30/05/2015
Vaticano reata com Teologia da Libertação
Por JIM YARDLEY e SIMON ROMERO
VATICANO - Seis meses depois de se tornar o primeiro
pontífice latino-americano, o papa Francisco convidou um padre
octogenário do Peru para uma conversa particular em sua residência
no Vaticano. A reunião em setembro de 2013 com Gustavo Gutiérrez
logo se tornou pública -e foi rapidamente interpretada como uma
mudança definitiva na Igreja Católica.
O padre Gutiérrez é um dos fundadores da Teologia da
Libertação -movimento latino-americano que se aproxima
dos pobres e pede mudança social-, que os conservadores já
desprezaram como marxista e o Vaticano tratou com hostilidade. Hoje
o padre Gutiérrez é um visitante respeitado na igreja,
e seus textos foram elogiados no jornal do Vaticano. Francisco trouxe
outros padres latino-americanos de volta às boas graças
e muitas vezes seu discurso sobre os pobres lembra a Teologia da Libertação.
Então, em 23 de maio, multidões lotaram San Salvador
para a beatificação do arcebispo salvadorenho assassinado
Óscar Romero, o que o situou a um passo da santificação.
Francisco colocou os pobres no centro de seu papado. Ao fazê-lo,
está se envolvendo com um movimento teológico que já
dividiu fortemente os católicos e foi rejeitado por seus antecessores,
os papas João Paulo 2° e Bento 16. Mesmo Francisco, como
jovem líder jesuíta na Argentina, teve hesitações.
Hoje o papa fala em criar "uma igreja pobre para os pobres"
e tenta posicionar o catolicismo mais perto das massas -uma missão
espiritual que surge enquanto ele também busca reanimar a igreja
na América Latina.
Durante anos, os críticos da Teologia da Libertação
no Vaticano e bispos conservadores latino-americanos ajudaram a conter
o processo de canonização do arcebispo Romero, apesar
de muitos católicos da região o considerarem uma figura
moral importante: um crítico declarado da injustiça social
e da repressão política, que foi assassinado durante uma
missa em 1980.
Francisco resolveu o impasse.
A beatificação é o prelúdio do que provavelmente
será um período definitivo do papado de Francisco, com
viagens à América do Sul, a Cuba e aos EUA: a divulgação
de uma encíclica sobre a degradação ambiental e
os pobres, além de uma reunião em Roma para determinar
se e como a igreja vai modificar sua abordagem em questões como
a homossexualidade, a contracepção e o divórcio.
Ao avançar na campanha para a santificação do
arcebispo Romero, Francisco envia um sinal de que a fidelidade de sua
igreja é para com os pobres, que antes desacreditavam em alguns
bispos mais alinhados a governos, segundo muitos analistas.
"Não é a Teologia da Libertação
que está sendo reabilitada", disse Michael E. Lee, professor-adjunto
de teologia na Universidade Fordham, em Nova York.
"É a igreja que está sendo reabilitada."
A Teologia da Libertação inclui uma crítica das
causas estruturais da pobreza e um pedido para que a igreja e os pobres
se organizem para alcançar mudanças sociais.
O movimento surgiu depois de uma reunião de bispos latino-americanos
em 1968 e se enraizava na crença de que as dificuldades dos pobres
deveriam estar no centro da interpretação da Bíblia
e da missão cristã. Mas, com a Guerra Fria em vigor, alguns
críticos denunciaram a Teologia da Libertação como
marxista e seguiu-se uma reação conservadora.
"Toda aquela retórica deixou o Vaticano muito nervoso",
disse Ivan Petrella, argentino estudioso dessa doutrina. "Se você
viesse de trás da Cortina de Ferro, poderia cheirar um certo
comunismo lá."
João Paulo 2° reagiu indicando bispos conservadores na América
Latina e apoiando grupos católicos conservadores como o Opus
Dei e os Legionários de Cristo, adversários da Teologia
da Libertação. Nos anos 1980, o cardeal Joseph Ratzinger
-que mais tarde se tornaria o papa Bento 16, mas na época era
o guardião da doutrina do Vaticano- emitiu duas declarações
sobre a Teologia da Libertação. A primeira era crítica,
mas a segunda mais branda, levando alguns analistas a se perguntarem
se o Vaticano estava amolecendo.
Desde sua nomeação em 1973 como chefe dos jesuítas
na Argentina, o papa Francisco -então conhecido como Jorge Mario
Bergoglio e com 36 anos- foi visto como profundamente preocupado com
os pobres. Mas figuras religiosas que o conheciam dizem que Francisco
achava a Teologia da Libertação política demais.
Quando foi nomeado arcebispo de Buenos Aires, ele se concentrou nos
esquecidos pela recuperação econômica da Argentina.
"Com o fim da Guerra Fria, ele começou a ver que a teologia
da libertação não era sinônimo de marxismo,
como muitos conservadores haviam afirmado", disse o americano Paul
Vallely, autor de "Pope Francis: Untying the Knots" [Papa
Francisco, desatando os nós]. Ele "começou a ver
que os sistemas econômicos, e não apenas os indivíduos,
podiam ser pecadores".
Francisco havia feito fortes críticas ao capitalismo, reconhecendo
que a globalização tirou muitas pessoas da pobreza, mas
dizendo que ela também criou grandes disparidades e "condenou
muitos à fome". E advertiu: "Sem uma solução
para os problemas dos pobres, não poderemos resolver os problemas
do mundo".
Na Argentina, alguns críticos não estão convencidos
de que a franqueza de Francisco sobre os pobres representa a adoção
da Teologia da Libertação.
"Ele nunca tomou as rédeas da Teologia da Libertação
porque é radical", disse Rubén Rufino Dri, que trabalhou
no final dos anos 1960 e 70 com um grupo de padres que atuou nas favelas
de Buenos Aires. Para ele, a decisão de Francisco de acelerar
a beatificação do arcebispo Romero foi política.
"É uma manobra populista de um grande político",
disse.
Outros deram uma opinião mais matizada. José María
di Paola, 53, um padre próximo de Francisco, disse que a beatificação
refletiu uma maior pressão de Francisco para reduzir o enfoque
do Vaticano na Europa. "Faz parte de um processo de pôr fim
à interpretação eurocêntrica do mundo pela
igreja e ter um ponto de vista mais latino-americano", disse ele.
Muitos analistas comentam que João Paulo e Bento nunca denunciaram
abertamente a Teologia da Libertação e aos poucos começaram
a mudar de opinião. Em 2012, Bento reabriu o caso da beatificação
do arcebispo Romero.
Francisco muitas vezes pede que os fiéis atuem em benefício
dos pobres, dizendo que se o fizerem serão transformados. Para
os que conheceram Romero em El Salvador, essa transformação
foi notável. Antes considerado um conservador, ele começou
a mudar em meados dos anos 1970, quando era bispo de uma diocese rural
onde soldados do governo tinham massacrado agricultores. Pouco depois
de se tornar arcebispo de San Salvador, ficou horrorizado quando um
amigo próximo, um padre jesuíta, foi assassinado, e logo
começou a falar contra o terror e a repressão do governo.
"Ele começou a surpreender as pessoas", disse Jon
Sobrino, proeminente Teólogo da Libertação.
"Eles o fizeram ser diferente, mais radical, como Jesus."
Em 2007, o padre Sobrino teve seu choque pessoal com o Vaticano, quando
o órgão doutrinário contestou alguns de seus escritos.
Ele se recusou a modificá-los e atribuiu o congelamento da beatificação
do arcebispo Romero em parte à hostilidade do Vaticano.
"Foi necessário um novo papa para mudar a situação",
disse.
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/220891-vaticano-reata-com-teologia-da-libertacao.shtml
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