04/03/2014
Evangélicos norte-americanos implicados
na perseguição aos homossexuais na Uganda
Na Uganda, alguns políticos querem punir o homossexualismo
com a pena de morte. Defensores dos direitos humanos se movimentam contra
a proposta. O debate coloca em foco evangélicos norte-americanos
que operam no Uganda.

Líder religioso faz discurso
homofóbico durante manifestação
anti-gay no Uganda, no ano de 2010
Em março de 2012, uma organização de defesa dos
direitos dos homossexuais do Uganda processou judicialmente um pastor
evangélico nos Estados Unidos da América por incitação
e conspiração. O processo baseia-se na lei que regula
as reivindicações estrangeiras no país, como a
do transexual Victor Mukasa, de 37 anos.
"Diariamente somos vítimas das atividades
desses evangélicos," afirma.
Em uma sala de conferências da Catedral Nacional,
em Washington, nos Estados Unidos, Mukasa, que agora vive no país,
relembra as vivências em sua terra natal, o Uganda. Ele conta
que se debateu, por muitos anos, com o conflito entre sua fé
e sua orientação sexual.
Na época, procurou ajuda em uma igreja evangélica no Uganda,
mas terminaria sendo abusado.
“Enquanto
estava despido, nu, durante um dos eventos, homens me tocavam, incluindo
a região genital, onde é o centro de todo o mal, para
expulsar a homossexualidade e o espírito de garoto que eles
viam em mim,” descreve.
"Somos vítimas das atividades desses
evangélicos diariamente," afirma Victor Mukasa
Perseguição aos homossexuais
Antes, Victor Mukasa foi diretor da organização não-governamental
Minorias Sexuais Uganda (SMUG, na sigla em inglês), que se empenha
pela igualdade de direitos para gays, lésbicas, bi e transexuais
no país.
Esta é uma luta corajosa, porque a homossexualidade
é severamente punida por lá. Há alguns anos, o
apartamento de Victor Mukasa foi vasculhado e ele apreendido e interrogado
pela polícia.
Alguns políticos do Uganda demandam punição para
homossexuais, em determinadas circunstâncias até mesmo
com a pena de morte. O protesto internacional impediu até agora
a aprovação do projeto de lei que viabiliza a ideia.
O Uganda pode ser chamado de "Meca dos Missionários”.
Isso fica claro também no filme "God Loves Uganda"
ou "Deus Ama o Uganda", para a apresentação
do qual Victor Mukasa veio à catedral de Washington, nos Estados
Unidos.
O documentário conta o que leva missionários, sobretudo
jovens norte-americanos ao Uganda e como eles trabalham lá. A
maioria quer lutar contra a pobreza e a fome e disseminar a sua fé
no país, que também é chamado de "Pérola
de África".
Papel dos evangélicos norte-americanos
Para outros evangélicos, porém, o Uganda é a arena
de um choque de civilizações que parecem ter perdido há
muito tempo em seu próprio país: a luta pelo casamento
tradicional. Porque nos EUA, a homossexualidade é cada vez mais
aceita, por exemplo, e aumenta a aprovação do casamento
entre pessoas do mesmo sexo.
Jeff Sharlet é jornalista, escritor e professor
de inglês no Dartmouth College, no estado norte-americano de New
Hampshire. Há anos, se ocupa com os interesses políticos
dos evangélicos no Uganda.
No centro de sua pesquisa está a chamada "Família",
um grupo político-cristão, ao qual pertencem também
membros da elite política do país. O grupo opera, em grande
parte, secretamente, para difundir as suas opiniões religiosas
e políticas – nacional e internacionalmente.
O livro "A Família" ("The
Familiy"), de Jeff Sharlet,
que pesquisa os interesses dos evangélicos norte-americanos no
Uganda
Um evento público é realizado anualmente: o National Prayer
Breakfast (algo como Café da Manhã em Oração
Nacional), que acontece em Washington. Tradicionalmente, também
o presidente em exercício participa, por pelo menos uma vez em
seu mandato.
"Há um grupo parlamentar
ugandês que se encontra semanalmente, nos escritórios
dessa organização, para pensar sobre como podem mudar
as leis do país de forma que elas estejam em conformidade com
a compreensão que têm dos princípios bíblicos,”
explica Sharlet.
Políticas anti-homossexualismo
Em 2009, o político ugandês David Bahati criou o
projeto de lei, segundo o qual, em certas circunstâncias, o homossexualismo
deve ser punido com a pena de morte – e se sentiu apoiado pelos
norte-americanos. Segundo Sharlet, há, no entanto, controvérsias.
“Os americanos envolvidos
dizem que o teriam aconselhado a ser mais prudente em relação
a isso. Porém, Bahati diz ter recebido luz verde para ir adiante,”
conta.
Depois que o projeto de lei estava
pronto, diz Sharlet, os norte-americanos evitaram por muito tempo comentar
o assunto. Primeiro, se distanciaram do documento. Até que, devido
à atenção da mídia ao caso, não puderam
fazer diferente.
Um americano que também se distanciou da dura lei é o
pastor evangélico Scott Lively. Ele vive e prega em Springfield,
uma pequena cidade de cerca de 150 mil habitantes em Massachusetts e
nega ter apoiado a prisão por homossexualidade.
Lively garante:
“Nunca fiz isso. Essa
é uma falsa afirmação por parte dos gays e aliados
da mídia. Nunca, jamais, estive a favor da pena de morte para
isso.“
O pastor evangélico diz
considerar bons os motivos que levaram à criação
do projeto de lei no Uganda.
“Querem proteger a sociedade
deles de ser homossexualizada. O mesmo está acontecendo em
outros países. Estão preservando a liberdade religiosa
e os valores da família. Eles apenas vão muito longe
na linguagem das leis para fazê-lo,” avalia.
Depois da publicação de
uma fotografia sua no jornal "Rolling Stone"
com um apelo à pena de morte, o ativista homossexual ugandês,
David Kato, foi assassinado no ano de 2011
Deus seria contra o homossexualismo, Lively está
convencido disso. E assim como o pastor veio a Springfield para "recristianizar"
a cidade, foi também para o Uganda para espalhar seus valores
por lá. Infelizmente, explica, a mensagem teria sido mal interpretada.
“O que recomendei ao
Governo ugandês foi focar em terapia reparadora e em prevenção,
treinando as crianças para o casamento por meio do sistema
da escola pública,” explica o evangélico.
“E se você faz isso, você vacina a sua população
contra a ética da revolução sexual, minimiza
o número de crianças que partiria para um estilo de
vida de perversão e protege a sua sociedade desta forma,“
completa.
Que seus conselhos – mesmo que só tenham
sido como ele diz – possam ser mal interpretados, Scott Lively
não acredita. Não existe violência contra os homossexuais
no Uganda, afirma o pastor.
O "Holy Grounds Coffee House" ("Casa
de Café Etrra Sagrada")
do pastor evangélico homofóbico Scott Lively, em Springfield
Processo judicial
A organização de defesa
dos direitos dos homossexuais do Uganda, SMUG, discorda e, em março
de 2012, entrou com uma ação judicial contra o pastor
Scott Lively nos Estados Unidos, fundamentada na lei que regula as reivindicações
estrangeiras no país. A acusação é de incitação
e conspiração.
A organização exige uma compensação
financeira. Pam Spees, advogada do Centro para os Direitos Constitucionais
de Nova Iorque, representa a ONG ugandesa no processo. Desde 2002, diz
a advogada, Scott Lively teria se encontrado diversas vezes com os políticos
no Uganda.
Para Spees, Scott Lively seria um dos principais estrategistas em remover
os direitos da comunidade de gays, lésbica, bi e transexuais.
“O fato
de que ele incita e causa pânico entre a população
e os políticos é apenas uma parte. Mas o decisivo é
que ele quer tirar os direitos deste grupo,” considera.
O "Holy Grounds Coffee House",
serve café e bolo
gratuitos aos que participam de estudos bíblicos
O pastor considera a acusação "um
absurdo". Seus advogados solicitaram o encerramento do processo.
Numa audiência no Tribunal de Springfield, em 7 de Janeiro, o
juiz Michael Ponsor queria saber exatamente o quanto a retórica
de Lively pretendia se sobrepor ao direito à liberdade de expressão,
garantido pela Constituição dos Estados Unidos.
Algo que poderia inviabilizar o processo: recentemente, a Suprema Corte
dos Estados Unidos decidiu, em um caso semelhante, que nem sempre os
estrangeiros têm o direito de apresentar acusações
de violação do direito internacional nos Estados Unidos.
Repercussão, expectativas e reflexões
Mas em Springfield, o processo contra
o pastor Scott Lively é bem-vindo. Holly Richardson é
chefe do Out Now (Fora Agora, na tradução literal para
o português), um grupo de gays, lésbicas, bi e transexuais
em Springfield. Para ela, mais importante que o resultado do processo
é informar o público sobre Scott Lively.
“Veja, este homem tem atraído
as atenções de forma que realmente mostra o que ele
está tramando e temos que continuar a dizer isso às
pessoas,” diz Richardson.
Warren Throckmorton,
professor de psicologia no Grove City College, da Pensilvânia,
tinha antes a opinião de que a homossexualidade teria cura. Atualmente,
ele se opõe a uma correspondente "terapia” e até
mesmo se mobiliza contra a lei anti-gay do Uganda.
A "Família", aquela organização cristã
conservadora, teria sido surpreendida pelos desenvolvimentos no Uganda,
argumenta Throckmorton, criticando a reação de protesto
muito silenciosa dos evangélicos norte-americanos contra os políticos
homofóbicos e líderes religiosos no Uganda.
"Penso
que com seu apoio, os norte-americanos lhes dão um motivo para
não considerar que talvez haja um outro modo de pensar sobre
estas questões,” pondera.
No Uganda, a lei
radical contra os homossexuais provavelmente não será
aprovada da forma como está. Apesar disso, os ativistas de direitos
humanos consideram que o dano já foi causado.
Fonte:
http://dw.de/p/19I82
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