12/04/2012
RICARDO BONALUME NETO
FOLHA DE SÃO PAULO
Atire a primeira pedra o pai ou a mãe que nunca pensou em jogar
uma no seu filhote. Mas émelhor não. Vinte anos de pesquisas
mostram: castigo físico não dá bons resultados.
Estudos em várias partes do planeta demonstram uma associação
clara entre essa forma de punição e problemas como depressão,
ansiedade e vícios, que podem começar na infância
e se estender para a vida adulta.
Pesquisar o castigo corporal é um desafio. Em ciência,
a metodologia mais usada é o estudo controlado aleatório:
dois grupos recebem um ou outro remédio, por exemplo. Mas como
fazer isso com palmadas? Um grupo de crianças apanha e outro
não?
Por isso, são mais comuns os estudos "prospectivos":
são estudadas crianças com níveis de agressão
ou comportamento antissocial equivalentes no começo e analisada
a progressão do comportamento. Ou "retrospectivos",
baseados na memória.
Dois pesquisadores no Canadá - a psicóloga Joan Durrant,
da Universidade de Manitoba, e o assistente social Ron Ensom, do Hospital
Infantil de Eastern Ontario - analisaram 20 anos dessas pesquisas, incluindo
uma metanálise com mais de 36 mil participantes.
A conclusão de Durrant e Enson:
"Nenhum estudo mostrou que a punição física
tem efeito positivo, e a maior parte dos estudos encontrou efeitos
negativos".
Mas será que isso vale para todo o planeta ou só para
as sociedades mais tolerantes do Ocidente? Haveria o mesmo efeito em
sociedades acostumadas a níveis altos de agressão no cotidiano,
como a violência urbana do Brasil?
"Há uma suposição de que quanto mais comum
é uma experiência, menor é o impacto nos membros
do grupo que a experimentam. A pesquisa sugere uma resposta a essa
questão. Crianças brancas, negras e hispânicas
nos EUA, apesar de diferenças na prevalência do uso de
castigo corporal, compartilham os mesmos riscos do seu uso",
disse Ensom à Folha.
QUEM APANHA MAIS
Os melhores estudos sobre a "prevalência da palmada"
foram feitos nos EUA. Conhecendo os adolescentes, poderia se esperar
que eles seriam os alvos mais naturais.
Mas são as crianças menores que mais sofrem castigo.
"Nos EUA, quase todas as crianças da pré-escola
levaram palmada. Provavelmente porque são ativas e inquisitivas
e têm compreensão limitada de perigo ou das necessidades
dos outros", diz Ensom.
Certo, qual a opção, então, ao tapinha "corretivo"?
Os pesquisadores falam em "disciplina positiva". A autoridade
dos pais continua existindo, mas sem violência.
"A disciplina positiva ensina pacientemente em vez de punir
arbitrariamente. Se você espera que uma criança arrume
seus brinquedos e ela foi lembrada de fazê-lo, mas mantém
a TV ligada em vez disso, é razoável que os pais digam:
'Sem TV até você arrumar seu quarto'", exemplifica
o pesquisador.
Bater em uma criança só a ensina a usar agressão,
segundo outro pesquisador do tema, George Holden, da Universidade Metodista
do Sul, de Dallas, Texas, sul dos EUA.
"Existe um debate sobre o fato de crianças serem menos
afetadas pelo castigo se essa for uma prática aceita na sociedade
em que ela está. Estudos descobriram que a frequência
cultural do castigo é um 'moderador' dos efeitos", disse
Holden à Folha.
Segundo Holden, que no ano passado coordenou uma conferência
para promover o fim do castigo corporal, as palmadas são mais
frequentes de dois a cinco anos.
"Alguns pais batem em crianças mais velhas, talvez 10%,
e alguns continuam a usar o castigo corporal em adolescentes",
diz ele.
O brasileiro apanhou muito quando era criança ou adolescente,
mas os americanos apanharam mais.
Pesquisa de 2010 com 4.025 pessoas com mais de 16 anos em 11 capitais
do país revelou que 70,5% sofreram alguma forma de castigo físico
quando jovens. Já nos EUA, a porcentagem passa dos 90% - e fica
em torno dos 10% na Suécia, segundo o cientista social Renato
Alves, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da
USP.
"É difícil fazer pesquisa com criança",
diz Alves. Ainda mais porque os pais estão junto e eles podem
estar castigando os filhos.
O tema afeta a delicada área dos direitos individuais e da intromissão
do Estado na vida privada. Como demonstraram os debates no ano passado
sobre a Lei da Palmada - projeto de lei para proibir castigos físicos
em crianças e adolescentes, em tramitação no Congresso.
Há pais que defendem o direito de disciplinarem suas crias da
maneira que bem entenderem. Mas defensores dos direitos humanos sustentam
que eles "começam em casa". E, claro, há o fato
de o Brasil ser signatário da Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança.
Mas Alves diz que há pouca chance de a Lei da Palmada vingar.
Ele nota a ironia: um adulto bater em outro é crime, mas um adulto
bater na sua criança não é.
A Sociedade de Pediatria de São Paulo acaba de lançar
o Manual de Atendimento às Crianças e Adolescentes Vítimas
de Violência. Na publicação, que será distribuída
a profissionais, a entidade afirma que a violência doméstica
começa com a palmada.
CHINELO E PAU
Dos brasileiros que afirmaram ter apanhado, a maioria - 42% - afirmou
ter apanhado pouco; só 11,4% levavam tapa "quase todos os
dias". O mais comum era levar palmada (40,1%), apanhar de chinelo
(54,4%) ou de cinto (47,3%); só uma minoria corria riscos maiores
ao apanhar de pau ou objetos semelhantes (12,2%). Claro, os percentuais
passam de 100% porque os pais variavam a forma de castigar os rebentos...
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1073966-palmada-nao-educa-conclui-analise-de-20-anos-de-pesquisas.shtml
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