09/07/2012
Larissa Leiros Baroni
Do UOL, em São Paulo
A fila se forma antes mesmo da van chegar. Alguns esperam
ansiosos pela única refeição do dia; outros, mesmo
que tenham almoçado, marcam presença como prevenção,
já que não sabem o que os espera no dia seguinte. Há
ainda aqueles que buscam um alimento quente para a noite fria da capital
paulista, característica do inverno. Às 20h30 --em ponto--,
os voluntários da Turma da Sopa chegam ao viaduto Condessa de
São Joaquim, no centro de São Paulo, para servir cerca
de 300 moradores de ruas.
As duas panelas de 50 litros demoraram menos de 40 minutos para acabar.
Carne, abobrinha e batata eram alguns dos ingredientes da sopa de legumes,
que transbordava seu cheiro por todo o quarteirão. Muitos pegaram
a fila mais de uma vez. Teve até moradores que garantiram a marmita
do dia seguinte – seja em um pote plástico ou em uma garrafa
pet cortada ao meio.
A ação se repete sagradamente das segundas às quintas-feiras
há aproximadamente 19 anos, conforme informou o voluntário
Fernando Arruda, 26, que coordenou a distribuição nos
trabalhos da última quinta-feira (28).
Mas essa tradição pode estar ameaçada. A Secretaria
Municipal de Segurança Urbana planeja acabar com o sopão
nas ruas de São Paulo.
Segundo reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo", a distribuição
de sopas realizada por 48 instituições nas ruas do centro
poderá ser proibida em um prazo de 30 dias. O sopão, de
acordo com a proposta, passará a ser distribuído exclusivamente
em uma das nove tendas da prefeitura, conhecidas como espaços
de convivência social, que atendem pessoas sem teto na capital.
29.jun.2012 - "Sopão é que me
salva", diz Priscila dos Santos (esq.), 19,
que mora na rua há cerca de um ano,
e protesta contra possível proibição em São
Paulo.
- Fernando Donasci/UOL
A notícia, além de ter gerado protestos nas redes sociais
e inspirado um "sopaço", também causou alvoroço
entre os moradores de rua. Ao identificarem a presença de nossa
equipe no local, muitos --com o prato de sopa na mão-- gritavam:
"Fora Kassab". Um deles até compôs uma música
em forma de protesto: "Kassab vai para lá; não fica
mais cá; em outro vamos 'votá'".
Para a aposentada Cecília Pereira dos Santos, 74, o fim do sopão
ou mesmo a transferência de sua distribuição seria
"uma tragédia". Ela sai diariamente do Butantã
–onde mora sozinha e com apenas um salário mínimo
e meio no bolso por mês-- para ter direito a sua única
refeição "robusta" diária. "Como
a sopa e guardo o pão que eles oferecem de complemento para o
café da manhã do dia seguinte", conta ela, que lamenta
ao se recordar que a ONG não atua três dias por semana.
"Nesses dias? Tento me virar como posso."
Cecília diz desconhecer o endereço das nove tendas da
prefeitura, mas afirma que essa possível transferência
deixará muitas pessoas, além de desabrigadas, com fome.
"Se for muito longe, para mim vai ser inviável."
A mesma indignação foi expressa por Priscila dos Santos,
19, que mora na rua há cerca de um ano. "Além de
não darem comida para a gente, querem proibir os outros de nos
ajudarem?", questiona ela, que diz comer no Bom Prato quando consegue
juntar algum dinheiro, mas "quando estou dura o sopão é
que me salva".
O secretário de Segurança Urbana, Edsom Ortega, segundo
publicação da "Folha de S.Paulo", afirmou querer
atrair os moradores de rua para os abrigos, que chegam a ter 2.800 vagas
ociosas em alguns períodos do ano. Ao ser informada desta explicação,
Priscila soltou uma gargalhada e disse: "Muitas vezes já
fui procurar vaga em um albergue e ouvi dizer que o local estava cheio,
mesmo sabendo de pessoas de dentro que estava vazio", relata a
moradora de rua.
Posição da prefeitura
Na quinta-feira (28), depois da repercussão negativa da iniciativa,
a prefeitura divulgou uma nota na qual afirmou que a distribuição
de alimentos não será proibida, apenas restrita.
"A Prefeitura de São Paulo informa que não cogita
proibir a distribuição de alimentos por ONGs na região
central da cidade. O que existe é a proposta de que as entidades
ocupem espaços públicos destinados para o atendimento
às pessoas em situação de rua, como as tendas
instaladas pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento
Social. A prefeitura entende que a união das ações
das ONGs com as dos agentes sociais têm potencial para tornar
ainda mais eficazes as políticas de reinserção
social", diz o texto.
Após a divulgação da nota, a assessoria da prefeitura
voltou a reforçar que não se trata de uma proibição,
mas sim de um "convite" às entidades para que passem
a atuar nas tendas.
Prefeitura quer transmitir sua responsabilidade para
ONGs, diz presidente de instituição que há 23 anos
distribui sopão em SP
"A Prefeitura de São Paulo está
querendo transmitir sua responsabilidade para as ONGs", disse
o presidente da instituição Anjos da Noite, Antenor
Ferreira, que há 23 anos distribui alimentos para moradores
de rua, após o anúncio da possível proibição
do sopão na capital paulista.
A proposta da Secretaria Municipal de Segurança Urbana prevê
que o sopão, que atualmente é oferecido voluntariamente
por 48 instituições em vias públicas da região
central, seja distribuído em uma das nove tendas da prefeitura,
conhecidas como espaços de convivência social, que atendem
pessoas sem teto da cidade. A ação está prevista
para ser colocada em prática dentro de 30 dias.

Distribuição de Sopão pode
ser restringida em São Paulo
às tendas da Prefeitura, conhecidas como espaços de convivência
Fernando Donasci/UOL
"Se eles querem atrair os moradores de rua para essas tendas,
por que, então, não oferecem a comida?", questiona
Ferreira, que relaciona essa medida a mais uma das "estratégias"
do prefeito Gilberto Kassab para tentar se "safar de suas responsabilidades".
Em nota oficial divulgada na última quinta-feira (28), a prefeitura
disse que a união das ações das ONGs com as dos
agentes sociais têm potencial para tornar "ainda mais eficazes
as políticas de reinserção social". E enfatizou
que não se trata de uma proibição, mas sim de um
"convite" às entidades para que passem a atuar nas
tendas.
"A palavra 'proibição' só foi substituída
após o reflexo negativo que felizmente a notícia ocasionou
para o nosso prefeito", afirma Ferreira, que também relaciona
a medida a "um falso projeto de reintegração social".
"O que se quer é tentar tapar o sol com a peneira, tirando
os moradores do centro da cidade e levando para lugares mais afastados",
diz ele.
Em contrapartida, o secretário de Segurança Urbana, Edsom
Ortega, alegou quer atrair os moradores de rua para os abrigos, que
chegam a ter 2.800 vagas ociosas em alguns períodos do ano, conforme
publicado pela "Folha de S.Paulo".
"O fato é que não há vagas para todos",
afirmou o presidente da instituição Anjos da Noite.
O problema da nova medida, na opinião de Eduardo Lamonica, 47,
que há cinco anos trabalha como voluntário da Turma da
Sopa, está na centralização e na restrição
da oferta das sopas.
"Assim, possivelmente menos pessoas serão beneficiadas",
supõe ele. "Alimentar esses moradores de rua é
coibir os pequenos assaltos e furtos, que muitas vezes são
cometidos no desespero da fome."
Insalubridade dos alimentos
Na quinta-feira (28), a Secretaria Municipal de Segurança Urbana
afirmou que a proposta de restringir a oferta do sopão tem o
objetivo de "coibir a distribuição insalubre dos
alimentos". Um cuidado que tanto a Anjos da Noite como a Turma
da Sopa disseram ter em todas as fases do processo – desde o armazenamento
dos mantimentos até a preparação e a distribuição
das sopas.
"As comidas são todas feitas no mesmo dia em que são
servidas. E mais: os produtos não perecíveis são
todos comprados no dia ou na véspera da preparação",
aponta Ferreira, que também diz não receber doação
de alimentos prontos, justamente por não saber da procedência
deles.
Precauções similares são tomadas pela Turma Sopa,
que, conforme observou a reportagem do UOL, distribui a sopa em um prato
de isopor, além de oferecer colheres descartáveis para
todos os moradores. Na distribuição, todos os voluntários
usam luvas plásticas e aventais, e as mulheres prendem os cabelos.
"No fim, recolhemos todo o lixo produzido e deixamos a rua limpinha",
diz Lamonica.
E mesmo diante da "ameaça" que o secretário
Ortega fez em "enquadrar administrativamente e criminalmente"
as instituições que insistirem em continuar oferecendo
comida em vias públicas, Ferreira afirma que não interromperá
as atividades da Anjos da Noite, tampouco suspenderá a distribuição
das 800 refeições semanais. "Só pararei caso
a prefeitura me apresente uma justificativa legal para proibir a oferta
gratuita de comida para quem precisa", relata ele, que afirma estar
disposto a entrar na Justiça caso seja necessário.
Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/06/29/prefeitura-quer-transmitir-sua-responsabilidade-para-ongs-diz-presidente-de-instituicao-que-ha-23-anos-distribui-sopao-em-sp.htm
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