Pesquisadores espíritas se reúnem
em Belo Horizonte - Correio Fraterno entrevistou o pesquisador
Jáder dos Reis Sampaio, coordenador-geral
do ENLIHPE 2018
Realizado em 25 e 26 de agosto, em Belo Horizonte,
na sede federativa da União Espírita Mineira, o
14º Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo
(2018) reuniu participantes de várias regiões do
País, que apresentaram trabalhos de pesquisa com relação
ao tema "Sobrevivência da alma em foco".
Para um balanço-geral do evento, o Correio Fraterno, um
dos apoiadores, entrevistou o pesquisador Jáder
dos Reis Sampaio, coordenador-geral do encontro, que
também lançou seu novo livro Conversando
com os espíritos, um toque de humanismo (Ed.
Lachâtre)

Jáder dos Reis Sampaio
Qual a importância desses encontros?
Os encontros "materializam" a LIHPE – Liga de
Pesquisadores do Espiritismo. Criada por Eduardo Carvalho Monteiro
(1950-2005) no final da década de 1980 como um canal virtual
para troca de informações, a Liga não possui
diretoria, estatutos, sede, quadro de sócios e nem recolhe
contribuições, possuindo apenas um cadastro de espíritas
dedicados à historiografia e pesquisas em diversas áreas,
e que se relacionam entre si, trocam conhecimentos, fazem parcerias
e se ajudam no desenvolvimento de trabalhos. Uma coisa é
conversar via internet, outra são esses encontros anuais
presenciais que possibilitam mobilizar pesquisadores para trabalhar
concretamente por um objetivo comum.
O que você destacaria no evento deste ano?
Conhecer a revisão já feita e as propostas de trabalho
do Núcleo de Pesquisas em Saúde e Espiritualidade,
uma instituição acadêmica da Universidade
Federal de Juiz de Fora, congregando professores-pesquisadores
de diversas áreas, em torno do tema da sobrevivência
da alma foi um bom momento. Foi também de grande satisfação
conhecer pessoalmente o Prof. Humberto Schubert Coelho, também
da UFJF, que atendeu ao nosso convite e veio falar da fundamentação
metafísica das pesquisas e autografar seus livros Genealogia
do espírito e A filosofia perene. Outro ponto
importante foi a publicação do livro A sobrevivência
da alma em foco, com os trabalhos sobre o tema central do
evento, simultaneamente ao encontro. Foram muitos encontros e
conversas com pesquisadores de diversos estados brasileiros num
clima fraterno e de muita alegria; momentos de descontração
e interação, com lanches com muito pão de
queijo e "romeu e julieta" (queijo com goiabada). Muito
agradável também foi estar entre amigos na visita
que realizamos a Pedro Leopoldo, com o objetivo de ver de perto
alguns lugares em que Chico Xavier viveu e trabalhou. Particularmente,
fiquei muito emocionado com a homenagem a Alfred Russel Wallace,
tão esquecido pelos espíritas. Conhecer detalhes
de sua vida privada e ver cenas da época e lugares em que
viveu, valorizam muito a contribuição que ele deu
em vida ao pensamento e ao movimento espiritualista inglês
e norte-americano.
O tema de 2018 foi "Sobrevivência da alma". Acredita
que esse assunto ainda requer muitas pesquisas?
Qualquer tema científico, não interessa a área,
é sempre revisitado. Os temas de base sólida, não
sofrem grandes transformações, mas às vezes
se encontra o que alguns autores da filosofia denominam "rupturas
epistemológicas", ou seja, o surgimento de conhecimentos
novos e bem fundamentados em um campo já estabelecido.
No caso da "sobrevivência da alma", o tema é
visto pela maioria das pessoas como pertencendo ao domínio
das religiões e teologias. Muita gente desconhece, e muitos
acham impossível, o estudo empírico de um objeto
que é considerado sobrenatural.
Então, há muito ainda que se pesquisar, publicar
e transformar em domínio público nesse tema, se
queremos que as pessoas percebam que não se trata de crenças
de grupos sociais, mas de uma teoria explicativa para um conjunto
de fenômenos.
Com relação ao meio espírita, o tema é
ainda mais relevante, porque se uma pessoa se diz espírita,
e acredita nos espíritos apenas por uma fé que Kardec
chamava de cega (sem o uso da razão) e desconhece as evidências
que a fundamentam, desenvolve-se uma mentalidade mística,
e se transformam convicções bem fundamentadas em
grupos de apoio a crenças difundidas individualmente por
médiuns, sem critério do que é realmente
o mundo dos espíritos e o que é fruto de fantasias
individuais.
O
que se apresentou de novo sobre o tema pelos pesquisadores neste
Enlihpe?
Uma boa comunicação feita no evento, que entrelaça
recuperação da memória com a comunicação
do que se está pesquisando hoje, foi a apresentação
do trabalho do Grupo de Pesquisa Lampejo, de Vitória, ES.
Nesse trabalho eles se dispuseram a verificar se informações
obtidas por médiuns em reuniões mediúnicas
seriam confirmadas ou não por pessoas que conhecessem os
espíritos em questão. E obtiveram resultados muito
interessantes, com médiuns sem nenhuma faculdade extraordinária.
Apesar do pequeno número de casos descritos (13), vê-se
o início de uma pesquisa experimental conduzida com crítica
e disposição, realizado no meio espírita
com pesquisadores que tiveram formação em universidades.
Outro trabalho de pesquisa, novo, mas não inédito,
foi o apresentado pelo Dr. Alexandre Caroli Rocha. Ele e outros
pesquisadores do NUPES-UFJF fizeram uma análise de conteúdo
quali-quantitativa de cartas psicografadas por um mesmo espírito,
através do médium Francisco Cândido Xavier.
Novamente, conseguiram um "alto nível de exatidão
e concordância". Esse trabalho foi aceito e publicado
em inglês em periódico revisto por pares, ou seja,
revista científica.
Um trabalho publicado, mas não apresentado, que não
deixa de ter sido divulgado pelo 14º Enlihpe, foi a comparação
das narrativas de Os miseráveis com a de Párias
em redenção, ambas por Victor Hugo, sendo a
segunda psicografada por Divaldo Pereira Franco. O texto foi escrito
por J. Mário N. Sáenz, bacharel em literatura e
linguística pela Universidade de Cartagena, na Colômbia.
Ele usou um instrumento teórico novo, a análise
sociocrítica, e comparou os romances nas dimensões
literária, semiótica e social. O trabalho de Mário
Sáenz nos faz recordar outro mais substancial, O avesso
de um Balzac contemporâneo, escrito por Osmar Ramos
Filhos, desencarnado recentemente, mas pouco lido e comentado
pelos espíritas no Brasil, talvez por sua densidade.
Além do novo, o Enlihpe se preocupa em resgatar o "esquecido",
como foi o excelente trabalho do médico Leandro Franco
sobre a pesquisa de Alan Gauld nos arquivos da Society for Psychical
Research acerca da mediunidade. Fiquei sabendo que o livro traduzido
para o português se encontra esgotado, então não
conseguimos obtê-lo para disponibilizar para o público.
Houve algum trabalho sobre o que não comprova a
existência da alma?
Sim. O Dr. Alexandre Fonseca apresentou um argumento de que a
auto-organização dos seres vivos não necessariamente
precisa da hipótese espiritual para ser explicada, apresentando
o trabalho de Ilya Prigogine que concebe os seres como sistemas
abertos, advindos a partir de energia, matéria e organização
do meio ambiente. Ele também tratou do misticismo quântico,
a tentativa de associação entre a consciência
humana (ou a espiritualidade) e os fenômenos quânticos.
Após muitas citações de autores, fundamentando
seus argumentos e informes, mostrou que "esse caminho, além
de tortuoso, pode resultar exatamente no contrário: o de
materializar o conceito de alma."
Fonseca retoma um tema que tem desenvolvido nos Enlihpes: o emprego
de um discurso aparentemente científico, sem o domínio
dos conceitos, que dão uma aparência científica
para um discurso equivocado. É uma espécie de impostura
intelectual que tem influenciado o meio espírita.
A estrutura do Enlihpe tem arregimentado muitos jovens
pesquisadores sobre o espiritismo. É essa a principal proposta
desses encontros?
Os encontros e a LIHPE em si visam aproximar pesquisadores e
estudiosos interessados na temática espírita, jovens
ou não. Há muitas pessoas com bom conhecimento espírita
e formação acadêmica fazendo trabalhos voluntariamente
e de forma isolada. Há pesquisadores nas universidades
trabalhando com temática espírita com espaço
limitado para divulgação e publicação,
sem linha de pesquisa estabelecida e sem diálogo com pares,
por não os conhecer. Desde que os interesses não
sejam muito especializados, queremos aproximar essas pessoas entre
si.
Qual a importância do reconhecimento de pesquisas
acadêmicas sobre a temática espírita?
Para o espírita, a importância da pesquisa é
a transcendência da fé. Com o conhecimento das pesquisas,
o espírita não apenas acredita em ideias como reencarnação,
mediunidade e sobrevivência da alma, ele sabe de evidências
que sustentam aquilo em que ele acredita. Ele também vai
ter acesso ao contraditório, que possibilita um amadurecimento
de suas ideias à luz da crítica. Esta é uma
atitude que Allan Kardec utilizava em seus estudos. Isso se pode
constatar no livro Catálogo racional das obras para se
fundar uma biblioteca espírita, escrito pelo fundador do
espiritismo pouco antes de sua desencarnação. Pessoalmente,
não sei como alguém pode falar em fé raciocinada
sem acesso ao contraditório.
Para as pessoas da comunidade científica que não
conhecem o espiritismo, as pesquisas bem desenhadas, realizadas
com conhecimento técnico e metodológico, são
uma contribuição para a modificação
de um "materialismo a priori" que encontramos em muitas
faculdades e centros de pesquisa.
Quando se fala em ciência, não se fala apenas em
método, mas também em comunidade científica.
E não há como discutir e aprofundar os temas considerados
metafísicos no ambiente científico se não
houver contribuição sistemática de pesquisadores
mostrando que tal empreitada é possível e dá
frutos. Hoje já se começa a perceber que ciência
é distinta de materialismo, e recentemente se publicou
um manifesto em defesa de uma "ciência pós-materialista",
ou seja, que considera hipóteses explicativas e analisa
fenômenos que sugerem que o ser humano é algo além
de um corpo físico.
A programação do evento reservou também
um espaço para a análise das alterações
no livro A gênese (Allan Kardec), pesquisadas recentemente
pela diplomata brasileira Simoni Privato. Chegou-se a alguma conclusão?
Preferimos apresentar um diálogo entre os pesquisadores
Samuel Magalhães e Marco Milani para se discutir sobre
qual edição francesa do livro A gênese,
de Kardec, deve ser utilizada.
Samuel entende que não houve modificações
significativas no texto do livro da codificação
e que estas podem ter sido realizadas por Kardec. Marco apresentou
as teses de Simoni Privato, expostas no livro O legado de
Allan Kardec, que mostram evidências e razões
para se crer que Allan Kardec pode não ter sido o autor
dessas mudanças. Simoni fez uma extensa pesquisa na Europa,
especialmente na Biblioteca Nacional da França. Como as
quatro primeiras edições seriam, na verdade, reimpressões
(não houve mudança alguma no texto), Simoni conclui
que se deveria estudar o texto sem as mudanças da quinta
edição, seguramente escrito por Kardec.
A mesa foi amistosa, e ambos debatedores concordam que são
necessários estudos comparativos entre os textos das duas
edições.
Seguiu-se um rico diálogo entre a mesa e os participantes
do encontro. Uma enquete informal no local do evento, quando a
maioria dos participantes afirmou já ter lido todo o texto
de A gênese.
Por favor, suas considerações finais
Gostaria de recomendar ao público interessado a leitura
dos trabalhos dos Encontros Nacionais, que foram publicados na
Série Pesquisas Brasileiras sobre o Espiritismo, e fazer
um convite para participar do 15º Encontro Nacional da Liga
de Pesquisadores do Espiritismo – Enlihpe, que acontecerá
nos dias 24 e 25 de agosto de 2019 em Fortaleza, CE, sob os cuidados
de Samuel Magalhães.

Jáder autogrando no ENLIHPE 2018