29/06/2012
Por Karina Toledo
A Agência FAPESP publicou recente pesquisa
realizada em 11 capitais brasileiras que revelou que mais de 70% dos
4.025 entrevistados apanharam quando crianças. Para 20% deles,
a punição física ocorreu de forma regular –
uma vez por semana ou mais.
Castigos com vara, cinto, pedaço de pau e outros objetos capazes
de provocar danos graves foram mais frequentes do que a palmada, principalmente
entre aqueles que disseram apanhar quase todos os dias.
O levantamento foi feito em 2010 e divulgado este mês pelo Núcleo
de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São
Paulo (USP), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão
(CEPID) apoiado pela FAPESP.

Dado foi revelado por pesquisa realizada com 4.025
pessoas em 11 capitais brasileiras pelo Núcleo de Estudos da
Violência da USP
O objetivo da pesquisa, segundo Nancy Cardia, vice-coordenadora do
NEV, foi examinar como a exposição à violência
afeta as atitudes, normas e valores dos cidadãos em relação
à violência, aos direitos humanos e às instituições
encarregadas de garantir a segurança.
“A pergunta sobre a punição corporal na infância
se mostrou absolutamente vital para a pesquisa. Ao cruzar esses resultados
com diversas outras questões, podemos notar que as vítimas
de violência grave na infância estão mais sujeitas
a serem vítimas de violência ao longo de toda a vida”,
disse Cardia.
A explicação mais provável para o fenômeno
é que as vítimas de punição corporal abusiva
na infância têm maior probabilidade de adotar a violência
como linguagem ao lidar com situações do cotidiano.
“A criança entende que a violência é uma
opção legítima e vai usá-la quando tiver
um conflito com colegas da escola, por exemplo. Mas, ao agredir, ele
também pode sofrer agressão e se tornar vítima.
E isso cresce de forma exponencial ao longo da vida”, disse
Cardia.
Os entrevistados que relataram ter apanhado muito quando criança
foram os que mais escolheram a opção “bater muito”
em seus filhos caso esses apresentassem mau comportamento. Também
foram os que mais esperariam que os filhos respondessem com violência
caso fossem vítimas de agressão física na escola.
Segundo os pesquisadores, os dados sugerem um ciclo perverso de uso
de força física que precisa ser combatido.
Os resultados foram comparados com levantamento semelhante de 1999,
realizado pelo NEV nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém, Manaus,
Porto Velho e Goiânia. No levantamento de 2010, a capital Fortaleza
também foi incluída.
Embora o percentual dos que afirmam ter sofrido punição
física regular tenha diminuído na última década
– passando de um em cada quatro entrevistados para um em cada
cinco –, ainda é considerado alto.
A pesquisa mostrou também que a percepção da população
sobre crescimento da violência diminuiu, passando de 93,4% em
1999 para 72,8% em 2010. No último levantamento, porém,
foi maior a quantidade de entrevistados que disse ter presenciado em
seus bairros uso de drogas, prisão, assalto e agressão.
De modo geral, houve uma melhora na avaliação das instituições
de segurança. O Exército apresentou um aumento expressivo
de 55,2% em 1999 para 66,6% em 2010. A aprovação da Polícia
Federal saltou de 42% para 60%. O índice de aceitação
da Polícia Militar, a mais mal avaliada, passou de 21,2% para
38%.
Penas e prisões
Um achado considerado preocupante pelos pesquisadores foi o
crescimento da tolerância ao uso de violência policial contra
suspeitos em determinados casos. O número de pessoas que discorda
claramente da tortura para obtenção de provas caiu de
71,2% para 52,5%, o que significa que quase a metade dos entrevistados
(47%) toleraria a violência nessa situação.
Também caiu o percentual dos que discordam totalmente que a
polícia possa “invadir uma casa” (de 78,4% para 63,8%),
“atirar em um suspeito” (de 87,9% para 68,6%), “agredir
um suspeito” (de 88,7%, para 67,9%) e “atirar em suspeito
armado” (de 45,4% para 38%).
Quando questionados sobre qual seria a punição mais adequada
para delitos considerados graves – entre eles sequestro, estupro,
homicídio praticado por jovem, terrorismo, tráfico de
drogas, marido que mata mulher e corrupção por político
–, muitos entrevistados defenderam penas que não fazem
parte do Código Penal brasileiro, como prisão perpétua,
pena de morte e prisão com trabalhos forçados.
A pena de morte foi mais aceita em casos de estupro (39,5%) e a prisão
com trabalhos forçados foi mais defendida para políticos
corruptos (28,3%).
“Já esperávamos que a população
apoiasse penas mais duras por causa da frustração que
existe em relação à impunidade. O conjunto das
respostas indica que as pessoas consideram as prisões como
um depósito”, avaliou Cardia.
Para a maioria dos entrevistados, a prisão é percebida
como pouco ou nada eficiente tanto para punir (60,7%) e reabilitar (65,7%)
criminosos como para dissuadir (60,9%) e controlar (63%) possíveis
infratores. Essa questão foi avaliada apenas na pesquisa de 2010.
Outro aspecto da pesquisa considerado negativo por Cardia foi a baixa
valorização de direitos democráticos como liberdade
de expressão e de oposição política.
Mais de 42% dos entrevistados concordam totalmente ou em parte que
é justificável que o governo censure a imprensa e 40%
aceitam que pessoas sejam presas por posições políticas,
com a finalidade de manter a ordem social. Para 40,4%, o país
tem o direito de retirar a nacionalidade de alguém por questões
de segurança nacional.
“Esperávamos que, 30 anos após o fim da ditadura,
os valores da democracia tivessem 70% ou 80% de aprovação,
mas isso não ocorreu. Além disso há focos muito
pouco democráticos que sobrevivem, como o apoio à tortura.
Há resquícios do pensamento de que degredo é
legítimo e pode ser aplicado no século 21. É
chocante”, disse Cardia.
Fonte: http://agencia.fapesp.br/15812