02/12/2014
A doutora em educação Verônica
Branco sustenta: papel de transmissor de saberes esgotou-se. Mas o de
orientar alunos em seu próprio aprendizado será cada vez
mais indispensável

Verônica Branco, entrevistada por Ana Luiza Basílio,
no Educação Integral
Diferenciação entre ensino e aprendizagem, contestação
da tradicional fórmula de transmissão de conhecimento
e avanços das tecnologias e da comunicação. Estes
elementos demandam uma reorganização da escola e o professor
tem um papel central nisto. A opinião é da doutora em
educação Verônica Branco, docente do setor de educação
da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Em entrevista ao Centro de Referências em Educação
Integral, a educadora analisa as demandas do século XXI e endossa
a necessidade da mediação na aprendizagem, que pede um
repensar das práticas escolares e, sobretudo, novo posicionamento
por parte do professor, que deve sustentar uma postura orientadora,
dialógica e capaz de ampliar os conhecimentos para além
do território escolar.
Confira a entrevista concedida durante o I Seminário
Internacional de Educação Integral – TEIA.

Centro de Referências em Educação Integral:
De onde se parte para diferenciar o tempo do ensino e o tempo
da aprendizagem?
Verônica Branco: A organização
da escola, nos séculos XVIII e XIX, veio acompanhada de uma concepção
do ensino atrelada ao transmitir, de passar o que se sabe ao outro.
A ideia era de que se aprendia ouvindo, memorizando e repetindo, princípio
que ainda se vê hoje em dia. Só no século XXI se
tem a clareza de que essa forma é ultrapassada, desnecessária,
até porque o professor não tem acesso a toda essa informação
que o jovem tem e a comunicação extra-escolar é,
de fato, muito mais eficiente. Também começamos a nos
dar conta de que a escola trabalhou muito com o ensino, mas sem uma
clareza de seus resultados, validando a lógica de que “se
eu ensinei, ele tem que ter aprendido”. Caso contrário,
faltou esforço por parte do aluno.
E qual concepção surge após estas constatações?
Verônica Branco: Surge a preocupação
com a aprendizagem, desvinculando-a do ensino. Porque o ensino é
trabalho do professor e a aprendizagem, do aluno. Isso não quer
dizer que quem ensina não aprenda, mas temos segmentos responsáveis
por essas habilidades. O professor, então, passa a ter o papel
de repensar o ensino e suas práticas, já que transmitir
não é mais o esperado. A conduta é de mediação,
ou seja, orientar a aprendizagem a partir dos recursos já existentes,
apoiando os alunos na leitura, interpretação e apropriação
das informações, gerando conhecimento.
O aluno que não aprende passa a ser problema do professor, uma
vez que se passa a avaliar em que medida ele atendeu as necessidades
do estudante. Por isso, há a necessidade do docente garantir
esse espaço de experimentação e reflexão
para os sujeitos, que se torna possível ao conhecê-los
e considerar os diversos contextos que os rodeiam.
Como esperar que a escola dê conta dessa integralidade
do indivíduo, se não resolveu muitos dos problemas relacionados
ao ensino?
Verônica Branco: Não estamos mais nessa
evolução linear que a humanidade foi alcançando
em séculos. O conhecimento deu saltos exponenciais. Isso mostra
o quão ineficiente se torna um professor se fechar em sala de
aula com cartilha e quadro negro e tentar resolver a alfabetização,
por exemplo. As crianças precisam aprender o que fazer com a
leitura e escrita no mundo. Elas devem sair, ler as placas e cartazes,
e estabelecer significado para o que aprendem. É aí que
o professor pode atuar como mediador.
Eles estão preparados para esta nova função?
Verônica Branco: A questão é que
eles também não são formados para isso. As universidades
ainda trabalham como se os docentes fossem reproduzir a sua lógica
de ensino; muitos professores universitários nunca pisaram em
uma sala de aula. As discussões nas formações abordam
teoria ou filosofia, mas não as práticas de ensino.
As crianças aprendem mais quando estão imersas em uma
situação. Os professores têm que fazer uso disso
e ajudá-las a sistematizar esses conhecimentos, de maneira integrada.
É nessa medida que o tempo do ensino e da aprendizagem ainda
são diferentes, porque são postos em caixinhas desconectadas.
A escola se ocupou da educação formal e não dialoga
com a que vai acontecendo ao longo da vida.
E como a escola deve se articular para que esse processo aconteça?
Verônica: Há um ponto central nas discussões
sobre educação integral que é: precisamos de mais
tempo. As quatro horas, organizadas em 50 minutos, já eram insuficientes
para o modelo em que o professor tinha que transmitir conhecimento.
Hoje, a mediação pressupõe participação
e não se encaixa ao modelo. E veja que estou apenas falando do
tempo em sala de aula.
Esse conhecimento também está no mundo, ou seja, as crianças
têm que sair da escola. Claro que algumas coisas podem adentrar
esse ambiente, mas é preciso considerar o tempo de levar as crianças
para a rua, ao parque, ao cinema ou ao teatro. A escola tem que se assumir
enquanto espaço de organização e não somente
um espaço de permanência.
Vista a defasagem na formação dos professores,
como imaginar que eles possam dar conta desse arranjo?
Verônica Branco: Eu não fui formada para
ter filhos. Como eu aprendi? Na vida. Fui buscar os livros, outras referências
e fui aprendendo com tudo isso. É um processo de se abrir também,
de buscar o conhecimento que não se tem. O professor também
precisa estar aberto a aprender, não só as crianças.
Aí é que está o problema, fechado ele se sente
protegido, fecha a porta e faz o que quer dentro da sala de aula. Ele
ainda não se deu conta de que é um ator social e que tem
compromisso com cada uma das crianças. O professor é o
principal articulador do arranjo de educação integral.
Como vê essa implementação?
Verônica Branco: Nas discussões de educação
integral, sempre aparece a questão do espaço mas este
não é o maior problema. O professor tem que ser o maior
foco para garantir essa revolução que pretendemos nas
escolas, para que elas deixem de ser jurássicas. É um
trabalho que independe do espaço, começa a partir da formação
do professor, para que ele seja capaz de expandir esses espaços,
esse território da escola para o seu entorno.
Temos aí o Plano Nacional de Educação que quer
50% das escolas ofertando educação em tempo integral nessa
década para pelo menos 25% dos alunos (meta 6). Isso não
é pouco em termos de Brasil, temos muito a fazer ainda nessa
década.
Fonte:
http://outraspalavras.net/outrasmidias/capa-outras-midias/por-um-novo-professor-capaz-de-transformar-a-escola/
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