23/03/2007
Jens Glüsing
Os pastores evangélicos pentecostais na América
Latina estão atraindo um número cada vez maior de católicos
romanos para sua seita, com táticas modernas de marketing, incluindo
bonés e camisetas com logotipos. A variedade de "serviços"
religiosos oferecidos chega até mesmo a exorcismos.
Era noite de domingo em Perdizes, um bairro próspero
de São Paulo. Centenas de adolescentes estavam a caminho de um
serviço religioso em um antigo cinema. Os garotos estavam trajando
roupa de surfista; as garotas usavam maquiagem pesada e vestiam tops
parcos e jeans apertados. A maioria carregava uma Bíblia.
Um cantor em calça de couro preta apertada animava
o público com ritmos reggae. Os jovens batiam o pé acompanhando
o ritmo. Então as luzes da casa diminuíram, criando um
ambiente perfeito para namoro. De repente, os holofotes se acenderam.
O público aplaudiu e assovio, como se preparado para um concerto
de rock. Raios de luz convergiram para um homem baixinho trajando jeans:
o pastor Rinaldo Pereira.
O pastor de 34 anos arremessou seus braços no
ar enquanto saudava sua congregação e se colocava atrás
de seu altar, uma prancha de surfe sobre cavaletes. Às suas costas,
um laptop projetava na parede imagens tranqüilizantes de paisagens
de montanha e entardeceres. "Deus quer que vocês sorriam",
berrou o pastor para o salão lotado. Os enormes alto-falantes
ao lado do altar pulsavam. "Jesus! Jesus!" cantava o público.
Bem-vindo à Igreja Bola de Neve; ela é
uma das centenas de comunidades protestantes pentecostais em São
Paulo. Cerca de 5.000 fiéis participam do serviço religioso
que o pastor "Rina" preside a cada domingo. A maioria dos
fiéis tem menos de 30 anos. Enquanto seus pares estão
circulando em shopping centers e pizzarias, os adolescentes em Perdizes
estão na igreja. "O pastor Rina é da hora!"
disse uma garota na entrada.
Um ex-pastor batista, Rina assumiu o salão em
Perdizes há três anos, atraindo adolescentes com métodos
de marketing que copiou do setor privado, vendendo camisetas da moda
e bonés com o logotipo de sua igreja. No fim de semana, ele gosta
de surfar longe de São Paulo. Um astuto pescador de almas, ele
passou seis anos aprendendo seu ofício, pescando consumidores
no departamento de marketing da Nestlé.
Rina decidiu estabelecer uma comunidade protestante
pentecostal por uma "experiência espiritual", ele disse.
Ele realizou seu primeiro serviço religioso em uma loja de produtos
de surfe para um grupo de amigos. "Minha geração
tem um forte anseio por espiritualidade que a Igreja Católica
não consegue atender", ele explicou. "Religião
era considerada quadrada. Então tínhamos que oferecer
algo novo."
A Igreja Bola de Neve visa os jovens. Não há
código de vestuário; o ambiente é descontraído
e informal. "Deus não se importa com aparência",
disse Rina, que vê a si mesmo como um animador a serviço
do Senhor. Seus sermões são pontuados por piadas e ele
freqüentemente chama os fiéis ao palco para atuações
de improviso. Músicos de rock de primeira fornecem o acompanhamento.
Até agora o conceito surtiu efeito: a igreja de Rina já
conta com 26 filiais ao redor do país, incluindo algumas próximas
das mais belas praias do Brasil.
O pastor surfista representa uma nova geração
de pastores protestantes.
Diferente das comunidades pentecostais tradicionais, o foco não
é a coleta do dízimo. Rina arrecada dinheiro vendendo
surfwear, assim como CDs e DVDs contendo as músicas dos serviços
religiosos. A Igreja Bola de Neve é tanto um centro de bem-estar
religioso quanto um templo multimídia, atendendo não aos
pobres, mas aos garotos de classe média com dinheiro. As vendas
dos CDs do pastor Rina geralmente chegam a várias centenas de
milhares.
Novas igrejas que esperam seguir a onda de sucesso de
Rina estão despontando por todo o Brasil; apenas em São
Paulo, as estatísticas mostram que novas igrejas evangélicas
são fundadas na taxa de uma por dia. As igrejas atendem a todos
gostos e orçamentos: algumas oferecem curas milagrosas e exorcismos;
algumas atraem seguidores com música pop; outras se especializam
em telemarketing. Como um bufê de salada, os fiéis podem
provar um bocado dos pratos espirituais. Se não gostarem de um
produto, podem simplesmente provar outro.
A Igreja Católica foi duramente atingida. Hordas
de fiéis do maior país católico do mundo a estão
trocando pelas igrejas evangélicas. O arcebispo de São
Paulo, o cardeal Cláudio Hummes, estima que as igrejas católicas
perderam um terço de seus fiéis nos últimos 40
anos. Sete entre 10 ex-católicos estão buscando a salvação
em uma comunidade protestante.
Cerca de 18% dos brasileiros pertence a igrejas protestantes
e metade de todos os fiéis em muitas das maiores cidades agora
são protestantes. Uma guerra santa pelas almas das pessoas está
sendo travada no Brasil", disse Regina Novaes, uma antropóloga
e especialista em religiões.
"A Igreja Católica perdeu o toque com
as massas."
Enquanto as igrejas pentecostais - "uma árvore
com muitos ramos" (Novaes) - cultiva um relacionamento direto
com Deus, os católicos passam por um intermediário, o
padre.
"Os católicos não fornecem respostas
rápidas para as necessidades das pessoas. Os protestantes são
mais dinâmicos", disse Novaes.
A tendência se repete por toda a América
Latina, antes baluarte do catolicismo romano no Terceiro Mundo. Do México
até a Argentina, a Igreja está recuando. Em apenas poucos
anos, mais da metade das populações da Guatemala e El
Salvador deverão ser protestantes.
Ritmos de rap-metal ressoavam no salão de uma
igreja com telhas onduladas metálicas no bairro de Villa Reconciliación,
um distrito pobre de Manágua, a capital nicaragüense. Um
jovem estava sentado diante do teclado, fazendo um rap sobre a morte
de seu irmão. Uma camisa de mangas longas escondia suas tatuagens.
O corpo de Geovany Rodríguez é uma massa
de tatuagens marciais e cicatrizes de ferimentos de faca. A cabeça
de um cão babando no bíceps do homem de 29 anos indica
sua filiação em Los Perros. "Os Cães"
- cerca de 60 adolescentes e jovens adultos - estabeleceram
um reinado de terror nas favelas da capital nicaragüense. Até
seis anos atrás, Geovany era um dos líderes da gangue.
Ele fumava maconha e cheirava cocaína, financiando
seu vício em drogas e seu arsenal de armas roubando ônibus
e lojas. Ele foi preso quatro vezes e passou vários anos na prisão.
Seu irmão foi baleado por uma gangue rival, supostamente para
vingar o assassinato de um de seus membros.
Geovany disse que nunca matou ninguém, mas ele
evita contato com os olhos ao dizer isto. Ele fala desconfortavelmente
sobre seu passado.
"Minha vida estava em um beco sem saída",
ele disse.
"Eu me sentia vazio por dentro."
Um pastor da comunidade pentecostal Luz del Mundo abordou
o jovem gângster na rua, o levou para o serviço religioso
e permitiu que ele cantasse ao teclado. Geovany disse que sentiu um
"poder sobrenatural" no momento.
Agora ele é um freqüentador assíduo
da igreja. Os pastores o colocaram sob sua proteção, o
empregando em serviços e o ajudando a desenvolver sua habilidade
musical. Ele abandonou as drogas e o álcool.
Durante o serviço religioso, ele toca música
rap religiosa. As letras descrevem sua conversão para um crente,
como os cristãos renascidos são chamados. Um dia ele espera
se tornar um músico profissional.
Como todas as comunidades pentecostais, a Luz del Mundo
exerce controle restrito sobre seus membros. Seis vezes por semana,
o pastor Wilmer Espinosa convoca os jovens para serviço na igreja.
Quem não comparece é buscado em casa.
"A comunidade exerce mais pressão sobre
o indivíduo do que a Igreja Católica", disse Novaes.
As pessoas que passam por crises pessoais podem contar
com o sistema de apoio de suas congregações.
A Luz del Mundo é uma das maiores comunidades
pentecostais da América Latina. Sua sede fica na Venezuela, mas
ela tem igrejas por toda a região.
Seu líder, Jaime Banks Puertas, um ex-oficial
das forças armadas da Venezuela, opera emissoras de rádio
e produz programas de TV. Ele também usa a Internet como ferramenta
missionária.
Os dias de igrejas pentecostais latino-americanas lideradas
por americanos acabaram; a influência dos cristãos renascidos
fundamentalistas desapareceu.
Os missionários de hoje vêm do Brasil, Venezuela e Porto
Rico.
Os brasileiros, em particular, atualmente dominam o
mercado pentecostal. A Igreja Universal do Reino de Deus, comandada
pelo controverso "bispo" Edir Macedo, e a igreja evangélica
dos pobres, Assembléia de Deus, possuem igrejas em Lisboa, Londres,
Berlim e Moscou. Na América Latina, África e Leste Europeu,
dezenas de milhares atendem aos serviços religiosos ministrados
por pastores brasileiros. Edir Macedo encheu sem esforço o estádio
do Maracanã, no Rio de Janeiro, com 200 mil fiéis.
Macedo está travando uma disputa amarga com sua
arqui-rival, a Assembléia de Deus, a maior comunidade evangélica
pentecostal do Brasil. Ambas as igrejas vivem do sistema de dízimo,
em que os pastores pressionam os fiéis a doarem dinheiro após
cada culto.
O pastor da Igreja Universal exibiu a cesta de coleta
durante o serviço em Botafogo, um bairro do Rio:
"Se puder, doe R$ 50!"
Ajudantes percorriam os bancos, recolhendo as doações.
"Se não tiver R$ 50, doe 20, 30, 10 ou
cinco!"
Ninguém quer parecer sovina; mesmo o mais destituído
doa um real ou dois.
Após o serviço, Macedo correu para seu
carro e seguiu para a próxima igreja. O emprego de pastor paga
bem: um recente anúncio de emprego oferecia R$ 3.500 por mês,
mais um carro da "empresa". No Brasil, as igrejas contam com
isenções especiais de impostos -aumentando o incentivo
para candidatos a pastores.
Antes um vendedor de loteria no Rio, Macedo agora é
um multimilionário com ativos incluindo casas de campo nos Estados
Unidos, um iate e avião
particular. Suas igrejas imensas possuem assentos para dezenas de milhares
de fiéis e sua mistura de mármore e vidro passou a dominar
a paisagem arquitetônica do Brasil suburbano.
Os fiéis não fazem objeção
à cobiça de seus líderes: a riqueza em si não
é considerada um pecado, mas sim desejável.
"Nas comunidades pentecostais, qualquer um pode
se tornar um pastor", disse Novaes.
"Para a maioria das pessoas, um carro bacana é símbolo
de status."
No final dos anos 80, um estudo altamente divulgado
do antropólogo americano Sheldon Annis concluiu que as comunidades
protestantes são comercialmente mais bem-sucedidas que as comunidades
católicas. Annis comparou a produtividade das operações
de tecelagem em duas aldeias na Guatemala. Suas conclusões apontaram
que, em comparação aos católicos, os pentecostais
adotaram técnicas modernas de produção mais rapidamente,
eram mais eficientes e mais preocupados em progredir.
"Apesar de sua freqüente identificação
política atual de direita", escreveu Annis, "em pelo
menos um sentido os primeiros missionários protestantes eram
revolucionários das bases. (...) Aos olhos deles, a Igreja,
o álcool e a dívida eram instrumentos de escravidão
- e eles, os missionários, eram os libertadores".
As comunidades pentecostais são, portanto, percebidas
como igrejas para alpinistas sociais. Em vez de prometerem uma vida
melhor no paraíso, elas pregam sobre a riqueza aqui e agora.
E oferecem assistência prática na batalha contra o álcool
e as drogas.
Logo, não é de se estranhar que sejam
ímãs para os pobres. A favela de Vigário Geral
é uma das mais perigosas no Rio, mas conta com 14 comunidades
pentecostais -e apenas uma Igreja Católica. Nos presídios
superlotados da cidade, que são em grande parte controlados pelas
gangues do narcotráfico, pastores protestantes converteram milhares
de criminosos em cristãos renascidos. Vários chefões
do crime e matadores se tornaram homens de Deus.
Nas favelas do Rio, as igrejas pentecostais e as gangues
da cocaína coexistem em um estado de simbiose confortável.
Era noite de sexta-feira em São João de
Meriti, uma cidade pobre do Rio. Algumas poucas centenas de fiéis,
entre eles antigos chefões das drogas, assassinos e ladrões,
se reuniram na igreja pentecostal Assembléia de Deus dos Últimos
Dias. Os homens vestiam ternos e gravatas; todas as mulheres vestiam
saia; o pastor Marcos Pereira não permite que elas vistam calça
no serviço religioso.
Pereira, um homem robusto de meia-idade com olhar penetrante,
é o mais conhecido e mais controverso salvador de almas do Rio.
E ele é considerado uma lenda nas favelas:
"Eu salvei centenas de meninos da tortura e morte",
ele se gaba.
Os moradores freqüentemente o chamam para mediar
disputas entre gangues rivais das drogas. Mesmo o mais durão
entra na linha quando o pastor aparece.
Os serviços religiosos de Pereira são
verdadeiros espetáculos, megaeventos exibindo atos milagrosos
de cura e exorcismo. Um após o outro, os membros de seu rebanho
entram em transe. O pastor olha brevemente seus fiéis nos olhos,
pressiona sua mão em suas testas e os "possessos" caem
no chão.
"Desapareça, demônio!" berra
Pereira enquanto anda empertigado ao redor das vítimas, que
se encolhem e gemem, com um dervixe rodopiante.
Estalando seus dedos, ele as tira de seus transes após
poucos minutos. Mesmo as pernas de estranhos ficam bambas quando Pereira
lhes volta seu olhar. O homem tem poderes hipnóticos.
Antes de o pastor descobrir sua "vocação
espiritual", ele servia mesas em Copacabana.
"Eu bebia e freqüentava casas de prostituição",
disse Pereira.
"Minha vida era uma bagunça."
Sua "iluminação espiritual"
ocorreu em um ônibus; logo depois ele se juntou a uma igreja evangélica.
A notícia de seu talento como hipnotista logo se espalhou. Atualmente
seus serviços atraem até mesmo políticos e celebridades.
Os esforços de Pereira lhe renderam inúmeras
"doações" e ele reuniu uma imensa fortuna. Agora
o pastor milagroso está buscando se expandir para o exterior.
Ele viajou recentemente à Europa e também fez avanços
nos Estados Unidos. "Muito trabalho me aguarda no Primeiro Mundo",
ele disse com uma piscadela nada cristã. "Afinal, há
demônios em toda parte."
Der Spiegel
Fonte:
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2007/03/04/ult2682u380.jhtm
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