08/08/2007
Ataque ao “coração”
do trabalho escravo
Divulgado desde 2004 pelo Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE), o cadastro de empregadores que utilizam mão-de-obra
em situação semelhante à de escravos, conhecido
como “lista suja”, é hoje a principal arma
para erradicar o trabalho escravo no país, segundo Leonardo
Sakamoto, coordenador da ONG Repórter Brasil. A razão
disso é que a lista atinge economicamente as empresas que utilizam
esse tipo de mão-de-obra: instituições financeiras
públicas não emprestam recursos para os relacionados na
"lista suja" e muitas empresas negam-se a adquirir mercadorias
produzidas por essas fazendas.
Na última atualização do cadastro,
divulgado pelo MTE em 10 de julho, são apontados 192 empregadores
(pessoas físicas e jurídicas) que se utilizam do trabalho
escravo em 16 estados do país (em maior número no Pará,
Tocantins e Maranhão). Foram excluídos 22 empregadores
por preencherem os requisitos exigidos pela portaria n°. 540/2004,
que condiciona a exclusão do cadastro ao pagamento de multas
e comprovação da quitação de eventuais débitos
trabalhistas e previdenciários. Por outro lado, foram incluídos
51 novos nomes, como o do ex-governador de Goiás, Agenor Rodrigues
Rezende.
O Cadastro de Empregadores previsto na Portaria é
atualizado a cada seis meses. Todos os trabalhadores em situação
de escravidão apresentados na “lista suja” foram
libertados. Os grupos móveis de fiscalização do
governo federal já resgataram quase 26 mil trabalhadores desde
1995.
Em entrevista à Rets,
Sakamoto comenta a importância da “lista suja” e de
outras ações previstas no Plano Nacional para a Erradicação
do Trabalho Escravo, de 2003, além de iniciativas da sociedade
civil para combater o trabalho escravo. Ele fala ainda sobre os caminhos
que levam os trabalhadores a essa situação e ressalta
a importância de se investir em projetos de prevenção.
Rets - Qual é a eficácia da “lista
suja” no combate ao trabalho escravo no Brasil?
Leonardo Sakamoto - Depois das ações
de libertação dos trabalhadores, o cadastro é a
principal arma para combater o trabalho escravo. A razão disso
é que a lista tem atacado o coração do trabalho
escravo, que é o lucro. Ela possibilita que esses empregadores
não consigam fechar seus negócios nem obter crédito
bancário. Por isso, a restrição econômica
provocada pela lista tem causado um impacto importantíssimo e
muito mais rápido do que a Justiça, que é muito
lenta nesses casos.
As ações judiciais movidas contra a “lista
suja” por fazendeiros que se sentem prejudicados pela divulgação
dos seus nomes mostram a efetividade do cadastro. Eles alegam que o
cadastro é inconstitucional, mas o Ministério Público
do Trabalho defende bem, ressaltando que a lista não é
uma ação de punição, mas de divulgação.
Ela apenas dá transparência a uma situação.
Ao culpar a lista, esses fazendeiros estão culpando apenas o
“mensageiro”. A força da lista não está
nas indenizações, que são pequenas, mas nas ações
do sistema financeiro nacional, que se recusa em emprestar dinheiro
a essas fazendas, e das empresas que hesitam em comprar dessas fazendas.
Rets - Restrições financeiras resolvem
o problema?
Leonardo Sakamoto - Não. Restrições
financeiras fazem parte de um conjunto, têm que vir acompanhadas
de atividades preventivas e punição criminal. O Plano
Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, do governo
federal, tem outras metas, mas precisa de mais, principalmente metas
de prevenção, como projetos de geração de
emprego e renda, para que os trabalhadores sejam inseridos na sociedade
e não caiam na escravidão. O Plano está sendo revisto
pelo governo e a sua nova versão deve ficar pronta dentro de
alguns meses.
Rets - Segundo o relatório "Trabalho Escravo
no Brasil do Século XXI", lançado pela Organização
Internacional do Trabalho em 2006, o Plano Nacional para a Erradicação
do Trabalho Escravo foi cumprido parcialmente. Como você avalia
o governo Lula no tratamento dessa questão?
Leonardo Sakamoto - Há boas
melhorias: as ações do Ministério Público
do Trabalho, com condenações milionárias saindo,
as libertações de trabalhadores, o aumento da conscientização
de trabalhadores e da sociedade etc. Mas o cumprimento do Plano ainda
sofre com vários entraves. Deveria haver mais apoio para a reforma
agrária e para projetos de geração de emprego e
renda, por exemplo.
Rets - Ainda há muitos políticos a favor
do trabalho escravo, como o ex-governador de Goiás, incluído
na última atualização do cadastro?
Leonardo Sakamoto - Nenhum se posiciona
contra o trabalho escravo, todo mundo se diz contra. Mas alguns dizem
simplesmente que o que acontece nessas fazendas não é
trabalho escravo. Assim tentam engambelar a sociedade. Uma série
de deputados e senadores defende quem foi flagrado com trabalho escravo
ou usa trabalho escravo em suas fazendas, como o Leonardo Picciani (PMDB-RJ),
Inocêncio de Oliveira (PL-PE) e João Ribeiro (PR-TO), que
já passaram pela “lista suja” (este último
ainda continua na lista).
Rets - Em que condições esses trabalhadores
se encontram? De que forma privam a sua liberdade e como eles chegam
a essa situação?
Leonardo Sakamoto - Essa situação
começa com a miséria extrema, que empurra o trabalhador
para procurar emprego longe de casa. Como “peão de trecho”,
ele deixa a sua terra e vai de trecho em trecho procurar trabalho, sem
rumo, em busca recursos para voltar para casa. Ao ouvir histórias
dos “gatos” [intermediários entre o fazendeiro e
o trabalhador] de que há emprego em determinadas regiões
(principalmente as de fronteira agrícola), o trabalhador é
atraído para o trabalho escravo. O gato promete muito e dá
tudo: roupa, comida etc. O trabalhador vai feliz, mas na hora do pagamento,
é descontado pelo que consumiu e o salário é muito
pouco para pagar suas dívidas, que só vão aumentando.
Há casos em que os trabalhadores recebem até R$ 10 por
mês (como numa fazenda de cana, em Ulianópolis, no Pará,
da qual 1108 trabalhadores foram resgatados recentemente pelo grupo
móvel de fiscalização). Dessa forma, endividamento,
trabalho extremamente degradante, isolamento geográfico, retenção
de documentos, ameaça psicológica, espancamento e até
assassinato (para demonstrar poder aos outros trabalhadores) caracterizam
a situação dessas pessoas que têm sua liberdade
cerceada pelos fazendeiros.
Rets - A sociedade civil está mobilizada para
combater o trabalho escravo? Qual é o papel das organizações
que trabalham com esse tema?
Leonardo Sakamoto - Uma série
de projetos e organizações atuam no atendimento a vítimas,
recebem denúncias e as encaminham para o Ministério Público
do Trabalho, e atuam na prevenção com ações
de geração de emprego e renda. Muitos utilizam a economia
solidária como alternativa de reinserção, para
que os trabalhadores libertados possam ficar em suas comunidades e não
retornem à escravidão. Nessa linha, posso citar o projeto
Trilhas de Liberdade e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais, por exemplo.
Há ainda os que pressionam a sociedade e o governo para que atuem
no combate ao trabalho escravo e lutam por uma Justiça célere
para julgar esses casos. Nesse sentido, a Comissão Pastoral da
Terra (CPT) é sem dúvida a principal iniciativa.
Mariana Loiola
>>> clique aqui para ver a lista completa de notícias
>>>
clique aqui para voltar a página inicial do site
topo