29/11/2015
A médica que prescreve poesia na lida diária
com a morte
Por Paulo Hebmüller, do Jornal da USP, especial
para o USP Online
Um paciente alcoólatra, vítima de cirrose
e câncer, com a barriga inchada pela doença e a pele tão
amarelada a ponto de a estudante de Medicina que foi visitá-lo
fazer a comparação com a cor de um canário. Muitos
anos depois, ainda é no seu Antônio, o paciente que lhe
coube entrevistar no Hospital Universitário (HU) da USP, que
a médica Ana Claudia Quintana Arantes identifica o ponto de partida
para sua trajetória na área de cuidados paliativos –
uma disciplina pouco difundida e que continua cercada por preconceitos
no Brasil.

Médica formada pela FMUSP lança livro
de poesias e conta experiência profissional e afetiva com pacientes
terminais
| Foto: Hospital Albert Einstein
Angustiada porque seu Antônio não conseguia
contar sua história – as dores eram grandes demais –,
a então terceiranista da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP)
procurou o professor para saber se havia algum remédio que pudesse
aliviá-lo.
“Ele fez uma cara de irritado e disse: ‘Eu
já tinha dito que era um paciente terminal. Você sabe
o que é um paciente terminal?’ Eu disse que sim, mas
que ele estava com dor. Aí o professor falou que não
tinha nada para fazer”, conta Ana Claudia. “‘Não?
Ele está morrendo de dor. Não tem nada para aliviar
a dor agora?’ Aí ele respondeu que não, que se
eu desse o remédio para dor o fígado não aguentaria.
Eu perguntei: ‘Mas você não está me dizendo
que não tem mais jeito? Que diferença faz salvar o fígado
dele porque não demos analgésico?’ Bom, tomei
uma baita de uma cravada…”
“Cuidados paliativos não
são abandono; pelo contrário, nós dobramos
a escala do paciente.”
É com base em histórias como essa que
a médica acredita que sua opção pelos cuidados
paliativos “veio pela dor”. Aliás, diz, “a
maior parte dos profissionais que trabalham com isso deve a escolha
à vivência de uma situação difícil”.
De acordo com a Organização Mundial da
Saúde (OMS), os cuidados paliativos são uma abordagem
que melhora a qualidade de vida do paciente e de sua família
em caso de doenças que ameacem a continuidade da vida. Eles incluem
a avaliação e o controle de forma impecável não
somente da dor, mas de todos os sintomas de natureza física,
social, emocional e espiritual.
"Todos são portadores de felicidade.
Uma pena notar que boa parte da humanidade ainda é assintomática.”
Em outras palavras, os cuidados paliativos focam o conforto e o bem-estar
do paciente e dos familiares quando se sabe que a doença não
responde mais aos tratamentos convencionais e levará ao desfecho
inevitável. Eles representam o contrário da obstinação
terapêutica, em que todos os recursos tecnológicos são
utilizados para manter a sobrevida – num quadro que, não
raro, se traduz numa pessoa inconsciente cujas funções
orgânicas só se sustentam porque ligadas a aparelhos. É
por essa razão que profissionais de várias correntes defendem
que a obstinação terapêutica – ou distanásia
– nada tem a ver com prolongamento da vida, mas sim com mero adiamento
artificial da morte, causando ainda mais sofrimento ao paciente e à
família.
Enquanto nos Estados Unidos existem mais de dois mil programas de cuidados
paliativos, no Brasil eles são pouco mais de 30. É bom,
entretanto, não confundi-los com as estratégias de “humanização”
apregoadas pelos grandes hospitais, alerta a médica.
“Humanização é aparência,
uma coisa ligada ao discurso corporativo. Os cuidados paliativos trazem
humanidade”, defende.
“Não se pode pensar num profissional
da área que não seja uma pessoa muito boa no que faz.
Tem que buscar o melhor em termos de formação, de conhecimento
técnico e de atualização, mas tem que ter o coração
envolvido.”
“O estado de amorosidade do
ser humano deveria se tornar algo como a temperatura ou o pH do
sangue: perene, necessário ao bom funcionamento de todos
os nossos sistemas, internos e externos.”
Ana Claudia vai lançando suas sementes para
tentar envolver mais corações. Formada em 1993, fez residência
em Geriatria e Gerontologia no Hospital das Clínicas da FMUSP,
pós-graduação em Intervenções em
Luto pelo Instituto 4 Estações de Psicologia e especialização
em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium e Universidade de Oxford,
na Inglaterra.
Em 2007, criou em São Paulo, ao lado de três colegas,
a Casa do Cuidar, organização voltada para a prática
e ensino de cuidados paliativos.
“Está cheio de gente morrendo mal”, justifica,
e avisa: “quando chegar a minha vez, quero alguém que
me cuide direito, porque eu vou dar trabalho”.
Lançamento

Trabalho, por sinal, é o que não falta
a esta leonina de 43 anos que se realimenta lendo e escrevendo. Seu
blog prescreverpoesia.blogspot é a origem do livro de poemas
Linhas Pares (Scortecci Editora, 2012), que Ana lança no próximo
sábado, (12) de maio, a partir das 15 horas, na Livraria da Vila
(Rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, São Paulo).
O volume, ela assina como Claudia Quintana – poeta “tão
mais doce e feliz do que a doutora Ana” –, numa apropriada
coincidência de sobrenome com Mario Quintana, um de seus autores
preferidos.
Os muitos ensinamentos a respeito da vida que os anos de trabalho intenso
com pessoas tão próximas da morte lhe trouxeram são
um dos temas da entrevista com a médica poeta, que você
lê na entrevista completa (em PDF).
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Fonte:
http://www5.usp.br/10424/a-medica-que-prescreve-poesia-na-lida-diaria-com-a-morte/
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