entre nós
um linguajar monótono e obsoleto. Incrivelmente, ainda há
quem acredite que ser fiel à codificação se resume
à manutenção da linguagem utilizada pelo codificador
no século retrasado ou à continuidade das mesmas formas
de expressão utilizadas nas décadas de 40 a 60 - apogeu
da produção mediúnica de Chico Xavier –
causando à incômoda impressão de que estamos parados
no tempo.
Outro dia, lendo o editorial de um periódico federativo, dei
de cara com a palavra “efemérides” - entre outras
expressões arcaicas que recheavam o texto - e fiquei a pensar
que se a mim, que já passei dos cinqüenta, soa estranho,
que dirá ao pessoal da nova geração, o qual certamente
teria que dar tratos à bola para decifrar o que significa tal
“palavrão”, já praticamente extinto nos
dias de hoje.
Essas situações comprometem de pronto a continuidade
da leitura, pois a chamada leva a pressupor – e com razão
– um texto maçante. Quem vai se interessar por matérias
cujos termos remetem ao tempo dos nossos bisavós, o que - com
todo o respeito que devemos aos nossos ascendentes - nada tem a ver
com os anseios do momento presente?
Como podemos querer o aval da comunidade científico-tecnológica,
se em plena era virtual ainda insistimos em chamar planeta de “orbe”,
só porque Emmanuel, na década de 50 – quando esse
termo ainda estava em uso - assim o fez? Se, rebuscadamente, nos referimos
à sociedade “hodierna”- citada por Joanna de Ângellis
- quando poderíamos simplesmente utilizar o termo “moderna”,
de muito mais fácil compreensão? Passa da hora de aposentarmos
os ósculos, amplexos, destras e outras expressões “jurássicas”.
Ou a gente acompanha os novos tempos ou vai ficando para trás,
sob a pecha da alienação.
Não pretendemos aqui fazer a apologia das gírias, do
modernismo inconseqüente. Mesmo porque a palavra escrita ou falada
na norma culta, dentro de uma relativa formalidade, é passaporte
certo para a credibilidade. Mas precisamos repensar o nosso linguajar
enquanto palestrantes e redatores espíritas, para que não
nos escondamos numa espécie de dialeto esquisito que só
leva à estagnação e ao isolamento. Se não
devemos vulgarizar a palavra a pretexto de atingir a massa, tampouco
devemos permanecer como se o tempo não tivesse passado para
nós.
Se tudo o que mais almejamos é universalizar o conhecimento
espírita, por que não utilizar uma linguagem mais coloquial
e interessante? Desde que se tenha o zelo necessário para que
não haja distorções no conteúdo doutrinário,
por que não adaptar textos antigos para uma linguagem moderna,
facilitando assim o seu entendimento às novas gerações
e àqueles que têm maior limitação intelectual?
Alguns companheiros são resistentes às adaptações,
por entender que a manutenção de termos difíceis
provoca um enriquecimento da linguagem. Mas, imaginemos alguém
- ainda engatinhando no conhecimento espírita - que buscando
consolo num momento de dor, se depara com uma linda e consoladora
mensagem, porém, cheia de termos rebuscados, que exijam o uso
do dicionário. A necessidade de parar tantas vezes para buscar
o significado das palavras, certamente esvaziará o impacto
emocional do conteúdo, esfriando o coração do
leitor. Emoção cortada, alma frustrada, objetivo perdido.
O nosso compromisso é com a formação espiritual
e não acadêmica. Embora tenhamos o dever de nos expressar
elegantemente e estimular doutrinariamente o aprimoramento do saber,
contribuindo assim - e muito – também para a intelectualização
do ser, o que precisamos entender é que, definitivamente, trabalhar
aquisição de vocabulário e erudição
não é a nossa prioridade. Nossa prioridade é
esclarecer e consolar, com vistas ao progresso moral dos seres, e
ninguém esclarece ou consola sem usar de clareza e simplicidade.
Portanto, didaticamente, simplifiquemos a nossa fala, a nossa escrita,
façamos o nosso papel de facilitadores das verdades espirituais
e deixemos às escolas do mundo o papel que lhes cabe.
Sob pena de perdermos o trem da história, há uma contradição
que precisa ser vencida pelo movimento espírita. Uma doutrina
evolucionista por princípio, não pode e não deve
ficar parada no tempo. Termos novos são criados a todo o momento
para coisas novas. Termos antigos são substituídos a
todo instante por outras nomenclaturas. Caminhamos, hoje, para uma
democratização do conhecimento. O que antes era privilégio
de uma casta intelectual, agora é direito de todos. Isto significa
distribuição mais justa da informação
e oportunidades igualitárias, correspondendo aos ideais de
justiça e igualdade defendidos pelo Espiritismo. Então,
não faz sentido uma elitização que só
retarda a colheita dos frutos semeados.
O mundo gira, o progresso está aí,
e a lei é de evolução em todos os sentidos. Descomplicar
é a palavra de ordem para quem quer “colocar a candeia
sobre o alqueire.” Não há mais espaço
para termos antiquados, que soam até mesmo de forma ridícula
a quem os lê. É inadiável escolher. Ou continuamos
a bater na tecla de uma erudição exibicionista a fim
de, aqui mesmo, receber o galardão ou optamos pela pedagogia
simples de Jesus, cujas parábolas demonstram estratégia
impar para alcançar o interesse e o entendimento popular quanto
às verdades espirituais que veio trazer.
Nesse momento difícil de transição,
em que milhares de irmãos nossos precisam, desesperadamente,
estabelecer um link emocional e cognitivo imediato com as verdades
consoladoras do Espiritismo, não há mais lugar para
comportamentos arraigados a tradições pueris.
Deixemos fluir a simplicidade culta que nos fará fiéis
articuladores da verdadeira divulgação, aquela que de
fato acontece, que dá resultados palpáveis, pois fala
simultaneamente ao cérebro e à sensibilidade. Só
assim estaremos cumprindo efetivamente o papel de colaboradores do
mundo invisível, junto ao aprimoramento moral contínuo
da sociedade na qual estamos inseridos, aqui e agora.
Coloquemos em prática, na íntegra, as recomendações
contidas no cap. XII, item 10 do Evangelho Segundo o Espiritismo,
à página “O Homem no Mundo”, que nos chama
à realidade temporal em que vivemos na Terra, ao conclamar:
“Vivei com os homens do vosso tempo, como devem
viver os homens.”
E - há que se admitir - numa vida de inter-relação,
respeito e comunicação fazem toda a diferença.