08/11/2015
'Sou gay, não sou um monstro', diz monsenhor
demitido do Vaticano
do
STEPHANIE KIRCHGAESSNER
DO "GUARDIAN", EM ROMA
Krzysztof Charamsa, o ex-funcionário
do Vaticano que foi demitido e destituído de suas funções
sacerdotais depois de anunciar publicamente que é gay, abre um
sorriso grande quando pergunto se ele pretende se casar com o namorado.
Sua resposta é evasiva, mas o sorriso parece revelar suas intenções.
"Eu entendo as muitas pessoas
que dizem: 'Não precisamos da instituição
do casamento —nosso amor é livre'. Eu não
sou dessa parte da sociedade. Para mim, o casamento faz parte da dinâmica
do amor, e agradeço a Deus que vivo em um século em
que ele é possível, graças ao movimento homossexual
e graças aos muitos mártires homossexuais."
Faz menos de um mês que esse polonês de
43 anos,
ex-monsenhor e assessor sênior do Vaticano, anunciou em
coletiva de imprensa que é gay e está apaixonado. Ele
deu as declarações com seu namorado, um catalão
chamado Eduard, ao seu lado. Feita um dia antes do início de
uma reunião contenciosa de bispos em Roma para discutir a abordagem
da Igreja às "questões de família" modernas,
incluindo a homossexualidade, a declaração provocou sua
demissão imediata.
O Vaticano considerou o timing do anúncio "muito grave e
irresponsável" e disse que está claro que Charamsa
não pode mais ser assessor sênior da Congregação
para a Doutrina da Fé, o departamento interno do Vaticano incumbido
da defesa da doutrina católica.

O monsenhor Charamsa durante anúncio de
sua homossexualidade, ao lado do namorado, em Roma
Alessandra Tarantino - 3.out.2015/Associated Press
Se a esperança de Charamsa foi
forçar a igreja a adotar medidas ousadas em sua abordagem aos
gays e lésbicas, a tentativa foi malsucedida. No encerramento
do sínodo, no fim de semana, os bispos reafirmaram a posição
da Igreja contrária à discriminação contra
as pessoas homossexuais, mas também declararam que não
existem bases para aprovar o casamento gay.
Em entrevista dada ao "Guardian" em Barcelona, Charamsa falou
de sua jornada pessoal, chegando ao momento em que tomou uma decisão
que transformaria sua vida: revelar sua sexualidade, apesar de fazer
parte de uma igreja para a qual o sexo homossexual é pecado e
a homossexualidade é uma "tendência".
"Tive certeza de ser gay durante
toda minha vida. A partir do primeiro momento em que a pessoa toma
consciência de sua sexualidade. Para mim isso estava claro e
era motivo de sofrimento", ele disse.
REFÚGIO
Charamsa disse que na Polônia, seu país
natal, a igreja era vista como lugar onde era possível refugiar-se
do comunismo e onde "a liberdade é possível".
"A igreja era um espaço onde a pessoa
podia se realizar e realizar seu desejo de liberdade. Ao mesmo tempo,
porém, há ações e a mentalidade homofóbicas.
A igreja diz que ser gay é uma doença, que é
horrível, que é algo do inferno, não deste mundo,
algo que é contrário à natureza e a Deus - e
esse é o Deus que você ama".
O ex-padre disse que não sofreu com o voto do
celibato, mas não podia deixar de ter consciência de que
precisava aceitar a si mesmo e à sua sexualidade, para poder
ser verdadeiro com os outros.
"A primeira parte de sair do armário é
fazer isso com você mesmo, em sua própria cabeça.
Esse é o processo mais demorado. No meu caso, levou a parte
maior de minha vida. Foi horrível. Foi terrível. Durante
muitos, muitos anos, eu não me aceitei."
Então ele se assumiu como homossexual perante
alguns amigos íntimos e sua família, algo que reconheceu
que poderia ser perigoso em algumas sociedades homofóbicas.
Enquanto alguns amigos o aconselharam a manter seu emprego
e sua vida na igreja, apesar de ter um relacionamento, Charamsa disse
que não conseguia viver uma "vida dupla".
"Meu relacionamento não vem de muito tempo,
mas é o bastante para eu ter certeza de que é um amor.
Amo este homem, ele me ama, e quero oferecer minha vida a ele. Estou
convencido de que poderia ter feito isso e continuado a ser sacerdote",
ele diz.
"A terceira parte foi sair do armário
publicamente. Muitas pessoas disseram que o anúncio foi tão
espetacular, que chamou tanta atenção, que não
foi feito em boa hora", ele fala.
"Tenho uma pergunta a fazer a essas pessoas:
qual seria uma boa hora para sair do armário na igreja? Quando?
Depois do sínodo?
A resposta é: 'Nunca'. A hora responsável
para sair do armário é nunca."
DEPRESSÃO
Charamsa disse que muitos religiosos caem em depressão
profunda quando tentam viver vida dupla e padecem de grande sentimento
de culpa.
"Não sou pedófilo. Sou um homem
homossexual saudável. Não sou um monstro, não
sou bestial. Faço parte de uma minoria, mas tenho minha dignidade,
e isso precisa ser aprovado por minha igreja."
Charamsa insiste que não se assumiu como homossexual
por um sentimento de frustração ou porque tenha sido pressionado
a isso por seu parceiro.
"Ele foi perfeito em todo este processo. Ele
se mostrou um homem realmente maduro e achou que decisão cabia
a mim, mas foi capaz de ajudar e a oferecer sua vida por esta passagem
traumática, por esta decisão que para um padre, existencialmente
falando, é como sair da prisão. Como sair de Guantánamo."
As ações de Charamsa também foram
motivadas pela percepção, formada ao longo de anos, de
que uma discussão real da homossexualidade na igreja, e em especial
dentro do setor doutrinal para o qual trabalhava, é "uma
impossibilidade".
Em 2013 o papa Francisco proferiu sua frase agora famosa
"quem sou eu para julgar?" quando perguntado sobre a existência
de um "lobby gay" no Vaticano. Charamsa disse que isso foi
"como uma bomba jogada na mentalidade católica".
"Minha primeira reação foi pensar:
'Maravilha!'. Esse é o homem que, quando era arcebispo, disse
que a igualdade no casamento é demoníaca - e então,
quando se tornou papa, começou a pensar e falar desde outra
perspectiva. Para mim, a frase devolveu aos gays sua dignidade, que
a igreja destrói."
Mas agora Charamsa acha que a frase do papa foi apenas
um slogan, porque a igreja está "travada em uma posição
paranoica contra o papa".
"Acho que o papa é pragmático.
Ele percebe que não tem colaboradores. É como em um
governo em que um ministério trabalha contra o primeiro-ministro.
Acho que o papa Francisco tem a convicção de que a oposição
a ele é tão grande que esta [abertura] não é
para agora.

Cardeal espanhol Ricardo Blazquez Perez lê
jornal que estampa foto de Krzysztof Charamsa
Alessandra Tarantino - 9.out.2015/Associated Press
"Nós [na igreja] somos incapazes de conhecermos
uns aos outros. Somos incapazes de diálogo. É como uma
ditadura mental. Eu nasci na Polônia. Conheci o sistema comunista.
É irracional, não admite discussão."
ABORTO
Houve momentos no passado - como em 2009, quando o papa
Bento reafirmou a oposição da igreja à possibilidade
de gays se tornarem padres - em que Charamsa, segundo disse, procurou
desafiar-se intelectualmente para racionalizar a posição
da igreja. Mas hoje ele a compara a um "julgamento racista".
Ele também critica a visão da igreja em
relação ao aborto e se diz favorável ao chamado
lançado recentemente pelo papa por um ano de misericórdia
para com mulheres que fizeram o procedimento e hoje se arrependem. Tradicionalmente,
as mulheres que buscavam perdão por isso só podiam recebê-lo
de um alto funcionário da igreja, mas o papa Francisco concedeu
esse poder a todos os padres a partir de 8 de dezembro, durante o ano
de misericórdia da Igreja Católica.
"Quando você pensa nas mulheres pobres,
na pobreza, é fácil para um padre com dinheiro, uma
vida pacífica e sem problemas familiares declarar que mulheres
não têm o direito de abortar", diz Charamsa.
"Mas não podemos ser tão drásticos,
tão automáticos, tão insensíveis, tão
inumanos. Defendemos a vida - a vida nova - e condenamos a vida da
mulher."
Com relação ao casamento homossexual,
Charamsa acha que a ampliação do direito ao casamento
gay nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, além de outros
países do mundo, é um bem verdadeiramente cristão,
porque é um avanço que fortaleceu a instituição
do casamento para todos. É a visão oposta à de
muitas pessoas que criticam as uniões homossexuais por motivos
religiosos.
"A possibilidade do casamento homossexual em
nosso século é muito importante para a percepção
do casamento. Ela ajuda a explicar que o essencial no casamento é
o amor", ele diz. "Podemos dizer 'não, o casamento
existe para gerar filhos'. Mas acho que ele precisa começar
com o amor, e depois disso podemos falar da vida, de filhos. Acho
que as pessoas homossexuais são proféticas."
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/10/1699594-sou-gay-nao-sou-um-monstro-diz-monsenhor-demitido-do-vaticano.shtml
Padre gay destituído pelo Vaticano fala
em 'homofobia especial'
O monsenhor polonês que se revelou
homossexual e foi destituído pelo Vaticano logo antes de um encontro
de bispos sobre o alcance da Igreja em relação aos gays,
divorciados e famílias católicas mais tradicionais afirmou
que existe "um tipo especial de homofobia" entre os padres,
e que aqueles que são homossexuais são forçados
a se odiar.
Krzysztof Charamsa falou em entrevista
que espera que mais padres venham a público "para destruir
o código de silêncio da igreja".
"Muitos padres, muitos bispos,
muitas pessoas no clero católico são gays, são
homossexuais", diz. "Com sensibilidade homossexual. Mas
eles precisam odiar a si mesmos".
Charamsa era um oficial de nível
médio no escritório de doutrina do Vaticano que veio a
público em entrevistas na imprensa italiana e polonesa no mês
passado, um dia antes do encontro dos bispos, dizendo estar feliz e
orgulhoso de ser um padre gay e apaixonado por seu namorado.
Ao demitir o padre, o Vaticano citou o "timing"
de seu anúncio como "muito sério e irresponsável,
já que pretendeu submeter a assembleia do sínodo a uma
pressão indevida da mídia".
A diocese de Charamsa, em Pelplin, na região
de Gdansk, suspendeu o religioso em seguida e avisou que ele não
poderia mais vestir a batina.
O agora ex-padre, que hoje vive com o namorado em Barcelona,
se descreveu em entrevista como "um padre gay feliz".
"E posso dizer isso com transparência,
com toda a minha verdade", acrescentou. "Lutamos contra
essa horrível mentir da minha Igreja, do Vaticano.
Em relação à Santa Sé, acho
que a primeira reação foi pânico. Pânico e
eliminação automática deste homem. Em um segundo
eu estava fora do Vaticano".
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/11/1703098-padre-gay-demitido-pelo-vaticano-fala-em-homofobia-especial.shtml
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