Sábado à tarde. Um
pedido de orientação me fez chegar mais cedo ao Célia
Xavier. A jovem não havia entrado em detalhes, apenas queria
conversar sobre mediunidade. A pergunta era: como eu posso ter certeza
que sou médium?
Se fosse uma mediunidade de vidência
ou audiência, a pergunta seria: será que eu não
sou louca? Mas tratava-se de uma mediunidade que Kardec classifica
como intuitiva.
Mediunidade intuitiva é uma
classificação que cabe em uma gama diversa de manifestações.
Embora Kardec estivesse tratando de médiuns escreventes quando
tocou no assunto (O Livro dos Médiuns,
cap. XV.), sua definição se aplica também
a médiuns falantes, de pressentimentos, pintores, entre outros.
A descrição da faculdade
é simples. O médium percebe o conteúdo do que
vai escrever ou falar antes do fenômeno acontecer, e movimenta
o lápis ou a garganta de vontade própria. Como não
há nenhuma interferência do espírito comunicante
nas vias motoras do médium, não há mudança
de caligrafia ou de entonação de voz, a menos que
o médium assim o deseje (e o faça por conta própria,
muitas vezes para se sentir mais seguro).
O problema dos médiuns intuitivos
é a distinção entre seus próprios pensamentos
e os pensamentos oriundos dos espíritos. Há faculdades
em que a percepção dos espíritos é nítida
e semelhante à percepção dos órgãos
dos sentidos. O mesmo não se dá com a intuição.
O médium tem razões para crer que o pensamento não
foi criado por ele, mas também não sente segurança
para afirmar que é oriundo de um espírito, e em caso
afirmativo, hesita quanto à fidelidade do que está
escrevendo.
A mediunidade intuitiva é
um conjunto de sugestões espirituais registradas pelo pensamento/sentimento
do intermediário que é traduzido, interpretado e registrado
por ele.
Para se ter noção
da precariedade da comunicação intuitiva, faça
uma vivência. Peça a um amigo para lhe contar, sem
citar nomes, um episódio que aconteceu com ele, em ritmo
de narrativa, pegue um lápis e vá anotando da forma
possível o que ele diz. Compare o resultado final com uma
gravação daquilo que ele narrou. Como se saiu?
Imagine agora uma situação
em que você não é capaz de ouvir claramente,
em que as idéias são percebidas com dificuldade, é
necessário manter a concentração sobre o conteúdo,
sem dispersar-se e as suas próprias emoções
alteram a comunicação com a fonte. Estas são
algumas das dificuldades deste tipo de mediunidade.
Kardec estava atento a este tipo
de situações quando escreveu sobre o assunto. Acostumado
a trabalhar com médiuns mecânicos e semimecânicos,
ele assim se refere à mediunidade intuitiva:
“Efetivamente, a distinção
é às vezes difícil de fazer-se. (...)”
Uma observação que
Kardec faz quanto ao mecanismo desta faculdade é o que se
pode chamar de criação simultânea. O médium
não cria o texto em sua mente e organiza as idéias
para, a seguir, redigir. O pensamento “nasce à medida
que a escrita vai sendo traçada e, amiúde, é
contrário à idéia que antecipadamente se formara.
Pode mesmo estar fora dos limites dos conhecimentos e capacidades
do médium”. (O Livro dos Médiuns,
parágrafo 180)
Quatro elementos identificadores
se encontram, portanto, no texto kardequiano: a falta de impulsos
mecânicos, a voluntariedade da escrita mediúnica, a
criação simultânea das idéias do texto
e a presença de conhecimentos e informações
que podem estar além das capacidades do médium.
Mesmo encontrando estas quatro características
(e a última é muito importante para a identificação
de um médium intuitivo), ainda assim o produto desta mediunidade
é passível de mescla com as idéias pessoais
do intermediário. Isto fez com que os espíritos dissessem
a Kardec a seguinte frase sobre os médiuns intuitivos:
“São muito comuns,
mas muito sujeitos a erro, por não poderem, muitas vezes,
discernir o que provêm dos Espíritos e o que deles
próprios emana”. (O Livro dos Médiuns, parágrafo
191)
Este tipo de faculdade desaponta
bastante os que desejam ver fenômenos definitivos, que dão
evidências da vida após a morte. Parece-se com o garimpo
manual, descarta-se muita areia para encontrar uma ou outra pepita
de ouro verdadeiro. O curioso é que os céticos ficam
a dizer: “só vejo areia”, e quando surge o ouro
vociferam “quem sabe este charlatão não o colocou
aí quando nos distraímos”.
Eu expliquei aos poucos estas informações
à jovem, que me pareceu um pouco desapontada no final da
conversa. Talvez ela tenha sido incentivada a escrever o que lhe
ocorria, mas não tenha surgido nada em seu texto que atenda
ao quarto critério de Kardec. Tudo indica que continuou em
dúvida.
Com o surgimento da Psicologia Analítica,
a distinção entre mediunidade intuitiva e animismo
ficou ainda mais difícil. Jung afirmou que alguns fenômenos
psicológicos nos quais a pessoa se sente um expectador, são
frutos da fantasia ou da imaginação ativa; esta última,
uma manifestação de arquétipos do inconsciente
coletivo, mas isto é assunto para um outro artigo.