21/12/2014
reportagem do portal "Vencer o Câncer"
por Juliana Conte
UTIs modernas são equipadas com os melhores equipamentos
que conseguem garantir que o paciente permaneça vivo, mesmo que
a respiração seja por ventiladores mecânicos, os
rins só funcionem com hemodiálise, a comida chegue por
sonda e o paciente permaneça sedado 24 horas por dia para não
sentir dor. Se coração e pulmão pararem, médicos
e enfermeiros estão a postos para fazer ressuscitação
cardiopulmonar.

Dra. Ana Claudia, médica especializada em
cuidados paliativos
O paciente não responde mais ao tratamento curativo,
os recursos terapêuticos se esgotaram e a doença está
simplesmente cumprindo seu ciclo natural. São indivíduos
com quadros irreversíveis, na maioria das vezes vítimas
de câncer avançado, ou pacientes com sequelas de AVC, cardiopatias
graves ou algum tipo de demência como Alzheimer.
Num mundo ideal, eles deveriam ser encaminhados aos
cuidados paliativos, que garantiriam mais qualidade de vida. Na prática,
permanecem na UTI recebendo tratamentos inúteis e morrem longe
do convívio da família. Gastam-se recursos para mantê-lo
“vivo”, enquanto outros pacientes que realmente precisariam
de uma UTI não conseguem vaga. Isso ocorre por diversos motivos:
resistência do especialista em encaminhar o paciente a um médico
paliativista, falta de diálogo ou de profissionais capacitados.
Outro problema é a falta de leitos disponíveis. Em São
Paulo o número não chega a 100 nos hospitais públicos.
Pesquisa realizada pela consultoria Economist Intelligence
Unit e publicada em 2010 pela revista inglesa The Economist coloca o
Brasil em 38º lugar em um ranking de 40 países quando o
assunto é qualidade de morte. O país fica à frente
apenas de Uganda e da Índia.

Em entrevista ao portal Vencer o Câncer,
a médica geriatra Ana Cláudia Arantes, especialista em
cuidados paliativos e que atua no Hospice HC/Jaçanã, fala
sobre o papel do médico paliativista.
Vencer o Câncer (VOC): Quando
os cuidados paliativos são indicados ao paciente? Ele é
recomendado somente em casos graves e terminais?
Ana Cláudia Arantes: Esse tipo de tratamento
não é só para quem está morrendo, mas a
maioria dos pacientes chega para a gente muito tarde. Quando o cuidado
paliativo começa após o diagnóstico da doença,
é possível prevenir os sintomas desagradáveis que
ela acarreta, proporcionando melhor qualidade de vida ao paciente e
à família.
O propósito do cuidado paliativo é o controle do sofrimento
que está vinculado a doença e ao tratamento. Para se ter
uma ideia, a probabilidade de o indivíduo com diagnóstico
de câncer estar sofrendo é de 100%. Tem a dor física,
que pode resultar em falta de ar, fadiga, náuseas, falta de apetite,
além de outras dores muito fortes no corpo. E a dor emocional,
que gera o medo, a ansiedade, a depressão.
Se olharmos na origem da palavra, paliativo deriva do latim “pallium”,
que significa “manto” ou “cobertor”. Na época
das Cruzadas, os cavaleiros utilizavam o pallium, que era uma capa muito
grossa e forte para se proteger do frio, da chuva, do sol.Portanto,
esse é o papel do cuidado paliativo: proteger o paciente do sofrimento
que a doença necessariamente vai trazer.
VOC: Chega tarde porque há certa resistência
dos médicos em relação aos cuidados paliativos?
Ana Cláudia Arantes: O profissional de saúde
é treinado para mostrar o que ele sabe fazer. Entretanto, nem
sempre o que ele sabe é o que o paciente necessita. Talvez não
seja recomendado porque pode passar a ideia de fracasso, que o tratamento
oferecido inicialmente não deu certo. Tem também aquela
ideia de “para que investir no paciente se ele vai morrer, mesmo?”.
A minha resposta: porque ele está vivo. Mesmo que você
tenha convênio, sinto muito, pois o risco de você morrer
neste país sem nenhum tipo de tratamento paliativo é alta.
VOC: Mas o SUS e os convênios não oferecem
esse tipo de tratamento?
Ana Cláudia Arantes: Em relação
aos hospitais privados, muitas vezes não existe uma equipe suficiente
para dar conta do problema, que tem o compromisso com a qualidade do
atendimento. Ainda assim, alguns hospitais, “mais diferenciados”,
por conta das certificações internacionais, acabam oferecendo
— na melhor das hipóteses –, um serviço de
interconsulta, como se fosse uma consultoria. O médico titular
da equipe chama um outro médico especialista em cuidados paliativos
para dar opinião a respeito dos cuidados dos pacientes.
Na verdade, para ter acesso a esse tipo de tratamento você tem
que passar pelos hospitais públicos. A Santa Casa oferece um
serviço para crianças muito bom. O Instituto do Câncer
de São Paulo, o Hospital das Clínicas, o hospital do servidor
público municipal e estadual, além do Hospice do HC (pronuncia-se
“róspice”, é um local que combina a especificidade
de um hospital e a hospitalidade de uma casa de repouso), onde eu trabalho,
também. Mas as vagas disponíveis nesses locais são
poucas.
VOC: Quanto tempo, em média, o paciente chega
a ficar sob seus cuidados?
Ana Cláudia Arantes: É uma média
de permanência curta, aproximadamente 15 dias. Mas, ao mesmo tempo,
há pacientes que chegam para morrer e vivem meses. Eu já
tive um paciente que viveu dois anos aqui. Ele volta a andar, a comer,
não sente mais dor. Esse tempo que eles ficam conosco é
preenchido de vida. Aqui a família pode ficar ao lado, animais
são permitidos. Se ele tem condições de ficar em
casa, a gente libera. E eu não trabalho sozinha, é um
conjunto. Temos um capelão, assistente social, psicóloga,
nutricionista, farmacêutico, enfermeira, terapeuta ocupacional,
dentista e fisioterapeuta.
Aqui no Hospice são dez vagas, somente. Então, quando
o paciente chega, é muito comum a família dizer que ele
teve muita sorte. Porque ele sai de uma maca de corredor, numa situação
humilhante, e vai para um local tranquilo, onde conseguimos amenizar
as dores e ele passa a ter mais dignidade. São cuidados simples,
mas com muito esforço humano, que fazem uma enorme diferença.
No hospital ele teria morrido fazendo quimio, transfusão, exames
invasivos. Sofrimento mata. Por isso, eu espero estar viva no dia em
que for antiético você não oferecer cuidado paliativo
ao paciente com câncer já no diagnóstico.
VOC: E o sistema homecare (assistência domiciliar)
que alguns convênios oferecem?
Ana Cláudia Arantes: Outra grande cilada. Eles
dizem que fazem cuidados paliativos, mas quase nenhum profissional sabe
pegar acesso subcutâneo, que é aquele que não precisa
ficar furando o paciente para achar a veia. Os profissionais não
sabem prescrever morfina. A gente pede a caixinha de medicamento para
conforto e eles dizem: “ah, esse remédio nós não
temos”, ou ”com esse medicamento nós não trabalhamos”.
Isso não é cuidado paliativo. O melhor lugar para morrer
é onde você está seguro. E nem sempre é em
casa.
Repórter: Como a senhora fala de morte com
seus pacientes?
Ana Cláudia Arantes: A gente fala a verdade
e ninguém morre por isso. Se a pessoa está muito doente
e eu digo que não é nada sério, ela sabe que eu
estou mentindo, porque a doença está nela. Se a gente
não fala nada, você nega ao paciente o direito a opinar
sobre algumas das escolhas mais importantes da vida dele.
Não é que a gente declama o resultado de uma biópsia
ou o prontuário médico dele, mas tem que ter a sensibilidade
de comunicar da melhor forma e respeitar o limite. Até onde ele
quiser saber.
Às vezes, a família diz: ”não fala nada,
ele não vai aguentar”. Mas, na maioria das vezes que eu
tive essas conversas com os pacientes, eu só tive que confirmar
uma coisa que ele já sabia. Eu não lembro de ter contado
nenhuma novidade, de assustá-lo. Ele sabe que não é
só uma bolinha que ele tem no pescoço. Talvez é
a família que não está preparada para esse momento,
não conseguiu ainda elaborar a dor da perda. Esse processo de
morrer é uma arte do cuidado paliativo.
VOC: E a família, como fica?
Ana Cláudia Arantes: É preciso cuidar
da família antes desse processo todo acontecer, para que seja
possível elaborar o luto da melhor maneira possível. São
eles que ficam e são os que mais sofrem, também.
leiam também:
-> CUIDADOS COM O CUIDADOR
->
MESMO DIANTE DE DIAGNÓSTICO, ALGUNS PACIENTES NÃO NECESSITAM
DE TRATAMENTO IMEDIATO
Fonte:
http://vencerocancer.com.br/destaques-principais-home/por-uma-morte-com-menos-sofrimento
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