27/10/2014
por: Reinaldo José Lopes/Folha de SP
Congresso reúne opositores da teoria
da evolução; biólogos criticam 'novo criacionismo'
O químico Marcos Eberlin, 55, tem um currículo
muito parecido com o de outros pesquisadores de alto nível do
país. Com centenas de artigos publicados em revistas especializadas,
ele é membro da Academia Brasileira de Ciências e professor
titular da Unicamp, chefiando um laboratório especializado em
espectrometria de massa (grosso modo, uma
técnica que permite "pesar" moléculas).
Para consternação de vários de seus colegas, porém,
Eberlin também é um dos organizadores do 1º
Congresso Brasileiro do Design Inteligente, que começa
em 14 de novembro, em Campinas, reunindo os principais adversários
da teoria da evolução entre cientistas do Brasil.
Os defensores da TDI (Teoria do Design Inteligente) apresentam uma versão
atual de argumentos que chegaram a seduzir o próprio Charles
Darwin (1809-1882) antes que o naturalista formulasse a ideia de seleção
natural e se tornasse fundador da biologia evolutiva.
Eles defendem que seres vivos são complexos demais para terem
surgido a partir de matéria não viva, pela ação
de leis naturais.
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Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
Essa complexidade seria, na verdade, sinal de um design, ou "projeto",
embutido nos seres vivos por algum tipo de inteligência avançada.
"Cientificamente, eu sei quais são os meus limites, sei
que nunca será possível demonstrar que inteligência
seria essa", diz Eberlin.
"Tem gente que vai dizer que é o Deus bíblico,
tem gente que vai dizer que são os ETs, ou que é uma
força que permeia o Universo. Mas mostrar que houve essa ação
inteligente é uma proposta científica válida",
afirma o pesquisador.
A grande maioria da comunidade científica discorda, porém
–em especial os biólogos, principais responsáveis
por estudar a trajetória da vida na Terra. Nos EUA, onde surgiu,
a TDI é vista como uma tentativa de misturar ciência com
convicções religiosas. Por lá, de fato, os defensores
mais importantes da tese costumam ser cristãos conservadores.
"No nosso caso, não vejo esse viés. Tem agnóstico,
tem espírita, tem católico e, lógico, tem evangélico
também", afirma Eberlin, que é batista.
QUESTÃO DE QUÍMICA
Entre as dezenas de membros do comitê científico
do congresso, há desde biólogos até historiadores,
mas os químicos, tal como o professor da Unicamp, predominam.
Dois dos membros mais destacados do comitê, Kelson de Oliveira,
da Universidade Federal do Amazonas, e Brenno da Silveira Neto, da Universidade
de Brasília, também cursaram teologia (ambos são
presbiterianos).
Segundo Oliveira, a forte presença de químicos entre
adeptos da TDI é motivada, em parte, pelos modelos sobre a origem
da vida na Terra, que "podem ser facilmente entendidos por um químico".
"Isso nos permite ver falhas que muitas vezes escapam a integrantes
de outras áreas", diz o pesquisador.
Mais especificamente, eles dizem que a probabilidade de reações
químicas naturais levarem à formação de
células primitivas seria praticamente nula. Para Eberlim, a complexidade
bioquímica das células atuais, com mecanismos de correção
de DNA, é indício de design inteligente.
Para Brenno da Silveira Neto, o congresso será um foro de
debate científico sobre o tema. "Acho errado que grupos
religiosos se tornem adeptos da TDI só porque ela valida sua
visão de fé."
O congresso deve ser palco da criação da Sociedade
Brasileira do Design Inteligente e da divulgação
de um manifesto sobre o ensino da evolução e da TDI nas
escolas públicas. Eberlin, porém, diz que a ideia não
é pressionar o Ministério da Educação.
"O que a gente quer é que a teoria da evolução
seja ensinada de maneira certa e na idade certa. É um absurdo
usar nas escolas revistinha da Turma da Mônica mostrando o macaquinho
virando homem para crianças pequenas", diz o químico.
"Queremos que o professor não esqueça de informar
aos alunos que há outra teoria que quer entrar na briga. E
que não se ensine nada sobre TDI, pois ainda não se
sabe bem o que falar. Deixe apenas os alunos cientes de sua existência."
O professor de química da Unicamp Marcos
Eberlin, adepto da tese do design inteligente (TDI)
Davi Ribeiro/Folhapress
SEM SENTIDO
A tentativa de dar verniz científico e educacional à
Teoria do Design Inteligente costuma esbarrar na semelhança entre
a tese e o tradicional criacionismo – a crença numa divindade
que teria criado diretamente os seres vivos como são hoje, em
geral idêntica ao Deus da Bíblia.
Foi essa a conclusão do juiz americano John Jones ao decidir
contra a secretaria de educação de Dover, na Pensilvânia,
que defendia que a TDI fosse ensinada ao lado teoria da evolução
nas escolas públicas. Jones concluiu que um currículo
escolar assim violaria a separação entre religião
e Estado estabelecida na Constituição dos EUA.
No Brasil, em 2004, o Estado do Rio de Janeiro, governado por Rosinha
Matheus, chegou a propor a inclusão do criacionismo no ensino
público, embora não tenha havido alteração
nas aulas.
A maioria dos biólogos, porém, diz não ver sentido
na TDI, mesmo quando se analisam os dados do DNA com técnicas
modernas.
"Quem quiser defender que o genoma reflete um design inteligente,
que não perderia tempo ao entulhá-lo com lixo, vai precisar
resolver o paradoxo da cebola", diz o geneticista brasileiro
Marcelo Nóbrega, da Universidade de Chicago.
"Se o nosso genoma de 3 bilhões de 'letras' de DNA reflete
a complexidade do nosso organismo, como justificar o genoma da cebola,
com 15 bilhões de letras? Ou o da ameba Polychaos dubium, com
670 bilhões? Uma ameba é 200 vezes mais complexa do
que um criacionista?", brinca ele.
Para o teólogo Eduardo Rodrigues da Cruz, da PUC-SP, que estuda
a relação entre ciência e religião, a penetração
da TDI na academia brasileira tem crescido.
"Nota-se uma mudança, além da capacidade de liderança
de Marcos Eberlin, a pessoa que faltava para o movimento explodir
aqui no Brasil", afirma.
Para o especialista, é um erro limitar-se a confrontar ou ironizar
defensores da TDI, sem dialogar com lideranças religiosas que
não são contrárias à evolução.
"Não acho produtivo discutir com eles", diz Maria
Cátira Bortolini, geneticista da UFRGS (Universidade Federal
do Rio Grande do Sul). "Acho muito mais interessante discutir
por que há essas mentes predispostas geneticamente a seguirem
pensando de maneira mágica, mesmo quando adultos."
Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2014/10/1538622-congresso-reune-opositores-da-teoria-da-evolucao-biologos-criticam-novo-criacionismo.shtml
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