Tok Thompson
The Conversation

No festival dos fantasmas, em Taiwan, reza
a lenda que os portões do submundo se abrem para que os mortos
possam retornar à terra dos vivos
Em diversos países, o Halloween (ou Dia das
Bruxas) é uma época em que histórias de terror
e decorações assustadoras estão por toda a
parte, evocando o reino dos mortos. E mais do que isso: ensinando
importantes lições sobre como levar uma vida baseada
em princípios morais e éticos.
As origens do Halloween moderno remontam ao festival
de Samhain ("fim do verão"), celebração
pagã celta que marca o início da metade escura do
ano em que, reza a lenda, o reino dos vivos e o dos mortos se sobrepõem
- e os fantasmas podem ser encontrados com frequência.
Em 601 d.C., o Papa Gregório 1° orientou
os missionários a não acabar com as celebrações
pagãs, mas a torná-las cristãs, como parte
de sua estratégia de converter o norte da Europa ao cristianismo.
Assim, ao longo do tempo, as celebrações
do Samhain se transformaram no Dia de Finados e no Dia
de Todos os Santos, quando falar com os mortos era considerado religiosamente
apropriado.
O Dia de Todos os Santos também era conhecido como All
Hallows' Day e a noite anterior como All Hallows' Evening
ou Hallowe'en.
Não só as crenças pagãs em torno dos
espíritos dos mortos continuaram, como também se tornaram
parte de muitos rituais da igreja católica.
Crença lucrativa
O próprio Papa Gregório 1°
sugeriu que as pessoas que vissem espíritos deveriam encomendar
uma missa para eles. Os mortos, sob esse ponto de vista, precisariam
da ajuda dos vivos para fazer sua jornada em direção
ao céu.
Durante a Idade Média, as crenças
em almas presas no purgatório levaram a igreja a vender cada
vez mais indulgências - documentos que concediam o perdão
divino ou reduziam as penitências a quem pagasse. Ou seja,
acreditar em fantasmas fez da venda de indulgências uma prática
lucrativa para a igreja.
Foram essas crenças que contribuíram
para a Reforma, movimento liderado pelo alemão Martinho Lutero
que levou à divisão do mundo cristão ocidental
entre católicos e protestantes.
De fato, as 95 teses de Lutero, pregadas na porta
da Igreja de Todos os Santos de Wittenberg, em 31 de outubro de
1517, foram em grande parte um protesto contra a venda de indulgências.
Posteriormente, os espíritos foram apontados
com "superstições católicas" nos
países protestantes.

As histórias de fantasmas são
comuns em países como o Japão
e muitas vezes têm uma forte mensagem de cunho ético
Mas os debates sobre a existência de fantasmas
continuaram - e as pessoas se voltaram cada vez mais para a ciência
a fim de lidar com a questão.
No século 19, o Espiritismo, movimento que
afirmava que os mortos podiam conversar com os vivos, se tornou
rapidamente popular, assim como suas abordagens: sessões
espíritas, tábua de ouija (espécie de brincadeira
do copo), fotografia de espíritos e afins.
Embora a importância cultural do Espiritismo
tenha sido ofuscada após a Primeira Guerra Mundial, suas
técnicas podem ser observadas hoje nos "caça-fantasmas",
que tentam provar a existência de espíritos usando
métodos científicos.
Essas crenças não fazem parte apenas
do mundo cristão. A maioria das sociedades tem um conceito
para "fantasma". Em Taiwan, por exemplo, cerca de 90%
das pessoas relatam ter visto espíritos.
Assim como outros países asiáticos,
como Japão, Coreia, China e Vietnã, Taiwan celebra
o Mês dos Fantasmas, que inclui o Dia dos Fantasmas, quando
se acredita que os espíritos vagam livremente pelo mundo
dos vivos.
Esses festivais e crenças são frequentemente
associados à sutra (escritura sagrada) budista de Urabon,
em que Buda ensina a um jovem sacerdote como ajudar sua mãe,
a quem ele vê sofrendo como um "fantasma faminto".
Como em outras culturas, os espíritos taiwaneses
são vistos como "amigáveis" ou "hostis".
Os amistosos costumam ser ancestrais ou familiares e são
bem-vindos nas casas durante o festival. Já os hostis são
aqueles que estão com raiva ou "fome" e assombram
os vivos.
Lembrete moral
Como professor de mitologia na Universidade do Sul da Califórnia,
nos Estados Unidos, que há anos estuda e ensina histórias
de fantasmas, descobri que eles geralmente "assombram"
por uma boa razão. De assassinatos não resolvidos
à falta de funerais adequados, passando por suicídios
forçados, tragédias que poderiam ser evitadas e outras
questões éticas.
Os espíritos, sob essa perspectiva, estão
frequentemente buscando justiça depois de mortos. Eles podem
cobrar isso de indivíduos, ou da sociedade como um todo.
Por exemplo, nos Estados Unidos, foram reportadas aparições
de escravos afro-americanos e nativos assassinados.
A pesquisadora Elizabeth Tucker, da Universidade
Estadual de Binghamton, em Nova York, descreve diversos relatos
de aparições em campi universitários, muitas
vezes ligados a aspectos sórdidos do passado da instituição
de ensino.
Desta forma, os fantasmas revelam o lado sombrio
da ética. Suas aparições são muitas
vezes um lembrete de que a ética e a moral transcendem nossas
vidas e que deslizes podem resultar em um pesado fardo espiritual.
No entanto, as histórias de fantasmas também
trazem esperança. Ao sugerir a existência de uma vida
após a morte, elas oferecem uma chance de estar em contato
com aqueles que já morreram e, portanto, uma oportunidade
de redenção - uma forma de reparar erros do passado.
No próximo Halloween, em meio aos doces e
travessuras, você pode querer dedicar alguns minutos para
refletir sobre o papel dos fantasmas em nosso passado mal-assombrado
e em como eles nos conduzem a uma vida baseada na moral e na ética.
* Este artigo, escrito pelo professor Tok Thompson,
foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas
The Conversation
Leiam
a versão original desta reportagem (em inglês) no site
BBC Future.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-46515221?ocid=socialflow_facebook