Bernardino
da Silva Moreira
> Espiritismo e Eugenia
Foi em 1883 que o médico
inglês, Francis Galton (1822-1911), cunhou o termo eugenia,
precisamente na obra Inquéritos em Faculdade Humana
e seu Desenvolvimento, mas a ideia já era conhecida
do francês, Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882), uma mistura
de diplomata, escritor e filósofo. Aliás, até
mesmo Platão (427 a.C.-347 a.C.) falava que a sociedade humana
se aperfeiçoaria por processos seletivos, (é só
conferir em República) e esta prática também
já era encontrada entre os espartanos, que eliminavam os recém-nascidos
que apresentassem deficiência, principalmente as mulheres.
Foi com o Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas (1855),
de Gobineau, que a eugenia e o racismo voltaram com plena força.
Para ele, a mistura de raças, isto é, a miscigenação
era inevitável e levaria a raça humana cada vez mais
a uma degenerescência física e intelectual. É
atribuída a ele a frase:
"Não creio que
viemos dos macacos, mas creio que vamos nessa direção."
Em 1869, Gobineau, em sua segunda missão diplomática,
vem ao Brasil. Tal qual Carlota Joaquina (1775-1830), faz pouco caso
do país, mostrando uma animosidade registrada nas palavras:
"Mas se, em vez de se reproduzir entre si, a população
brasileira estivesse em condições de subdividir ainda
mais os elementos daninhos de sua atual constituição
étnica, fortalecendo-se através de alianças de
mais valor com as raças europeias, o movimento de destruição
observado em suas fileiras se encerraria, dando lugar a uma ação
contrária."
Em 1870, volta para a França, levando apenas de bom a amizade
que fez com D. Pedro II.
As teorias racistas de Gobineau, alimentadas pelo sonho utópico
da raça pura, seriam questionadas por Kardec (1804-1869) e
os Espíritos superiores que o secundavam, dois anos depois:
Do ponto de vista físico, são de criação
especial os corpos da raça atual, ou procedem dos corpos primitivos,
mediante reprodução?
"A origem das raças se perde na noite dos tempos.
Mas, como pertencem todas à grande família humana, qualquer
que tenha sido o tronco de cada uma, elas puderam aliar-se entre si
e produzir tipos novos." (Questão
690 de "O Livro dos Espíritos").
Se Gobineau pudesse ter lido "A origem das espécies",
de Charlie Darwin, (1809-1882) quatro anos depois, antes de escrever
o Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, talvez não
tivesse dito tanta besteira.
Fazendo apologia da antropologia criminal, da antropometria e da frenologia,
o baiano e antropólogo, Nina Rodrigues (1862-1906), fervorosamente
defende o racismo com unhas e dentes e, no ano da abolição
da escravatura, escreve desdenhosamente:
"A igualdade é falsa, a igualdade só existe
nas mãos dos juristas".
Essas batatadas estão inseridas em "Os africanos
no Brasil (1894)". Lamentavelmente, Nina Rodrigues
e Gobineau faziam um dueto afinadíssimo: para eles, o negro
e os mestiços se constituíam na causa da inferioridade
do Brasil. Ainda bem que o Espiritismo também chegou, no séc.XIX,
e defendeu a justiça, a igualdade e a fraternidade, com a mesma
veemência desses dois ilustres racistas. É só
conferir a questão 689 de "O Livro dos Espíritos".
"Os homens atuais formam uma criação nova,
ou são descendentes aperfeiçoados dos seres primitivos?"
"São os mesmos Espíritos que voltaram, para
se aperfeiçoar em novos corpos, mas que ainda estão
longe da perfeição. Assim, a atual raça humana,
que, pelo seu crescimento, tende a invadir toda a Terra e a substituir
as raças que se extinguem, terá sua fase de crescimento
e de desaparição. Substituí-la-ão outras
raças mais aperfeiçoadas, que descenderão da
atual, como os homens civilizados de hoje descendem dos seres brutos
e selvagens dos tempos primitivos."
Com a publicação da obra, "A Origem
das Espécies" (1859), de Charles Darwin,
a seleção natural joga uma pá de cal no racismo
de Gobineau, mas Francis Galton, que era primo de Darwin, resolve
adotar as novas ideias de forma diferente e propõe a seleção
artificial para o aprimoramento da população humana.
Até aí, tudo bem, o papel da ciência é
este mesmo, isto é, contribuir para o progresso humano, como
podemos ver na questão 692 de "O Livro dos
Espíritos":
Será contrário à lei da Natureza o aperfeiçoamento
das raças animais e vegetais pela Ciência? Seria mais
conforme a essa lei deixar que as coisas seguissem seu curso normal?
"Tudo se deve fazer para chegar à perfeição
e o próprio homem é um instrumento de que Deus se serve
para atingir Seus fins. Sendo a perfeição a meta para
que tende a Natureza, favorecer essa perfeição é
corresponder às vistas de Deus."
Além de cunhar o termo eugenia, Galton lançou as bases
da genética humana para designar a melhoria de uma determinada
espécie. Suas ideias foram elogiadas na prestigiosa revista
americana "Nature" em 1870.
Mas, em meio ao trigo, veio também o joio; e Galton também
derrapa quando, na obra, "O gênio herdado"
(1869), apresenta o que compilou e sistematizou sobre a inteligência
de vários membros de várias famílias inglesas,
durante sucessivas gerações. Sua conclusão foi
preconceituosa e elitista; para ele, a inteligência acima da
média, nos indivíduos de uma determinada família,
se transmite hereditariamente. E, pra piorar, sugeriu uma eugenia
positiva através de casamentos seletivos. Apesar de todo rigor
metodológico, Galton confundiu alhos com bugalhos ou, se preferirem,
corpo e espírito. Na questão 207, Kardec pergunta e
os Espíritos respondem sensatamente:
Frequentemente, os pais transmitem aos filhos a parecença
física. Transmitirão também alguma parecença
moral?
"Não, que diferentes são as almas ou Espíritos
de uns e outros. O corpo deriva do corpo, mas o Espírito não
procede do Espírito. Entre os descendentes das raças
apenas há consanguinidade."
As diferenças existentes entre as raças, sejam elas
morais ou intelectuais, não devem ser resolvidas com o reducionismo
cientifico que apenas vê a matéria, que é somente
uma aparência a embaçar a realidade, mas sim, com as
potencialidades do Espírito. As desigualdades devem ser resolvidas
com fraternidade e muito amor, e não com a frialdade de uma
ciência sem alma.
Nada de privilégios, como veremos na questão 831 de
"O Livro dos Espíritos":
"A desigualdade natural das aptidões não
coloca certas raças humanas sob a dependência das raças
mais inteligentes?
"Sim, mas para que estas as elevem, não para embrutecê-las
ainda mais pela escravização. Durante longo tempo, os
homens consideraram certas raças humanas como animais de trabalho,
munidos de braços e mãos, e se julgaram com o direito
de vender os dessas raças como bestas de carga. Consideram-se
de sangue mais puro os que assim procedem. Insensatos! Nada veem senão
a matéria. Mais ou menos puro não é o sangue,
porém o Espírito."
Os devaneios racistas de cientistas franceses e ingleses também
contagiaram os brasileiros, a tal ponto que, em 1931, surge o Comitê
Central de Eugenismo, presidido por Renato Kehl e Belisário
Penna. Sua proposta principal era o fim da emigração
de não brancos e "prestigiar e auxiliar as iniciativas
científicas ou humanitárias de caráter eugenista
que sejam dignas de consideração", isto é,
seguir o conselho de Gobineau, impedindo de todas as formas a miscigenação.
Comitê contraditório esse! Onde já se viu a união
de humanitarismo e racismo? Parece até brincadeira!
A Alemanha não podia ficar de fora e, como era moda, seguiu
Gobineau, subservientemente. Pra começar, em 1935, as leis
de Nuremberg proibiram o casamento ou contato sexual de alemães
com judeus, pessoas com problemas mentais, doenças contagiosas
ou hereditárias, mas, em 1933, já era lei a esterilização
de pessoas com problemas hereditários e a castração
de delinquentes sexuais, ou de pessoas que a cultura nazista assim
classificasse, como era o caso dos homossexuais.
Os EUA também não podiam ficar de fora desse modismo
e trataram logo de reunir a eugenia europeia com o racismo arraigado
já existente. Isto quer dizer o seguinte: eliminar as futuras
gerações de incapazes (doentes, de raças indesejadas
e empobrecidas) através da proibição de casamento,
esterilização coercitiva e eutanásia. Como teoria,
vicejou no final do século XIX, quando os imigrantes não
germânicos eram malvistos pelos descendentes dos primeiros colonizadores.
E não faltou apoio para isto. Os milionários, John D.
Rockefeller, Harriman e Carnegie correram solícitos, acompanhados
por cientistas de Harvard, Yale, Princeton e Stanford.
Em 1912, foi criado o Comitê Internacional de Eugenia, e o centro
em Cold Spring Harbor era base de treinamento de eugenistas do mundo
todo.
Apesar do tempo, as ideias da eugenia sobrevivem, pois seus métodos
estatísticos foram incorporados à teoria Darwiniana,
nos anos 30 (Quem não ouviu falar de darwinismo social?) e
sintetizados com a genética Mendeliana. É lamentável!
Em nome do progresso, cometem-se as maiores atrocidades. O forte deveria
amparar o fraco, mas o egoísmo e o orgulho passam por cima
da humildade e fraternidade, deixando aos cegos e pobres de espírito
a ilusão do poder material. Tudo tem seu tempo! Daí
Kardec perguntar, na questão 787 de "O Livro
dos espíritos":
Não há raças rebeldes, por sua natureza,
ao progresso?
"Há, mas vão aniquilando-se corporalmente,
todos os dias."
a) - Qual será a sorte futura das almas que animam
essas raças?
"Chegarão, como todas as demais, à perfeição,
passando por outras existências. Deus a ninguém deserda."
b) - Assim, pode dar-se que os homens mais civilizados tenham
sido selvagens e antropófagos?
"Tu mesmo o foste mais de uma vez, antes de seres o que és."
No passado longínquo, todos nós fomos inferiores e selvagens;
eu, você, Kardec, Gobineau, Nina Rodrigues, Francis Galton e
muitos outros cientistas, filósofos, religiosos de todos os
tempos. Em alguns momentos, nós nos transformamos e queremos
voltar pra caverna, mas é hora de ir em frente. A lei do progresso
também é lei de Deus!
Bibliografia
O livro dos Espíritos, Allan Kardec, 76a.
edição, Tradução de Guillon Ribeiro, FEB
História da ciência no Brasil, de 1500 a 1920, do Cruzeiro
do Sul à Conquista do ar, Scientific American Brasil, Duetto
editora, 2009
http://www.wikipedia.org/
Fonte: http://www.oclarim.com.br/?id=7&tp_not=2&cod=1531
- CASA EDITORA O CLARIM - Matão/SP - Brasil
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