17/05/2014
Ação pública pede retirada de vídeos
do YouTube alegando que o conteúdo publicado ofende crenças
afro-brasileiras
Decisão em primeira instância da Justiça Federal
negou pedido afirmando que essas doutrinas não tem traços
de religião
- matéria publicada por O Globo -
Ministério Público Federal (MPF) do Rio recorreu ao Tribunal
Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) contra uma decisão
em primeira instância da Justiça Federal que não
reconhece crenças afro-brasileiras como religiões.
No começo deste ano, o MPF entrou com uma ação
pedindo que fossem retirados do YouTube, pela Google Brasil, vídeos
considerados ofensivos a umbanda e candomblé.
Um dos vídeos mostra a entrevista de um "ex-macumbeiro,
hoje liberto pelo poder de Deus". Ao negar o pedido, porém,
o juiz Eugenio Rosa de Araújo, da 17ª Vara
Federal do Rio, argumentou que“manifestações religiosas
afro-brasileiros não se constituem religião”. A
decisão diz ainda que essas práticas não contêm
traços necessários de uma religião. O Ministério
Público já reapresentou a ação, criticando
as afirmações do magistrado.
Adolescente carioca, vítima de preconceito
religioso,
segura sua guia (delogum) e veste a saia baiana, símbolos do
candomblé
- Laura Marques / Agência O Globo
O juiz responsável afirmou na sentença que umbanda e
candomblé "não contêm os traços necessários
de uma religião a saber, um texto base (corão, bíblia
etc) ausência de estrutura hierárquica e ausência
de um Deus a ser venerado".
O MPF critica dizendo, em sua página oficial na internet: “ao
invés de conceder a tutela jurisdicional adequada, diante das
graves violações que estão ocorrendo, a decisão
excluiu do âmbito de proteção judicial grupos e
consciências religiosas, ferindo assim, por exemplo, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (...) e a Constituição
Federal”.
Para o babalorixá do candomblé Ivanir dos Santos,
o argumento do juiz de que as religiões devem se basear em um
livro central é equivocada e fruto de desconheciento.
- Isso é milenar: em muitas religiões, a palavra de deus
é passada pela cultura oral, e não pela escrita. Além
de tudo, essa decisão fere a Constituição.
A ação do MPF é resultado de uma representação
movida pela Associação Nacional de Mídia Afro.
A organização levou ao conhecimento da Procuradoria Regional
dos Direitos do Cidadão os conteúdos de alguns dos vídeos
divulgados no YouTube. O órgão alegava, para pedir a retirada,
que o material estaria disseminando o preconceito, a intolerância
e a discriminação a religiões de matriz africana.
O primeiro pedido para retirada dos vídeos aconteceu no começo
do ano, segundo o site do MPF. O recurso não alcançou
resultado à época, daí o novo recurso judicial.
O procurador Jaime Mitropoulos afirmou, em seu recurso
que “mensagens que transmitem discursos do ódio não
são a verdadeira face do povo brasileiro e tampouco representam
a liberdade religiosa no Brasil”. Ele afirma, ainda, que “esses
vídeos são exceções e como exceções
merecem ser tratados. O povo brasileiro não comunga com a intolerância
religiosa”.
Ao Globo, o procurador afirmou que a decisão é "absurda".
- Tão ou mais grave que os vídeos é esse conteúdo
da decisão judicial que tenta amesquinhar as religiões
de matrizes africanas. A sentença contraria a Declaração
Universal dos Direitos Humanos e à Constituição
Federal - afirmou Mitropoulos.
No recurso apresentado, o MPF pede ao TRF-2, liminarmente, a retirada
imediata de 15 vídeos com mensagens que fazem apologia da violência
e do ódio.
Fonte:
http://oglobo.globo.com/sociedade/mpf-recorre-de-decisao-da-justica-que-nao-reconhece-umbanda-candomble-como-religioes-12507234#ixzz31ytGni9c
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Para os desavisados, isso pode fundamentar ações
malucas’, diz sacerdote candomblecista
Márcio de Jagun, da Associação Nacional de Mídia
Afro, critica decisão de juiz que negou retirada de vídeos
ofensivos de web. Magistrado alega que candomblé e umbanda não
são religiões
por Juliana Prado / Luã Marinatto

Renato Dobaluayê observa intolerância
cada vez maior
e diz que juiz não conhece religiosidade - foto: Daniela Dacorso
Um despacho de um juiz carioca que rejeitou a retirada de vídeos
ofensivos postados na internet contra praticantes de umbanda e candomblé,
alegando que tais crenças “não constituem religião”,
abriu uma verdadeira guerra santa no judiciário. O procurador
da República Jaime Mitropoulos, do Ministério Público
Federal (MPF), recorreu da decisão de Eugenio Rosa de Araújo,
da 17ª Vara Federal do Rio, suscitando mais uma vez o debate sobre
o preconceito e a intolerância que cercam os ritos afro-brasileiros,
em declínio nas últimas décadas num país
que assiste a um crescimento exponencial do número de evangélicos
neopentecostais, tradicionais perseguidores de umbandistas e candomblecistas.
Ao negar a retirada, pelo YouTube, de 15 vídeos que denigrem
e deslegitimam as práticas afro-brasileiras, postados por pastores
ou representantes de igrejas evangélicas, Eugenio Rosa de Araújo
sustenta que uma religião deve ser baseada num livro central,
como o Corão ou a Bíblia, e que deve ter um “deus
único a ser venerado”. Procurado, o juiz, que é
autor do livro “Resumo de Direitos Humanos” informou, por
meio da assessoria de imprensa do Tribunal Regional Federal, que não
daria entrevista.
-
neste link acesso para os vídeos no YouTube -
Tanto Mitropoulos quanto líderes religiosos e estudiosos são
unânimes em atacar a definição dada pelo juiz ao
conceito de religião e dizem se tratar de um caso de preconceito.
- Essa decisão é absurda. Tão ou mais grave
que os vídeos é o conteúdo da decisão
judicial, que tenta amesquinhar as religiões de matrizes africanas.
A sentença contraria a Declaração Universal dos
Direitos Humanos e também a Constituição Federal
- afirmou o procurador, reforçando que os vídeos disseminam
o ódio, o preconceito e a intolerância. - O povo brasileiro
não comunga com a intolerância religiosa.
Na noite desta sexta-feira, 16/05/2014, mais de cem adeptos da umbanda,
do candomblé e do espiritismo reuniram-se em frente à
Assembleia Legislativa do Rio, no Centro da cidade, para questionar
a postura do juiz. O ato foi organizado pelo Centro de Referência
Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana.
- Como ele escreve e assina uma coisa dessas? Estamos indignados
- disparou Mãe Juçara de Iemanjá. - Esse evento
é em prol da liberdade religiosa.
Queremos poder caminhar na rua com nossas roupas, nossos fios de ponta.
Andar sem nos olharem de um jeito esquisito... Independentemente da
religião, somos seres humanos.
A polêmica começou com uma ação movida em
fevereiro pela Associação Nacional de Mídia Afro
(ANMA), com sede no Rio. O grupo pedia ao MPF que acionasse a Justiça
para pedir ao Google, proprietário do YouTube, que retirasse
o material ofensivo do ar.
Um dos vídeos mostra uma mulher que se descreve como “ex-macumbeira”
dando depoimento sobre como se converteu a uma religião neopentecostal.
Em outro, é exibida uma “entrevista com o encosto”.
Os autores da ação questionam também uma entrevista
“com um ex-macumbeiro, hoje liberto pelo poder de Deus”.
Outro exemplo do material questionado judicialmente é o que mostra
um “jovem ex-pai de santo manifestando um demônio na hora
da Reconciliação”.
Gravações em igrejas neopentecostais
Em parte do material, as afrontas às religiões de matriz
africana ocorrem dentro de tempos neopentescostais. Na ação
movida movida pelo MPF, o procurador Mitropoulos elenca, em detalhes,
cada filme veiculado e descreve seu conteúdo, questionando pontos
que considera ofensas ao candomblé e à umbanda.
Interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância
Religiosa, o babalaô (sacerdote do candomblé) Ivanir dos
Santos diz que a sentença do juiz federal contém uma opinião,
que é “preconceituosa e demonstra ignorância sobre
as religiões de matriz africana”.
- Isso é milenar: em algumas religiões, a palavra de
Deus é passada pela cultura oral, e não pela escrita.
É assim até hoje na Nigéria, por exemplo - ele
explica. - No Estado laico, você recorre à Justiça
para defender minorias, e o que acontece? Um representante dele fere
a Constituição.
Um dos autores da ação que pede a retirada dos vídeos
do ar, o presidente da Associação Nacional de
Mídia Afro, Márcio de Jagun, também sacerdote
candomblecista, lamenta a intolerância contida nos vídeos
e, igualmente, o conteúdo da decisão do juiz de primeira
instância:
- Foi um infeliz comentário. Para os desavisados, isso pode
fundamentar ações malucas. Ora, se o juiz diz que a
religião não existe, para os mais radicais é
um prato cheio. Vamos insistir na retirada dos 15 vídeos absurdos
do ar.
Pelo Facebook, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) disse
que a decisão é “fruto do fundamentalismo religioso
que avança sobre os poderes da República”.
“Precisamos ficar atentos a essas manobras que perseguem, acuam
e tentam destruir o que não está de acordo com o que
o fundamentalismo religioso determina como correto (...) O ataque
à umbanda e ao candomblé é também um ataque
de viés racista por se tratar de religiões praticadas
sobretudo por pobres e negros. Mas é, antes, uma disputa de
mercado. O que os fundamentalistas pretendem é atrair os adeptos
- e, logo, o dinheiro deles - para suas igrejas. E, como vivemos sob
uma cultura cristã hegemônica, é óbvio
que as igrejas fundamentalistas levam a melhor”, escreveu o
deputado.
“O que esperamos do Judiciário é o mínimo
de justiça que possa colocar freios à intolerância
e possa assegurar a pluralidade.”
O babalorixá Renato Dobaluayê lembra
que há três anos a presidente assinou um projeto criando
o Dia Nacional da Umbanda, em 15 de novembro e acredita que o juiz é
bom nas leis, mas fraco no conhecimento de religiosidade.
- Foi um ato de discriminação. A intolerância
está cada vez maior, às vezes vem revestida numa capa
de racismo. Em outros casos, em algumas comunidades, por exemplo,
os sacerdotes (do candomblé) são proibidos - conta.
Não é de hoje que a intolerância religiosa no Brasil
vem tomando lugar central na discussão sobre direitos humanos.
O caso carioca corrobora um problema nacional e expõe as feridas
da escravidão, bem como o aparecimento do fenômeno da intolerância
religiosa, algo que se acreditava tênue por aqui. Na visão
de Ivanir dos Santos, existe uma disputa de poder político danosa
embutida na polêmica.
- Quando se adota esse discurso de raiva e crítica a uma religião,
você ganha força e diminui o poder das outras religiões,
no caso aqui as de matriz africana. Existe um projeto econômico
e político nisso.
O babalaô, no entanto, diz que a coletividade de praticantes
de religiões neopentescotais não é culpada.
- Não temos que combater os evangélicos, mas sim a
intolerância. Há muitos pastores que nos apoiam. Quem
se diz cristão não pode discriminar - pondera.
A antropóloga e professora da UFRJ Yvonne Maggie,
especializada em religiões afro, chama atenção
para um fenômeno que não deveria dominar o ambiente do
Estado.
- O Estado deveria, de alguma maneira, manter-se mais ou menos isento.
Existe uma disputa religiosa, hoje.
A especialista não teve acesso ao conteúdo dos vídeos,
mas classifica a argumentação da sentença como
“absurda e que mostra desconhecimento da antropologia da religião”.
Ela reforça a ideia de que muitas religiões não
se apoiam em livros.
Metade dos terreiros atacada
Um levantamento realizado ano passado pela PUC-Rio, dentro do Mapeamento
das Casas de Religiões de Matriz Africana do Estado do Rio, traduziu
em números as perseguições impostas aos praticantes
de religiões afro-brasileiras. Segundo o estudo, de 847 casas
pesquisadas desde 2008, 430 disseram que sofreram algum tipo de intolerância
religiosa. Os alvos eram os prédios dos centros das manifestações
religiosas ou os próprios seguidores. Ataques, pichações,
xingamentos, tentativa de proselitismo e até invasões
foram registrados.
Também no início do ano passado, a Secretaria especial
de Direitos Humanos, ligada à presidência da República,
baixou uma portaria em que criou o Comitê Nacional da Diversidade
Religiosa. O órgão reúne entidades de caráter
ecumênico. A proposta foi receber denúncias de intolerância
religiosa, mas também tentar encaminhar soluções.
Ontem, por meio da sua assessoria de imprensa, a secretaria afirmou
apoiar a decisão do MPF de recorrer da decisão do juiz
carioca.
Nas últimas décadas, o preconceito e as conversões
fizeram com que o número absoluto de praticantes de religiões
de matriz africana caísse no país. De 1991 a 2010, o total
somado de fiéis da umbanda (ainda a mais numerosa) e do candomblé
passou de 575 mil para 572 mil pessoas, enquanto o total da população
brasileira foi de 147 milhões para 190 milhões, sempre
segundo o Censo do IBGE. Levando-se em conta apenas a umbanda, a queda
fica evidente: eram 542 mil os seguidores em 1991, e passaram a ser
407 mil, em 2010. Enquanto isso, os evangélicos passaram de cerca
de 13 milhões para 42,3 milhões.
Fonte:
http://oglobo.globo.com/sociedade/para-os-desavisados-isso-pode-fundamentar-acoes-malucas-diz-sacerdote-candomblecista-12518861
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