07/10/2014
Comunidades de troca e doação combatem
desperdício na Alemanha
De roupas e eletrodomésticos ao passe do
metrô, por solidariedade ou senso ambiental, muitos preferem doar
e trocar, em vez de desperdiçar.
Fenômeno atrai cada vez mais adeptos e tem comunidades em outros
países.
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Um dia qualquer no Facebook. Em meio a uma avalanche
de selfies, fotos do Instagram com pratos de dar inveja e sequências
de bebês bochechudos, um post chama a atenção: "Doação:
scanner, impressora, dois computadores, monitor." O anúncio
vem acompanhado de uma imagem dos equipamentos – tudo aparentemente
em perfeito estado.
Posts como esse são cada vez mais comuns entre internautas na
Alemanha. Eles costumam aparecer em diversos grupos da rede social e
refletem algo maior: um notável espírito de comunidade
que circula no país, e que permite se obter de graça praticamente
todo o básico de sobrevivência – e até um
pouco mais.
Uma das comunidades de maior sucesso leva o nome genérico Free
Your Stuff (FYS, literalmente: "liberte as suas coisas"),
acrescido do nome da cidade onde é feita a oferta. Em Berlim,
o grupo já tem mais de 19 mil membros. Lá se encontra
de tudo: televisores, geladeiras, camas, sofás, celulares, leitores
de e-book e até pianos.
Ou mesmo: "Acredito que ninguém quer uma porta…? Mede
uns 93 por 215 cm", dizia um post publicado na FYS Berlim. No dia
seguinte, a porta já fora levada. "Estou tão surpreso
quanto vocês", comentou o ex-proprietário.
Senso de comunidade contra o desperdício
Mas nem sempre as ofertas são tão extravagantes.
A brasileira Carolina Nehring, que vive em Bonn, por exemplo, já
usou uma dessas comunidades para doar livros, sapatos e bolsas. E foi
lá que também conseguiu uma série de coisas interessantes,
como um violão, uma escrivaninha e uma bicicleta, sua maior aquisição.

Brasileira Carolina e sua bicicleta adquirida de
graça
O alemão Matthieu Classen também já doou uma bicicleta,
porque estava de mudança para a Holanda e não tinha como
levá-la consigo.
"Isso cria um certo senso de comunidade, onde
é possível doar as coisas de que não precisamos
mais, em vez de alimentar uma cultura do desperdício",
defende o jovem de 21 anos.
Essa atitude coincide com a filosofia simples por trás
do FYS.
"O grupo é dedicado a todos nós
que tendemos a acumular, acumular e a preencher espaços que
poderiam ser usados para algo mais interessante do que um depósito
ou um coletor de poeira", diz uma descrição na
página da comunidade.
O casal de brasileiros Karin Hueck e Fred Di Giacomo
Rocha, idealizadores do projeto Glück Project, também recorreu
à plataforma para se desfazer de seus pertences, ao voltarem
para o Brasil após um ano de Berlim.
"Foi um misto de comodidade e também
de querer ajudar", justifica Karin.
Ao total, eles doaram um sofá-cama, duas araras,
cabides, almofadas, ferro de passar e cobertores.
A brasileira lembra que uma das formas mais comuns de doar as coisas
em Berlim era apenas deixá-las na calçada.
"Todo dia, trombava com colchões, sofás,
televisões e até uma geladeira em bom estado, que alguém
havia deixado na rua para quem quisesse levar. Deixei a minha horta
[portátil] na rua no dia em que fomos embora, e em cinco minutos
alguém já havia levado para casa."
Fenômeno em expansão
O fenômeno não é uma exclusividade
alemã: já existem grupos de Free Your Stuff em cidades
como Nova Iorque e Barcelona. Mas, na Alemanha, observa-se uma verdadeira
febre: Berlim, Bonn, Colônia, Hamburgo, Munique, Stuttgart, Leipzig,
Nurembergue, Dresden, Frankfurt, Düsseldorf… É rara
a cidade alemã que não tenha o seu FYS.
Karin Hueck acredita que o fenômeno tenha ligação
com uma cultura, observada sobretudo em Berlim, de valorização
de coisas mais baratas e usadas. E compara:
"No Brasil, talvez por causa da grande pobreza
da população, não existe esse fetiche. Pelo contrário,
as pessoas sentem a necessidade de se afastar da aparência mais
simples, valoriza-se o novo, o ‘diferenciado', o caro e as coisas
em bom estado de conservação", avalia.
Karin dá um palpite por que iniciativas como
o FYS ainda são escassas no Brasil:
"Acho que algo parecido acontece de forma mais
espontânea. Sempre doei muita coisa que tinha em casa, mas geralmente
oferecia primeiro para a faxineira ou para os porteiros do prédio.
Sinto que, por causa da desigualdade social, há sempre muita
gente proxima que precisa do que estamos doando. Então não
é preciso divulgar na internet ou marcar um horário
para entrega."
Para disseminar a prática, o FYS encoraja internautas
do mundo todo a abrirem comunidades do gênero em sua própria
cidade, tendo o cuidado, é claro, de se aterem às regras.
Segundo as diretrizes, fica proibido oferecer qualquer coisa em troca
de dinheiro, e posts nessa linha costumam ser deletados sem aviso prévio.
A doação de animais também é vetada, justamente
porque não se enquadram em "stuff".
Escambo e compartilhamento
Numa linha semelhante, surgiram na Alemanha comunidades
Change your Stuff (Troque suas coisas). Foi lá
que o londrinense Guilherme Santana conseguiu uma barganha.
"Eu troquei a cafeteira por um quilo de banana
– saiu, literalmente, a preço de banana! Gosto de pensar
que é uma cafeteira que funciona a menos no lixo. Pronto, outro
ponto positivo: menos lixo também", reflete.
Sua noiva, a curitibana Camila Collita, também
já participou do escambo, levando para casa um programa Photoshop,
de edição de imagens, em troca de legumes. Guilherme só
chama a atenção para a "logística do movimento":
"Quando alguém anuncia alguma coisa,
você precisa ser bem rápido para responder que está
interessado e também ter a disponibilidade de buscar o objeto
dentro da data pedida. Já perdi alguns itens por não
ter tempo ou não ter como ir buscá-los."

Guilherme e Camila levaram para casa uma cafeteira
e um Photoshop
Outro movimento que ganha cada vez mais adeptos no país é
o Foodsharing.de, uma plataforma criada no final de
2012 para o compartilhamento de alimentos entre indivíduos.
"O grande sucesso do Foodsharing levou cada
vez mais pessoas a se engajarem contra o desperdício e a coletarem
em mercados e lojas o excedente de alimentos para redistribuição",
explica André Piotrowski, embaixador da plataforma em Bonn.
Ele comenta que a cada ano é desperdiçado
cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos ainda em bom estado,
sobretudo frutas e legumes, ou seja, "de 30% a 50% da produção
total de alimentos". Só na Alemanha, em 2013 a iniciativa
salvou da lata do lixo 400 mil quilos de comida.
"De um punhado de ativistas no início
do movimento, a plataforma hoje tem cerca de 6 mil foodsaverse mais
de 600 empresas doadoras", conta André.
Livros, caronas e outros
Uma dessas "salvadoras" é Johanna
Nolte.
"Passo nos mercados duas vezes por semana para
coletar legumes que não foram vendidos, sempre tudo em bom
estado. Uma padaria também me liga para me avisar quando tem
excesso de pão", relata a jovem de 23 anos.
"Separo uma parte para mim e depois ofereço a vizinhos
e amigos. O restante, eu anuncio pelo Facebook."

Excedente de pães ofertados por Johanna
Esse senso de comunidade pode ser observado numa série de outras
iniciativas pelo país.
Para quem quer alimentar também o espírito, surgiram os
Offene Bücherschränke (Estantes de livros abertas),
uma ideia posta em prática em 2003, em Bonn, pela então
estudante de arquitetura Trixy Royeck. A cidade hoje já conta
com nove dessas pequenas bibliotecas livres, onde é possível
deixar e pegar livros sem burocracia ou custo algum.
Já na área dos transportes, por exemplo, é possível
economizar com caronas ofertadas na internet através de sites
como o Mitfahrgelegenheit.de ou Blablacar.de. Quem anda de metrô
pode até viajar de graça no Ticketteilen.org, que estimula
usuários do transporte público de Berlim a compartilharem
seus passes que dão direito a levar mais passageiros, fora dos
horários de pico.
Fonte: http://dw.de/p/1D5Uz
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