20/04/2014
Prevenção de suicídio se livra de um tabu: falar
sobre tentativas de suicídio
por Benedict Carey
The New York Times
Dese'Rae Stage, que tentou se matar em 2006 e criou
uma exposição de fotos on-line de pessoas que sobreviveram
a tentativas de suicídio
/ Michael Appleton/The New York Times
O relacionamento se tornou intoleravelmente abusivo
e, após um duro telefonema certa noite, parecia que só
havia uma única forma de eliminar a dor. Vinho e pílulas
suficientes deveriam fazer o trabalho - e teriam, se os paramédicos
não tivessem arrombado a porta, alertados pelo namorado dela.
"Eu raramente conto a história em detalhes
publicamente, por causa do que ela desencadeia", disse Dese'Rae
L. Stage, 30, fotógrafa e escritora que vive no Brooklyn e
tentou se matar em 2006.
"Eu falo sobre o que levou a isso, quão impotente eu me
sentia, e o que aconteceu depois."
A organização de prevenção
de suicídio mais antiga do país, a Associação
Americana de Suicidologia, decidiu, em uma votação de
seu conselho na semana passada, reconhecer uma porção
vasta, porém historicamente invisível, de seus membros:
pessoas, como Stage, que tentaram se matar, mas sobreviveram.
Cerca de 1 milhão de adultos americanos por ano faz uma tentativa
fracassada de suicídio, sugerem pesquisas, superando em muito
os 38 mil que conseguem, e, nos últimos anos, um grande número
deles passou a se reunir nas redes sociais e em outros foros para exigir
uma maior participação nos esforços de prevenção.
Planos para oradores sobreviventes dispostos a contar suas histórias
estão em andamento, assim como pesquisas para medir o efeito
desses depoimentos sobre o público. Por décadas, as organizações
de saúde mental contam com oradores com esquizofrenia, transtorno
bipolar e depressão. Mas, até agora, suicídio era
virtualmente tabu, devido não apenas à vergonha e ao estigma,
mas também pelo temor de que falar a respeito do ato poderia
dar aos outros ideias sobre como fazê-lo.
"Trata-se de uma verdadeira
mudança", disse Heidi Bryan, 56, de Neenah, Wisconsin,
que há anos fala sobre as tentativas de suicídio que
fez nos anos 90.
"Para pessoas que trabalham na prevenção de suicídios,
elas sempre nos dizem para não falarmos sobre nossa própria
experiência, como se tivessem medo de nos empurrar além
do limite ou algo assim. Honestamente, nós somos as pessoas
que sabem o que funciona e o que não funciona."
Em um momento de crescente preocupação
com o suicídio entre veteranos militares e estudantes universitários,
os especialistas esperam que os sobreviventes possam oferecer um novo
entendimento. O suicídio é um evento relativamente raro,
e suas vítimas ficam para sempre no silêncio, de modo que
os médicos sabem muito pouco sobre como preveni-lo. Nenhuma política,
droga ou intervenção demonstrou uma redução
confiável no risco de suicídio, dizem os pesquisadores,
exceto em circunstâncias muito específicas, como as horas
após uma pessoa chegar a uma cela de cadeia. O fator de risco
mais forte para suicídio é uma tentativa anterior. Aproximadamente
7% das pessoas que tentaram uma vez e sobreviveram morrem posteriormente
por suas próprias mãos, uma taxa 30% maior que de pessoas
que não tentaram antes.
"Nós pesquisadores
nunca exploramos o potencial de trabalhar com sobreviventes de tentativa
de suicídio", disse Matthew K. Nock, um professor de psicologia
de Harvard. "Há o potencial de aprender com eles, não
apenas mais sobre a própria experiência, mas a respeito
de tratamentos e onde estão as falhas em nosso entendimento."
Pessoas que sobreviveram a uma
tentativa e vão a público costumam dizer que o tratamento
que receberam depois --trancados em uma ala de hospital, com pouca chance
de se abrir com um prestador de cuidados solidário-- foi desumano.
Elas descrevem encontrar um tabu contra falar sobre suas experiências
não apenas entre médicos e terapeutas, mas também
entre parentes e amigos. E identificam poucos ou nenhum grupo de apoio;
a maioria é dirigido por e para parentes e amigos de pessoas
que cometeram suicídio - e costumam nutrir uma revolta contra
o egoísmo do ato.
"Basicamente, você
é punida por falar a respeito, para onde quer que se volte",
disse Leah Harris, 38, de Arlington, Virgínia, que trabalha
para o Centro Nacional de Empoderamento, uma organização
de pacientes psiquiátricos recuperados, e que falou sobre sua
própria tentativa aos 16 anos com medicamentos prescritos.
"Mesmo em ambientes de tratamento, todo tipo de intervenção
é aplicada em você caso a mencione. Então você
simplesmente aprende a se calar."
Harris e Stage, que criaram uma
exposição de fotos de sobreviventes postada em LiveThroughThis.org,
estão entre dezenas cujas histórias estão se tornando
conhecidas na internet e pelas redes sociais. Outros incluem Kevin Hines,
que pulou da Ponte Golden Gate em 2000 e sobreviveu; e Craig A. Miller,
cujo livro, "This Is How It Feels", descreve sua tentativa
de se matar com medicamentos prescritos e sua recuperação.
"Para algumas pessoas,
a experiência é uma parte central de sua identidade;
para outras, é uma experiência que aconteceu e que superaram
--independentemente de serem um contador, um triatleta, um artista,
o que quer que seja", disse William Schmitz Jr., psicólogo
em Baton Rouge, Louisiana, e presidente da associação
de prevenção de suicídio.
"Essa é a melhor propaganda para que a pessoa receba tratamento,
mostrando que as pessoas melhoram e levam vidas plenas e produtivas."
Não será simples
determinar que esforços de prevenção funcionarão.
O suicídio não é um diagnóstico, mas um
ato imprevisível. Programas de aconselhamento por pares ajudam
pessoas que têm esquizofrenia ou vício, por exemplo, mas
é muito mais difícil identificar pessoas com risco de
suicídio, que possam ser ajudadas pelo contato com sobreviventes
de tentativas de suicídio.
Um projeto de pesquisa em andamento testará se pessoas falando
publicamente sobre suas experiências de sobrevivência ao
suicídio pode reduzir os preconceitos do público contra
pessoas como elas.
"O que descobrimos, na
maioria dos transtornos mentais, é que a educação
por si só não afeta muito o estigma - mas o contato
sim", disse Patrick Corrigan, psicólogo do Instituto de
Tecnologia de Illinois, que está trabalhando com o Centro para
Dignidade, Recuperação e Eliminação do
Estigma, com sede em San Francisco, que montou um birô de oradores.
"Nós esperamos encontrar o mesmo aqui."
Fonte:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2014/04/19/prevencao-de-suicidio-se-livra-de-antigo-tabu-falar-sobre-tentativas.htm
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