07/05/2007
Igreja pentecostal muda
vida de 54% dos fiéis
ENTRE OS CATÓLICOS, APENAS 9% AFIRMAM TER ALTERADO HÁBITOS
POR CAUSA DA RELIGIÃO
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
A dona-de-casa Maria da Conceição Alves
Junqueira, 39, moradora da Cohab de Itaquera (zona leste de São
Paulo), curou-se de depressão e suspendeu o álcool, do
qual virou dependente com menos de 21 anos. De quebra, parou de "safadeza"
com o cunhado que morava na mesma casa e retomou os "deveres conjugais"
com o marido. Engravidou contra todas as expectativas (rugas escavadas
no rosto crestado de nordestina dão-lhe aparência mais
velha). Agora, embala João Gabriel, três meses, no colo.
"Sou uma nova mulher", diz.
"Estava envolvida com encostos e até tentei
suicídio. Uma noite, implorei a Deus por uma chance e chorei.
Na manhã seguinte, fui a um templo perto de casa, disposta
a dar minha vida ao Senhor Jesus. Veio o batismo e, depois, passei
por processo de libertação."
É sem pudor que Maria da Conceição
faz o relato.
"Por que me envergonharia de contar? O precipício
em que eu estava e a felicidade que tenho hoje são o testemunho
do poder de Deus."
Segundo o Datafolha, 54% dos evangélicos pentecostais
respondem "sim" à pergunta "Você já
mudou algum hábito ou deixou de fazer alguma coisa por causa
de sua religião?" É gente que diz ter cortado
ou reduzido a bebida, deixado baladas e cigarro, mudado as vestimentas,
parado de sair com pessoas casadas ou vários parceiros e adotado
a abstinência sexual antes do casamento.
Entre os católicos, o índice dos que dizem ter mudado
de hábito é de só 9%. Nada menos que 90% dos seguidores
do papa Bento 16 confessam não ter deixado de fazer (nem passado
a fazer) algo devido à religião.
O sociólogo Ricardo Mariano, professor da PUC-RS, diz que isso
ocorre porque as igrejas evangélicas abrigam convertidos.
"Uma coisa é nascer católico, religião
majoritária, filho de família católica há
várias gerações. Outra é se converter
evangélico. É preciso ter distinção comportamental
para sustentar um comportamento distinto. Vem daí moralidade
estrita, ascetismo e puritanismo."
Renascimento
A conversão nas igrejas evangélicas é sintetizada
no "nascer de novo" (deixar a vida anterior), frase ao gosto
de pastores em programas de TV.
"Isso tem apelo incrível sobre presidiário,
prostituta, quem vive em área devastada", diz Mariano.
A avenida do M'Boi Mirim, na altura do Jardim Ângela
(região sul de São Paulo), num sábado à
tarde, mostra o "distintivo". São casais de negros
e de nordestinos vestidos com sobriedade modesta, Bíblias em
capas de couro preto nas mãos. Sem decote ou barriga de fora.
Dependendo da igreja, pouca maquiagem e pintura de cabelo até
podem. Evangélico fumando é raro. Idem para a bebida.
Como grupo minoritário, ainda mais dividido em centenas de igrejas
diferentes (diz-se que há mais de mil só na capital paulista),
cada uma com sua própria hierarquia, os evangélicos acabam
tendo um controle mais eficaz sobre seus adeptos.
O filósofo Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas,
cita diferença capital entre evangélico e católico:
enquanto este faz a "confissão auricular" ao pé
do ouvido do padre (e só dele), aquele faz a confissão
pública, consubstanciada no "testemunho de fé".
O resultado é que os evangélicos ficam cientes de que
o sujeito A sofre com alcoolismo, o B bate na mulher, o C é ladrão.
A comunidade ajuda a controlar o comportamento desviante, envolve-se
na "salvação" e ainda oferece rede de sociabilidade
a quem a perdeu. Depois, o testemunho de conversão reforça
a fé de todos na oferta mágico-religiosa da igreja.
"O protestante é o monge interiorizado.
Enquanto o monge católico é apartado do mundo e submetido
pela ordem religiosa a uma vida regrada, para os protestantes (até
os evangélicos pentecostais), o monge não está
separado do mundo, está na cabeça do fiel", diz
Romano.
As diferenças espalham-se pela organização
burocrática e pela arquitetura das religiões.
"Por que a entrada de muitas igrejas têm
escadarias? É para evidenciar a hierarquia cósmica,
elevando-se do rés-do-chão, onde fica o povo, em direção
à pureza do clero e de Deus."
De seu lado, o templo evangélico (a maioria)
apresenta-se ao rés-do-chão.
"São iguais falando para iguais e todos
com igual acesso a Deus", diz Romano.
Placas afixadas na sacristia das igrejas avisam os
horários das missas. Igrejas fecham suas portas, e padres tiram
folgas (a maioria na segunda-feira). Já as igrejas evangélicas
estão sempre abertas; há obreiros na calçada e
no templo, convidando a entrar. Se o pastor tira folga, há pastores
auxiliares.
Nas igrejas evangélicas, não se vê mendicância.
O deputado federal Geraldo Tenuta (DEM-SP), da bancada evangélica
na Câmara e membro da Igreja Apostólica Renascer em Cristo,
diz:
"Somos contra assistencialismo. A gente ensina
a pescar".
Praga e aberração
Quanto à alma dos fiéis, são diferenças
que contam. O papa Bento 16 disse no documento "Sacramentum Caritatis"
(Sacramento do Amor) que o segundo casamento é "praga
do ambiente social"? Sem conflitos, 74% dos católicos
dizem ser favoráveis ao divórcio (três pontos percentuais
a mais do que a média nacional). Entre os evangélicos,
o índice cai a 59%.
A Igreja Católica acha que o uso de preservativos favorece a
promiscuidade por contrariar a idéia de que o sexo deve ser praticado
só com fim reprodutivo? Mas 94% dos católicos apóiam
o uso de camisinhas, mais que os evangélicos, cujas autoridades
são em sua maioria a favor.
O papa acha que união civil de pessoas do mesmo sexo é
aberração? Tss, tss. Já 46% dos católicos
são favoráveis a ela; nos evangélicos, que causam
horror à militância gay ao manter cursos para "a cura"
da homossexualidade, só 22% .
Romano cita Elias Canetti - "não existe procissão
correndo"- para explicar como a igreja tende a lidar com a
insurgência evangélica no cenário religioso do país:
"No seu ritmo, e não no dos seus adversários".
A Igreja Católica tem 2.000 anos e tem apanhado
desde o século 16, com a Reforma Protestante, até hoje,
com a concorrência com as denominações evangélicas
e o islamismo.
"E tem resistido, um verdadeiro milagre. A maior
prova da divindade da Igreja Católica é que o homem
ainda não conseguiu acabar com ela", diz Romano.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj0605200706.htm
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