09/07/2012
O Conselho Espírita do Estado do Rio
não aderiu ao ensino religioso adotado nas 80 escolas da cidade
do Rio por discordar que os estudantes recebam orientação
de cunho confessional. Em consequência disso, a Secretaria Municipal
de Educação extinguiu as dez vagas que tinha reservado
para professores de espiritismo.
Foram contratados por concurso 45 professores católicos, 35
evangélicos e dez de religiões afro-brasileiras. Todos
tiveram de apresentar recomendação das igrejas as quais
estão ligados. As aulas começam no segundo semestre para
a 4º série.
Cristina Brito, porta-voz do conselho, disse que os interessados poderão
obter gratuitamente conhecimento sobre espiritismo em mais 700 endereços
do Rio.
“Não há sentido pagar para que professores deem
aula da religião nas escolas municipais”, disse.
O Conselho já tinha se manifestado contra o ensino religioso
em 2000, quando o então governador Anthony Garotinho sancionou
lei instituindo essa modalidade confessional nas escolas estaduais.
Em 2002, o Conselho Espírito divulgou documento expondo que
“cabe indiscutivelmente à família a formação
religiosa dos filhos, por não ser função da escola”.
O documento ressaltou, ainda, que “o confessionalismo religioso
nas escolas não é recomendável pois, embora seja
tal ensino facultativo ao aluno, sua inclusão legal em carga
horária curricular poderá acender atavismos (reaparecimento
de um caráter presente em ascendentes remotos) segregadores do
ódio entre religiões que tanto já fizeram sofrer
a humanidade”.
O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do
Rio de Janeiro encaminhou ao Ministério Público Estadual
pedido para que analise a constitucionalidade do ensino religioso nas
escolas municipais, tendo em vista que o Estado brasileiro é
laico.
Sindicato dos professores do Rio se mobiliza contra
ensino religioso
O professor Sérgio Paulo, coordenador do Sepe (Sindicato Estadual
dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro), informou
que a entidade vai começar a realizar atos contra o ensino religioso
que começa a ser ministrado no segundo semestre nas escolas do
ensino fundamental da rede municipal.
Ele disse que a lei que o prefeito Eduardo Paes (PMDB) sancionou em
outubro de 2011 é inconstitucional:
“Religião não pode ser ofertada obrigatoriamente
em escola pública”, disse, lembrando que a Constituição
estabelece que o Estado brasileiro é laico.
“[A religião] deve ser uma interação familiar
do aluno.”
O Sepe encaminhou ao Ministério Público Estadual um pedido
para que analise a constitucionalidade da lei. Não há
previsão para o órgão se manifestar.
Sérgio Paulo argumentou que, mesmo se não fosse inconstitucional,
a lei tem o problema de excluir as religiões minoritárias,
o que “é um preconceito oficial”. A prefeitura do
Rio contratou professores para dar aula somente das religiões
católica, evangélica, espírita e de afro-brasileiras.
“O que caracterizou a superação do Império
no início da República foi, entre outras coisas, a separação
da educação pública do ensino religioso”,
disse o professor.
ONU critica Brasil por permitir ensino religioso
em escolas públicas
por Jamil Chade, d'O Estado de S.Paulo
Centenas de escolas públicas em pelo menos 11 Estados do Brasil
não seguem os preceitos do caráter laico do Estado e impõem
o ensino religioso, alerta a Organização das Nações
Unidas. Em relatório a ser apresentado na semana que vem ao Conselho
de Direitos Humanos da ONU, a situação do Brasil é
criticada.
O documento foi preparado pela relatora da ONU para o direito à
cultura, Farida Shaheed, que também alerta que intolerância
religiosa e racismo "persistem" na sociedade brasileira. A
relatora apela por uma posição mais forte por parte do
governo para frear ataques realizados por "seguidores de religiões
pentecostais" contra praticantes de religiões afro-brasileiras
no País. Uma das maiores preocupações é
o com o ensino religioso, assunto que pôs Vaticano e governo em
descompasso diplomático.
Os Estados citados por Farida, que visitou o País no final do
ano passado, são Alagoas, Amapá, Goiás, Minas Gerais,
Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Rio
de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
A relatora diz ter recolhido pedidos para que o material usado em aulas
de religião nas escolas públicas seja submetido a uma
revisão por especialistas, como no caso de outros materiais de
ensino. Além disso, "recursos de um Estado laico não
devem ser usados para comprar livros religiosos para escolas",
esclarece.
Para Farida, "deixar o conteúdo de cursos religiosos ser
determinado pelo sistema de crença pessoal de professores ou
administradores de escolas, usar o ensino religioso como proselitismo,
ensino religioso compulsório e excluir religiões de origem
africana do curriculum foram relatados como principais preocupações
que impedem a implementação efetiva do que é previsto
na Constituição".
Legislação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
diz que o ensino religioso deve ser oferecido em todas as escolas públicas
de ensino fundamental, mas a matrícula é facultativa.
A definição do conteúdo é feita pelos Estado
e municípios, mas a legislação afirma que o conteúdo
deve assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa e
proíbe qualquer forma de proselitismo.
"Em tese, deveria haver um professor capaz de representar todas
as religiões. Mas, como sabemos, é impossível",
explica Roseli Fischmann, da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (USP). "Além disso, a aula
não é tratada efetivamente como facultativa. O arranjo
é feito de tal forma que o aluno é obrigado a assistir."
Roseli explica que o modelo brasileiro é pouco usual nos países
em que há total separação entre Estado e religião.
"Até Portugal, que no regime de Salazar tornou obrigatório
o ensino religioso, aboliu as aulas. Educação religiosa
deve ser restrita aos colégios confessionais. Lá, o pai
matricula consciente."
Ensino religioso é armadilha para
a catequização, diz antropóloga
O ensino religioso é uma armadilha que submete as crianças
das escolas públicas ao proselitismo católico, à
catequização, afirmou a antropólogo Debora Diniz
(foto), 41, da Universidade de Brasília. Ela é autora
do livro “Laicidade e Ensino Religioso no Brasil”.
Ela disse que, pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases), o ensino religioso
deveria ser facultativo e contemplar a diversidade de crenças
existente no Brasil, mas não é o que ocorre na prática,
com exceção das escolas do Estado de São Paulo.
Debora falou que as crianças são expostas ao constrangimento
de ter de informar ao professor de religião a sua crença
ou descrença. “[Isso] deveria ser matéria de ética
privada”, disse em entrevista à Isto é.
O pior, segundo ela, é que as crianças sem crença
talvez tenham de explicar ao professor, na classe, diante de colegas,
por que "não tem Deus", e acabam tendo de estudar livros
com mensagens religiosas.
“O proselitismo é um direito das religiões. Mas
isso pode ocorrer na escola pública?”, perguntou.
“A LDB diz que não.”
A antropóloga afirmou que o acordo assinado entre o Vaticano
e o Brasil, no Governo Lula, tenta consolidar a imposição
do catolicismo no ensino religioso. Esse acordo, disse, é uma
ameaça à liberdade religiosa.
Afirmou que nas escolas públicas paulistas o ensino religioso
é ministrado pela perspectiva da história, filosofia e
sociologia, diferentemente do que ocorre no Rio, que tem servido de
referência a outros Estados.
“Quase todos os Estados se apropriam do que aconteceu no Rio,
nominando as religiões dos professores. No Ceará, por
exemplo, o professor tem de ter formação em escolas
teológicas. Mas religiões afro-brasileiras não
têm a composição de uma teologia formal. Essa
exigência privilegia os católicos e os protestantes.”
A orientação do ensino religioso nas escolas do Rio está
sendo contestada no STF (Supremo Tribunal Federal), lembrou Débora.
O que o Supremo decidir valerá para todos os Estados.
Leia mais em http://www.paulopes.com.br/2012/06/ensino-religioso-no-rio.html#ixzz1zYhpi9c9
'Na escola, o respeito aos outros não pode
ser amparado em divindade'
por Roseli Fischmann para o jornal Folha de São
Paulo
O lugar do ensino religioso não é na escola
pública, mas na família e nas comunidades religiosas,
para quem assim o quiser. Por ser ligado ao direito à liberdade
de consciência, de crença e de culto, o ensino religioso
depende de ser buscado, não de ser oferecido sob a égide
do Estado, por ser matéria íntima, de escolha, segundo
a consciência de cada pessoa.
Daí o caráter facultativo para o aluno
que a Constituição estabelece para o ensino religioso
nas escolas públicas, buscando preservar tanto o direito à
liberdade de crença quanto a laicidade inerente à escola
pública. Razões de ordem ética, jurídica,
histórica e pedagógica amparam essa posição.
Crianças pequenas, de seis anos, iniciando o ensino fundamental,
têm suas consciências tenras plasmadas pela escola. Quais
as repercussões de conteúdos religiosos conflitantes ao
que recebe no lar, em sua compreensão do mundo?
Aprender a não fazer ao outro o que não quer que lhe
façam indica formação para autonomia, valorizando
a alteridade -cerne da educação. Na escola, o respeito
aos outros não pode ser amparado em divindade, mesmo para quem
creia.
Porque amparar-se no inefável para garantir a não violência
é menosprezar a capacidade humana de respeito mútuo e
a própria fé, que não depende de constrangimento
e submissão. A escola pública deve explicitar o que é
humano (como a ciência) como mutável, porque falível
e passível de debate e discussão, sempre sujeito a aperfeiçoamento.
Como a Constituição.
A possibilidade de uma PEC que retire o parágrafo primeiro do
artigo 210 da Constituição é uma urgência
histórica, em prol das próprias religiões. Porque,
ao tentar regulamentar o não regulamentável, qual seja,
o acordo entre religiões sobre o que ensinar, como conteúdo
único, a Lei de Diretrizes e Bases da educação
criou mais dificuldades que soluções para o que já
era problemático na Constituição.
Mesmo internamente a Constituição parece inconsistente,
já que o seu artigo 19 estabelece que é vedado ao Estado
"estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes
relações de dependência ou aliança"
e "criar distinções entre brasileiros ou preferências
entre si".
Promover um ensino religioso que seja ligado a denominação
religiosa específica no âmbito da escola pública
(como propôs o acordo da Santa Sé com o Brasil) é
promover distinção entre brasileiros.
Mesmo que fosse possível cumprir a promessa de que "todas
as religiões serão oferecidas", seriam desrespeitados
em seus direitos os agnósticos e ateus.
Supor que seja possível tratar as religiões de forma "neutra",
na escola pública, é menosprezar consequências de
perseguições e raízes de guerras religiosas que
a humanidade travou. Propor ensino religioso como história das
religiões pode ser adequado só para jovens e não
crianças, e não terá sentido se o professor conduzir
o ensino privilegiando sua crença ou descrença.
A escola pública precisa ser entendida como lugar de desconstrução
das discriminações que perpassam nossa cultura, de forma
silenciosa ou denegada, que desrespeitam religiões e, sobretudo,
seus adeptos, todos igualmente brasileiros e brasileiras.
Argumentar que a maioria "democraticamente" tem o direito
de impor no espaço público sua crença e que na
escola "só fará bem ter (uma certa) religião"
reduz a democracia à tirania, pois nega o direito de as minorias
serem integralmente respeitadas, a ponto de (como ensina Bobbio e dita
a regra do jogo democrático) um dia se tornarem maioria.
Roseli Fischmann é coordenadora do programa
de pós-graduação em educação da Universidade
Metodista de São Paulo e pesquisadora do CNPq para o tema do
ensino religioso. Foi membro da Comissão Especial de Ensino Religioso
do Governo do Estado de São Paulo (1995-1996).
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