Administrador de empresas, Alexandre
Caldini (foto acima) foi
presidente do Grupo Abril e do jornal Valor Econômico.
Espírita há 30 anos, tem se destacado no meio
espírita por sua expressão simples ao falar sobre
aspectos do cotidiano, contextualizados à luz do espiritismo.
Fiel às obras de Allan Kardec, Caldini tem demonstrado
através do sucesso alcançado pelos seus mais recentes
livros A morte na visão do espiritismo e A
vida na visão do espiritismo (Sextante) que a naturalidade
é o seu maior segredo na divulgação das
ideias espíritas.
Você sempre atuou como executivo.
Como surgiu a ideia de falar sobre o espiritismo?
Sempre tentei manter a vida espírita em harmonia com
a vida empresarial, porque não são coisas antagônicas.
Dá para pautar a vida pelo lado moral também no
campo empresarial. Um dia me chamaram na Abril para fazer uma
palestra no programa Professor por um dia, onde você falava
sobre algo que conhecia. Falei sobre espiritismo e lotou. Mais
tarde adaptei essa fala para a espiritualização
do ambiente de trabalho. E desde então tenho falado nas
empresas sobre o tema. Em essência a fala mostra que as
melhores e mais rentáveis empresas já atuam prezando
valores espirituais como o respeito, a honestidade, a ética,
a fraternidade, a confiança e a busca do bem. Ser bom,
inclusive no trabalho, veja só...dá mais lucro!
Isso é falar de espiritismo de uma forma indireta,
com outra linguagem?
No meu caso não existe uma fala espírita e outra
não espírita. Os valores espíritas, por
serem universais, estarão ali sempre embutidos. Para
falar de ética, por exemplo, estarão ali todos
os valores da ética espírita. Quando estou falando
com empresas, não falo em Kardec, codificação,
reforma íntima ou reencarnação, mas a base
é exatamente igual e a conversa rola muito bem.
Foi assim também com os livros?
Sim. Certa vez, quando morreu a ex-esposa de um amigo, tentei
explicar à jovem Maria, sua filha, o que havia ocorrido
com sua mãe. Essa conversa virou o livro A morte
na visão do espiritismo. Antes, escrevi outro para
a Superinteressante intitulado Espiritismo, que logo
esgotou e foi relançado pela editora Belaletra. E agora,
no final de 2017, lancei o A vida na visão do espiritismo
pela Editora Sextante, que aborda os temas de nosso dia a dia,
mas na visão espírita. Tudo fácil de entender.
Nada da linguagem enfadonha, igrejeira e rebuscada que por vezes
vemos em alguns livros espíritas.
Você acredita que a bola da vez no mercado editorial
seja a autoajuda? Há uma busca maior pela felicidade?
O que todos sempre buscamos é ser feliz. O problema é
que buscamos a felicidade em qualquer lugar e a qualquer custo.
A lógica espírita de ser feliz é diferente.
Ela passa pelo autoaprimoramento, uma transformação
fascinante, ainda que um pouco trabalhosa. A chamada reforma
íntima do espiritismo abraça temas diversos do
cotidiano. O livro A vida na visão do espiritismo surgiu
justamente como tentativa de nos ajudar em nosso caminhar enquanto
estamos por aqui, encarnados.
Você doou os direitos de seus livros, não?
Sim. Por contrato, 100% dos direitos autorais, tanto do A
morte como do A vida são depositados diretamente
na conta das Casas André Luiz. Já no livro Espiritismo
os direitos foram doados para o centro espírita que frequento
em São Paulo.
Você vê o espiritismo dessa forma tão
simples como escreve?
Sim, ele é mesmo muito simples, uma filosofia do bem
viver. É, em essência, o que pregaram todos os
grandes filósofos da humanidade, por isso cito-os em
minhas obras. É curioso notar que algumas pessoas se
incomodam com isso. Pedem que eu cite mais Kardec. Eu me acho
'megaKardec'. Para todos os que me seguem nas redes sociais
ou me pedem alguma orientação, recomendo sempre
a leitura dos livros de Kardec, principalmente O livro dos
espíritos e O evangelho segundo o espiritismo.
Estudo essas obras há 30 anos e é algo que nunca
se esgota. Agora, quando se chega ao espiritismo, seja pela
porta de um centro ou pela página de um livro, não
estamos atrás de Kardec, mas sim de um encaminhamento
para nossas dores. Espera-se acolhimento. Queremos saber por
que nosso filho se suicidou, por que entrou na droga, por que
nosso casamento não deu certo, ou por que estamos infelizes.
São questões muito concretas, atuais, que angustiam
a todos nós. E o que vejo de mais bonito no espiritismo
é que ele nos ajuda a pensar melhor esses belos temas,
ensinando-nos como lidar melhor com nossas dificuldades. Por
isso também acho que ele não é para todo
mundo, pois não resolve os problemas como que por milagre.
Não adianta dar uma grana, pagar um dízimo ou
recitar oração. O espiritismo não alivia
nossa responsabilidade inalienável, que é a de
resolver nossas próprias questões. O que faz é
nos esclarecer, mostra caminhos e nos fortalece para resolvermos
por nós mesmos os nossos desafios.
É assim que o espiritismo pode ser considerado
autoajuda?
Sim. E não acho que a palavra autoajuda seja depreciativa,
se compreendermos sua essência, que significa um socorro
intransferível. É você se descobrindo e
se ajudando para sair de uma situação difícil.
Isso é espiritismo: crescer intelectual e moralmente.
O que há de diferente na autoajuda de massa e na autoajuda
espírita é que a espírita deixa bem claro
que não há solução mágica.
O espiritismo esclarece que o problema é nosso e que
a solução não está fora de nós.
Não há milagres. Ser feliz dá um pouco
de trabalho e requer esforço.
Como expert em comunicação, como vê
a divulgação dos postulados espíritas?
Essa pergunta é interessantíssima. Penso que devemos
falar no espiritismo como falamos em casa, no trabalho e nas
ruas. O que importa na comunicação, seja ela espírita
ou não, é que a mensagem seja compreendida. Penso
que, por vezes, no espiritismo, nossa mensagem ainda é
muito rebuscada, hermética e distante do que o frequentador
busca. O mais importante é o acolhimento ao necessitado,
em suas dores morais. Devemos sair do automatismo, formal, insípido
e ineficiente, para oferecer o calor da solidariedade e do amor.
Outro problema que vejo é essa estória de adorarmos
algumas figuras do espiritismo. Isso não é espiritismo.
Sabe, me arrependo de não ter visitado o Chico Xavier,
a quem muito admiro por sua postura, enquanto estava por aqui,
encarnado. Não fui justamente porque implicava com essa
coisa de caravanas irem visitar o Chico. Ele também não
gostava dessa idolatria. Já hoje vejo alguns médiuns
que me parecem apreciar a reverência a si. Isso é
muito sério.
Sim, mas como superar esse estágio,
livrar-se de tantos apegos?
Acho que estamos caminhando para isso. Uma pesquisa nos Estados
Unidos mostra que 70% da população são
religious with no religion, que é o sujeito
que é religioso, mas não tem religião.
Está em busca de alguma coisa, vendo o que lhe serve.
É aquela pessoa que diz, 'Eu tenho minha própria
religião'. Isso me chama atenção. Penso
que o espiritismo se encaixa bem para muitos deles, que buscam
algo mais contemporâneo, menos maternal e controlador,
menos maniqueísta e igrejeiro. Isso é justamente
o espiritismo original, puro, o de Kardec, não dogmático
e não personalista. O espiritismo entrou no Brasil com
um aspecto religioso bem evidente. Isso se justificava no início
do século 20, quando ele ainda engatinhava por aqui.
Mas, talvez, tenha também atrapalhado um pouco a visão
mais ampla da filosofia espirita. A minha linguagem não
é religiosa. Meu endereçamento é radicalmente
Kardec, no sentido de raiz mesmo, de uma forma atual para os
problemas atuais.
O que a casa espírita poderia fazer para ampliar
essa visão?
Ela já faz, divulgando o espiritismo, explicando o que
ele é. Se você estiver angustiado, passando por
alguma dificuldade, ali você vai encontrar alento, não
por milagre ou qualquer coisa mística, sobrenatural,
mas pelo estudo e pela compreensão. Espiritismo é
só isso. É tudo isso. Fazendo palestras em diversos
estados e mesmo fora do país, vejo que há diferentes
filiações, cada casa é uma casa, tem seu
perfil, mas a beleza é que vão adiante sozinhas,
porque dirigem a si mesmas. Me encanta essa autonomia. Conseguem
caminhar e cuidar de si.
Muitos acreditam que essa autonomia pode fazer com que o espiritismo
perca a unidade, prejudicando-se sua correta propagação.
Só há um espiritismo: Kardec. Devemos nos pautar
pela união e não pela cisão. Somos todos,
espíritas ou não, cristãos ou não,
a humanidade. Gosto do espiritismo e me alegra estar envolvido
em sua propagação. Mas o sucesso dessa propagação
não me angustia. Cada coisa a seu momento. Também
não vejo o espiritismo como a solução única,
e sim como um dos bons caminhos. Para mim é bom, é
o caminho que escolhi. Mas reconheço haver vários
outros. Esse afã de se querer trazer pessoas para o espiritismo
não faz sentido. É arrogância sectária.
O melhor é apresentar a filosofia espirita com serenidade.
E apenas quando o outro quiser saber de que se trata. Isso lhe
interessa? Faz sentido para você? Na sua visão,
tem lógica? Tendo, ótimo. Não tendo, ótimo
também.
Mas há religiões que lotam grandes templos,
oferecendo de tudo. O que acha disso?
São salvacionistas. É a solução
fast religion. Do tipo one-stop-shop com a
promessa: "Venha que somos poderosos e o meu Deus resolverá
todos os seus problemas por você". Conheci um espírita
que fazia um trabalho muito bom nas prisões. Contou-me
que enquanto em sua sala havia três, quatro presidiários,
as salas ao lado ficavam lotadas com religiões que ofereciam
solução fácil e imediata para os problemas.
Compreensível. Do ponto de vista de benefício,
a promessa dessas religiões é muito mais atraente
do que o espiritismo que diz: "Veja este caminho. Ele é
bem bacana, mas você vai ter que se cuidar, estudar, batalhar,
mudar seu modo de ser. Seus problemas não vão
acabar, mas você vai aprender a lidar melhor com eles".
Esse caminho íngreme, honesto e belo, ainda não
é para todos.
Como então tornar a proposta do espiritismo mais
atraente?
É preciso falar à inteligência e ao coração.
Se perguntar: como eu vou falar com essa pessoa que está
deprimida? O que ela quer, o que precisa e o que pode ouvir?
É preciso colocar-se no lugar dela, entender a sua dor.
Isso exige mais esforço. Hoje muita gente no espiritismo
já tem uma fala melhor, mais atualizada, sem perder o
conteúdo, a base de Kardec. Mas dá trabalho. É
bem mais difícil do que ler um trechinho do Evangelho.
E a divulgação do espiritismo nas mídias
espíritas, nas editoras, está cumprindo seu papel?
Acho que sim, mas o espiritismo tem que ir para a mídia
não espírita. Já estive falando sobre espiritismo
em alguns programas de tevê. Curiosamente, no Brasil,
a mídia não espírita é muito simpática
ao espiritismo. Mas, se a gente começar a querer convencer
todo mundo a ser espírita, vamos perder essa abertura.
Temos o papel maravilhoso da internet, das redes sociais, dos
vídeos que se propagam tão rapidamente. E isso
depende da linguagem. Um vídeo enfadonho que diga: "Queridos
irmãos, gostaríamos neste momento solene de discorrer
sobre...", dançou. Você perdeu o cara no primeiro
segundo. O que devemos é trazer numa linguagem mais sincera,
natural e atual, mensagens onde reconheçamos nossos próprios
limites no conhecimento, colocando-nos de igual para a igual.
Vejo dirigentes dizendo "As pessoas erram! Vocês
precisam agir assim ou assado!". Isso é autoritário,
arrogante e ineficaz. Mais adequado seria assumir que todos
estamos no mesmo barco, dizendo algo como: "Nós
erramos". São detalhes, mas detalhes fundamentais
que, se a gente não prestar atenção, perdemos
o pé. Inclusive dentro do centro espírita.
Você escreve dessa forma inclusiva, como se estivesse
passando por aquela experiência também. É
isso mesmo?
Sim. Em meus livros há muitos casos pessoais. Eu me coloco
na situação, porque é real, passei e passo
por tudo isso. Escrevo sobre o que vivo e observo. Lembro que
em uma reunião de diretoria, como executivo, houve uma
questão que exigia mudanças e um diretor disse:
"Mas a empresa não faz isso". Eu alertei: a
empresa inexiste, a empresa somos nós! Essa é
a mesma questão na casa espírita. O outro somos
nós. Erramos tanto quanto. É se colocar na situação,
olhar o outro com o olhar dele, observar nosso entorno.
Você acredita que estejamos desatentos a esses
pequenos gestos?
Há quem já esteja bastante atento. Mas muitos
ainda estamos mais focados nas atitudes do outro. Criticamos
o outro, o picareta. Mas e eu, que passo pelo acostamento, que
pego dois recibos para descontar no plano de saúde e
que não devolvo o troco que veio a mais? Desconsideramos
situações pessoais e ainda nos justificamos: "Não
devolvi porque ele já está ganhando demais".
Deveríamos nos observar honestamente. No fundo, estamos
todos num pequeno bote. Uns mais na popa e outros mais na proa,
mas o barco da diferença moral é pequeno e estamos
todos juntos. Ter consciência de nossa precariedade moral
muda a nossa forma de ver o outro e nos faz ficar mais espertos
no nosso autoconhecimento.