Um dos fenômenos que tenho
observado em instituições espíritas é
a territorialização. Podemos definir a territorialização
em uma organização como sua divisão em segmentos
com regras próprias e núcleo de poder, em dissonância
com os elementos identitários da organização
como um todo.
A territorialização, no caso dos centros espíritas,
pode acontecer em associações grandes ou pequenas,
mas é mais comum nas grandes associações, geridas
com estrutura, cargos e funções de gestão pensadas
para organizações menos complexas e de menor porte.
Não se confunde territorialização com departamentalização
das sociedades espíritas. Esta última prevê
autonomia em determinados segmentos ou departamentos, mas mantém
coesão em torno de diretrizes gerais e de decisões
para a organização como um todo. A departamentalização
reconhece que em determinados segmentos, pode haver necessidades
e características próprias, por isso tem diretrizes
gerais para o todo e permitem variações consistentes
com estas características gerais em departamentos específicos.
Este fenômeno vem acompanhado do surgimento de lideranças
“individualistas”, com aspirações, visão
das tarefas e objetivos de seu(s) grupo(s) de trabalho desconectadas
da visão, missão e objetivos da organização
como um todo. As lideranças de territórios desenvolvem
uma lógica de isolamento, evitar o diálogo com lideranças
organizacionais e não participação dos fóruns
institucionais. Para sustentarem-se, as lideranças são
carismáticas, e atraem o respeito e a fidelidade das pessoas
que trabalham com elas. Aos poucos conseguem que as pessoas percebam
a direção institucional como uma espécie de
“mal necessário”, que se deve respeitar e tratar
bem, mas não necessariamente seguir as diretrizes que vêm
dela, por mais democráticos e dialógicos que sejam
os fóruns de decisão.
Quando participam de órgãos deliberativos, os líderes
territoriais podem evitar o conflito verbal, mas boicotam as decisões
coletivas com as quais não concordam, considerando-se acima
delas.
Tendo se acostumado com esta forma de liderar e coordenar, se eleitas
para cargos de nível organizacional, estas lideranças
terão dificuldades em lidar com as diferenças, tendendo
ao autoritarismo e promovendo conflitos nas relações.
Em vez de promover o difícil e demorado caminho da busca
possível de consenso com base no diálogo, pretenderão
normatizar a partir de sua perspectiva individual. Transformam facilmente
uma discussão de ideias em um conflito pessoal, às
vezes impondo seus pontos de vista e desqualificando quem discorda
deles.
Concebamos as sociedades espíritas territorializadas como
uma construção com rachaduras. Se não houver
uma intervenção e uma conscientização
dos membros dos territórios que são também
membros da sociedade como um todo, e que precisam apoiar dentro
do possível os projetos coletivos, a construção
de normas comuns, e os diretores, que tem o difícil papel
de articular uma organização cheia de pontos de tensão,
a tendência é a ruptura ou o isolamento, enfraquecendo
a sociedade espírita como um todo.
Penso que todos nós temos uma tendência ou impulso
ao personalismo. É, portanto, um trabalho de autodesenvolvimento
evitar que ele se torne predominante na nossa vida de relação,
aprendendo a ouvir e a respeitar fóruns instituídos.
Não é à toa que Allan Kardec valorizasse muito
o entendimento e a colaboração entre os membros das
sociedades espíritas.