Vinicius Lousada
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VIOLÊNCIA
E NORMOSE
Notadamente a violência ganha destaque
nos noticiários. Não faltam as estatísticas apontando
que vivemos dias em que assumimos posturas belicosas em escala alarmante,
levando os analistas sociais, jornalistas, curiosos e pensadores apontarem
em relevo o nosso modo desordenado de ser e estar em coletividade, colocando
a vida humana em nível de baixa consideração na
disputa de migalhas que passam.
Os niilistas, que apostam estarmos vivendo dias de caos, distribuem
uma concepção pessimista da vida, ressaltam que nos tornamos
agressivos enquanto civilização que reproduz comportamentos
apenas concebíveis em tempos de barbárie, presentes em
nosso passado ancestral. Outros, os defensores de posturas beligerantes
gritam em defesa da indústria das armas, defendendo o direito
do cidadão, do suposto homem de bem de matar caso se veja constrangido
por indivíduos de caráter agressivo ou homicida.
A grande massa prossegue indiferente, aprisionada no estágio
de normose – a patologia da normalidade, segundo Pierre Weill
– a que se vê acometida, seguindo os padrões comportamentais
pouco ou quase nada reflexivos, dando conta de rotineiramente trabalhar,
comer, consumir, gozar e dormir celeremente, sem fruir o momento presente,
sem atentarem para o rumo que dão ás suas vidas e à
mesquinhez de seus projetos existenciais ególatras, quando os
têm...
Entorpecidos, os indivíduos normóticos não se apercebem
do absurdo dos quadros de violência que desenhamos no painel dos
relacionamentos humanos, dos mais simples aos complexos, ou os consideram
comuns e até mesmo necessários – quase um eixo orientador
das condutas humanas, ou seja, algo totalmente normal.
São Espíritos condicionados pela interdição
do pensar, nas vidas sucessivas e no além-túmulo, típica
dos regimes autoritários fomentadores de revolta ou covardia
e das religiões fundamentalistas do oriente ou do ocidente que
lhes inspiraram a submissão intelectual aos dogmas e adesão
irreflexiva às suas práticas ou aos discursos.
UM ALERTA QUE MERECE ATENÇÃO
Numa das páginas do ZERO HORA (02/02/2009) chega-nos a manchete:
“2008 violento no RS – o ano que mais se matou na década”.
Segundo a informação desse conceituado jornal gaúcho
as disputas vinculadas ao tráfico de drogas favoreceram essa
conclusão pautada em estatísticas policiais. Dentre os
12.746 homicídios no Rio Grande do Sul na década atual
1.641 pertenceram ao ano passado, o maior número da década.
Segundo ainda o referido jornal, o que contribui para que esses números
alarmantes prossigam são a miséria presente nas periferias
que abriu as portas à instalação funesta do tráfico
de drogas e o meio de reduzi-la seria a implantação de
ações coletivas de combate ao mesmo.
Como sabemos, à luz dos saberes espiritistas, a violência
impingida pela indústria do tráfico, por mais terrível
que seja é apenas uma das facetas da hidra da violência.
Temos a violência da fome, do desemprego, da miséria material,
do analfabetismo e da ignorância, do aviltamento dos recursos
públicos, das guerras fratricidas, dos conflitos entre gangues
e de nossas atitudes agressivas culturalmente toleráveis no cotidiano
da vida de relação.
Oportunamente, escrevi sobre a questão da violência no
meu livro “Saberes de Espiritualidade e Paz” e peço
licença para citá-lo em sua página dezessete, procurando
identificar o que está no fundo de nossas ações
agressivas: “Os comportamentos agressivos denunciam a falta de
contenção da criatura humana frente aos apelos da pulsão
de morte (...)”.
Conter-se, ou seja, controlar-se, substituir o hábito da cólera
pelo respirar profundamente e aprender a pensar eticamente sobre nossas
atitudes para, pouco a pouco, deixarmos de ser tão reativos ante
as ameaças impostas por terceiros.
A contenção dos impulsos agressivos pede que nos perquiramos
a fim de que percebamos o quanto as atitudes violentas nos desumanizam,
ou seja, afastam-nos dos valores humanos e da senda de progresso espiritual
que buscamos para a aquisição das virtudes na prática
consistente do bem.
Retribuir a violência na mesma medida em que outrem nos hostiliza
é alimentar um círculo vicioso de anti-fraternidade e
mergulhar num fluxo causal e complicador de sofrimento totalmente dispensável
ante o entendimento da transitoriedade da vida física e da nossa
vocação ontológica à plenitude.
Um caminho sábio apresentado pelos prepostos do Cristo nas mais
diferentes tendências do pensamento, inspiradas espiritualmente
pelo Seu amor e corporificado na prática por Gandhi, é
o da não-violência ativa.
A NÃO-VIOLÊNCIA ATIVA
Trata-se da assunção de uma atitude de rejeição
consciente a toda e qualquer forma de violência ou, como propunha
Gandhi, a ação de não-cooperação
com tudo aquilo que é humilhante.
E, no campo dos conflitos humanos essa prática pede a instauração
do perdão entre os litigantes, onde a ausência de rancor
abre as portas do coração à estima e à amizade.
Eis um desafio que se nos apresenta, do qual não podemos esperar
que os outros assumam.
A não-violência ativa não depende do governo, das
instituições sociais ou religiosas, parece-me que devemos
encará-la como uma questão a ser assumida pessoalmente
como sendo uma resposta corajosa aos comportamentos agressivos que grassam
em nossa casa planetária.
Aderir à violência seria reproduzir a postura duelista
do passado onde era legitimado culturalmente o porte da arma para dar
prontidão ao sujeito frente à suposta necessidade de defesa
da pátria, de suas crenças, honra e vida.
Jesus, ao contrário do que crêem e fazem alguns cristãos,
lecionou a não-violência ativa quando propôs: “Amai
os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que
vos perseguem e caluniam (...).” 2
Kardec, ao se referir a essa proposta do Mestre Inolvidável,
ensina-nos que amar os inimigos é “não lhes guardar
ódio, nem rancor, nem desejos de vingança; é perdoar-lhes,
sem pensamento oculto e sem condições, o mal que nos causem;
é não opor nenhum obstáculo a reconciliação
com eles; é desejar-lhes o bem e não o mal (...)”3
é, enfim, lhes retribuir o mal que nos façam com o bem
que esteja ao nosso alcance de fazer, tudo isso em prol mesmo da felicidade
que tanto almejamos e que somente pode ser conquistada na medida em
que eliminamos as sombras interiores de nossas imperfeições
na aprendizagem prática das virtudes.
Atentemos: não-violência ativa é praticar constantemente
o bem!
ESTUDANDO KARDEC:
“Os duelos tomam-se cada vez mais raros – ao menos na França
– e se vemos ainda, de vez em quando, dolorosos exemplos, seu
número já não é comparável aos de
outrora. Antigamente um homem não saía de casa sem prever
um encontro, em conseqüência do que tomava precauções.
Um sinal característico dos costumes da época e da gente
estava no porte habitual, ostensivo ou oculto, de armas ofensivas e
defensivas. A abolição desse uso testemunha o abrandamento
dos costumes; e é curioso seguir-lhe a gradação
desde aquela época em que os cavaleiros jamais cavalgaram sem
armadura e armados de lança, até o simples porte da espada,
mais como ornamento e acessório do brasão, do que arma
agressiva. Outro traço dos costumes é que outrora os combates
singulares se davam em plena rua, perante a multidão que se afastava
para deixar o campo livre, e que hoje são ocultos. Hoje a morte
de um homem é um acontecimento comovente. Outrora não
se prestava atenção. O Espiritismo apagará esses
últimos vestígios da barbárie, inculcando nos homens
o espírito de caridade e de fraternidade.” 4
1- Educador, escritor e palestrante espírita
residente em POA/RS. Contatos: vlousada@hotmail.com
2- Mateus 5:43.
3- O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. XII, item 3.
4- Revista Espírita, novembro de 1862 – O duelo.
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