27/06/2015
Religiões abraçam
defesa do ambiente
Por JUSTIN GILLIS
Para o jovem cristão Ben Lowe, a revelação ocorreu
às margens do lago Tanganica, na África. O aquecimento
do lago estava reduzindo a produção pesqueira, as pessoas
estavam passando fome -e Lowe conhecia os indícios científicos
de que a culpa disso era da mudança climática.
Já para o reverendo Brian Sauder, a epifania aconteceu na faculdade.
Ao estudar as consequências da degradação ambiental,
ele aprendeu sobre pessoas pobres que precisavam caminhar mais a cada
dia para colher lenha de florestas degradadas.
Para esses dois homens, deveres cristãos que na sua formação
eram separados -cuidar da Terra e cuidar dos pobres- se fundiram em
um só problema moral urgente. "Por que eu não fiz
essa conexão antes?", lembra-se Sauder de ter perguntado
a si mesmo na época.
A abrangente encíclica recém-divulgada pelo papa Francisco
pode se tornar um divisor de águas, destacando as questões
de justiça social no centro da crise ambiental. Mas a mensagem
pontifícia é, em certo sentido, simplesmente parte de
uma mudança de mentalidade que ocorre há décadas.
Muitas religiões estão despertando para o fardo que a
mudança climática acarreta aos pobres, buscando nas escrituras
justificativas para cuidar melhor do ambiente. Há uma demanda
cada vez maior, inclusive, por ecologistas que também sejam pessoas
religiosas, já que eles são vistos como intérpretes
entre esses dois campos que muitas vezes costumavam ver o mundo de formas
radicalmente opostas.
"A ciência é como uma bússola", disse
o biólogo Nathaniel Hitt, especialista em pesca e membro da
igreja presbiteriana de Shepherdstown, na Virgínia Ocidental.
"Ela pode nos dizer onde está o norte, mas não
é capaz de nos dizer se queremos ir para o norte. É
aí que entra a nossa moral."
Hitt e sua congregação recentemente instalaram painéis
solares no telhado da igreja e interligaram seus aquecedores domésticos
de água numa rede que deve ajudar a equilibrar as flutuações
do sistema de energia renovável. Além disso, o grupo está
estudando com afinco outras maneiras de reduzir as suas emissões
de gases do efeito estufa.
Nos últimos anos, centenas de outras igrejas, mesquitas e sinagogas
dos EUA instalaram painéis solares ou adaptaram seus edifícios
para que consumissem menos energia.
Os políticos que tentam reduzir os incentivos ao uso de energias
renováveis poderão se ver em atrito com pregadores. Brian
Flory, pastor protestante em Fort Wayne (Indiana), recentemente contribuiu
para o arquivamento de um projeto de lei restritivo no seu Estado, sob
o argumento de que as igrejas teriam o direito de "gerar eletricidade
a partir da luz do sol fornecida gratuitamente por Deus".
Homens como Lowe e Sauder dedicam suas vidas a ajudar outras pessoas
religiosas a compreenderem a ligação entre as alterações
climáticas e os danos que elas causam aos pobres.
Sauder, ordenado na denominação menonita, é o
diretor-executivo da instituição inter-religiosa Fé
no Lugar, de Illinois, que ajuda templos a reduzirem suas emissões.
Grupos semelhantes já surgiram em vários outros Estados
dos EUA sob a bandeira de uma organização nacional chamada
Força e Luz Inter-Religiosa.
Há dez anos, quando estava na faculdade, Lowe viajou ao lago
Tanganica, onde estudou com uma ecologista chamada Catherine O'Reilly,
autora de um estudo que demonstrava que o aumento da temperatura na
água do lago estava esgotando os nutrientes próximos à
superfície. Isso, por sua vez, prejudicava uma população
de peixes que historicamente havia ajudado a alimentar milhões
de pessoas. "Percebi que a mudança climática já
estava tendo impactos, não apenas sobre a criação
de Deus, mas também sobre muitos dos meus irmãos e irmãs
ao redor do mundo", disse Lowe.
A situação se agravou desde então, e a pesca excessiva
provavelmente também contribuiu para isso, segundo O'Reilly,
que hoje leciona na Universidade Estadual de Illinois. Ela visitou o
lago no ano passado, "e o preço de uma pequena pilha de
peixes aumentou dez vezes, o que é demais para as pessoas que
estão vivendo da mão para a boca", disse ela.
Depois de terminar a faculdade, Lowe ajudou a criar a ONG Jovens Evangélicos
pela Ação Climática, da qual hoje é porta-voz.
A organização se aliou a outros grupos religiosos e ambientalistas
para promover uma mudança. Ainda assim, Lowe e outros ativistas
ainda são vistos com desconfiança por muitos evangélicos.
Pesquisas sugerem que os evangélicos são o grupo religioso
americano menos propenso a acreditar que o aquecimento global seja real
ou provocado pelo homem. Muitos deles são politicamente conservadores
e influenciados por grupos que questionam conclusões científicas
sobre o clima.
Entre os cristãos e judeus, a discussão teológica
frequentemente gira em torno da real intenção de Deus
no primeiro capítulo do Gênesis, ao determinar que o ser
humano "reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus,
sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos
os répteis que se arrastam sobre a terra".
Será que essa passagem implica que nada do que as pessoas fizerem
será ambientalmente errado? Alguns políticos conservadores
parecem interpretar esse versículo como uma garantia de que Deus
não permitirá que os humanos destruam o seu único
lar.
Mas, na encíclica, Francisco contesta esse ponto de vista, declarando
não só que os humanos estão alterando o clima como
também que o mandato de domínio abrange o dever de cuidar
da criação.
Conservadores religiosos que se opõem ao ambientalismo salientam
que o sucesso econômico está historicamente ligado ao uso
de combustíveis fósseis.
Grupos liberais muitas vezes qualificam tal ponto de vista como tendencioso,
mas essa é justamente a motivação de países
como a Índia para não aceitarem limitações
às suas emissões provocadas pela queima de combustíveis.
O objetivo declarado do movimento ambientalista é desfazer a
associação entre os combustíveis fósseis
e o sucesso econômico.
A maior questão hoje é se a crescente preocupação
ambiental dos religiosos se traduzirá em maior pressão
para que os governos encontrem formas de melhorar o custo, a confiabilidade
e a difusão das matrizes energéticas com pouca emissão
de carbono.
Neste mês, mais de 350 rabinos americanos divulgaram uma carta
declarando que chegou a hora de agir.
"Nossa esperança é que, mais de uma vez em nossa
história, quando o país enfrentou o desafio de mudar,
foram o compromisso moral, a aliança religiosa e a busca espiritual
que se ergueram para fazer frente à necessidade."
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/224072-religioes-abracam-defesa-do-ambiente.shtml
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