O LIVRO DOS
MÉDIUNS EM SEUS 150 ANOS
Vinícius Lousada (1)
Na
atualidade, não há compêndio de Espiritismo experimental mais oportuno
que O Livro dos Médiuns ou Guia dos médiuns e dos evocadores
de autoria do mestre Allan Kardec. Vindo a lume nos dias iniciais de
janeiro de 1861 e editado pelo Sr. Didier essa obra, segundo o Codificador
(2), consistia no complemento de O Livro dos Espíritos,
com o seu caráter científico. Mais tarde, Kardec vai considerá-la no
rol das obras fundamentais do Espiritismo.
Ao seu tempo, podia
ser adquirida na Livraria do Sr. Didier, tanto quanto, no escritório
da Revista Espírita na passagem Saint-Anne, em Paris, em grande volume
in-18, de 500 páginas. Em poucos meses do mesmo ano o livro teve uma
segunda edição, com nova formatação e inteiramente revisada pelos Espíritos
com numerosas observações valorosas de sua lavra, de tal forma que as
palavras de Kardec manifestam que a obra era tanto deles quanto de seu
autor (3).
Fico a imaginar a emoção,
em 1861, de médiuns e dirigentes de grupos espíritas sérios ao encontrarem
na produção kardequiana orientação segura para o desenvolvimento e direcionamento
feliz da mediunidade, a serviço de uma compreensão mais profunda do
mundo invisível porque iluminada pelos saberes produzidos na colaboração
interexistencial entre o mestre lionês e os Espíritos Superiores, por
sua vez, comandados pelo Espírito de Verdade.
Um
guia seguro para lidar com a mediunidade
Não se trata somente
de mais um livro, é uma obra indispensável no campo de estudos e meditações
em torno da mediunidade para que o seu exercício se torne serviço ao
semelhante, seja pela constatação veraz da imortalidade da alma e a
identificação de nossa natureza espiritual, seja pelo diálogo criativo
e moralizante com os sempre vivos, e ainda, pelo esclarecimento que
se pode dar aos sofredores desencarnados, cuja infelicidade a que se
atrelaram aguarda a terapêutica do Evangelho de Jesus no verbo fraterno
dos reencarnados, sob os auspícios dos Benfeitores Espirituais.
Esse trabalho levado
a bom termo por Allan Kardec é resultado de uma longa pesquisa experimental
com Espíritos e médiuns, onde o cientista, aos estabelecer um método
de experimentação em consonância com o objeto pesquisado – o mundo dos
Espíritos e a filosofia ensinada pelos Imortais –, considera seus informadores
espirituais não como reveladores pré-destinados, mas, como parceiros
de estudos, cada qual contribuindo relativamente em seu patamar evolutivo.
Em O Livro dos
Médiuns o Codificador exitosamente esclarece tudo que era referente
às manifestações espíritas físicas e intelectuais, em seu contexto histórico,
de acordo com os Espíritos Superiores a fim de desenvolver uma teoria
espírita explicativa dos fenômenos, os mais variados, produzidos pelos
habitantes do Mais Além; como também, das condições de sua reprodução
e controle metodológico.
No anúncio que faz
da obra na Revue Spirite, destaca que “sobretudo
a matéria relativa ao desenvolvimento e ao exercício da mediunidade
mereceu de nossa parte uma atenção toda especial.” (4)
Desse modo, já nessa
consideração do autor somos convidados a levar em conta que, sobretudo
os espíritas, podemos recolher em seu conteúdo um norte para o desenvolvimento
seguro da mediunidade (no sentido kardequiano é um processo educativo
do médium), e para o uso saudável dessa pré-disposição orgânica, natural
e radicada no Espírito em sua capacidade comunicativa, quando manifesta
de forma ostensiva.
O leitor estudioso
dessa obra nela encontra condições de compreender a fenomenologia que
cerca a mediunidade que possa ser portador, os recursos teóricos para
lidar com sucesso na vereda da convivência lúcida com os Espíritos e
para o enfrentamento adequado de seus desafios e obstáculos que, ao
serem encarados sem o devido conhecimento, geram decepções e tristes
resultados como a obsessão ou o uso imoral da mediunidade.
Por outro lado, na
formação do dirigente e/ou do “doutrinador” (evocador, como Kardec designava
o responsável por dialogar com os Espíritos nas reuniões espíritas)
a obra é igualmente de sumo valor para que levemos com retidão os diálogos
sempre instrutivos que se pode obter com os desencarnados, sendo possível
apresentar-lhes questões em prol do esclarecimento moral e intelectual
de todos nós, para o que nos orienta Kardec (5).
Enfim, o espiritista
convicto encontra nesse livro subsídio para entender melhor o Espiritismo,
em sua complexidade, na medida em que a obra revela aspectos essenciais
do caráter experimental da Doutrina dos Espíritos, não raramente desconsiderados.
Em prol da
Moral e da Filosofia Espírita
Com o advento de O
Livro dos Espíritos o Espiritismo abandonava seu período de
curiosidade, caracterizado pela especulação nem sempre séria, em nível
de entretimento em que eram colocados os fenômenos espíritas por muita
gente, na Europa do século XIX, e adentrava seu período de observação
ou filosófico no qual “O Espiritismo é aprofundado e se depura, tendendo
à unidade de doutrina e constituindo-se em Ciência.” (6)
Kardec via o Espiritismo
como uma Ciência Moral (7) e, ao escrever O Livro dos Médiuns,
deixa um legado inolvidável e previa de antemão as críticas ciumentas
ou personalistas que queriam fazer valer sistemas particulares para
a condução das lides mediúnicas, ou ainda, na explicação exclusivista
destas, sem a chancela do ensino coletivo dos Espíritos.
Ainda, o cientista
do invisível dá uma razão de ser grave à fenomenologia mediúnica para
que se recolha com os Espíritos ensinamentos sérios e úteis à nossa
felicidade na vida espiritual, evitando-se o desvio do fim providencial
da mediunidade nas práticas espíritas.
Respondendo aos seus
críticos que talvez supusessem desnecessária a severidade de princípios
e conselho obtidos nessa obra, sem querer fundar escola, mas, propagar
o direcionamento dado pelos Espíritos Superiores à mediunidade no Espiritismo,
Kardec coloca na fachada principal dessa proposta o seu caráter moral
e filosófico, sobretudo, em prol dos que se percebem necessitados das
esperanças e consolações que podem haurir na Doutrina e nos resultados
da atividade mediúnica sob a orientação maior de Jesus.
Nesse ano de comemorações
do sesquicentenário de O Livro dos Médiuns procuremos
estudar com profunda gratidão, no plano individual e coletivo, esse
livro essencial no campo da mediunidade com Jesus e Kardec.
Estudando Kardec
“Nós mesmos pudemos constatar, em nossas
excursões, a influência salutar que esta obra exerceu sobre a direção
dos estudos espíritas práticos; assim, as decepções e mistificações
são muito menos numerosas do que outrora, porque ela ensinou os meios
de frustrar as artimanhas dos Espíritos enganadores.” (8)
____________
(1) Pedagogo, palestrante e escritor espírita. E-mail: vlousada@hotmail.com.
(2) KARDEC, Allan.
Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano
IV. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, pág. 22.
(3) Idem, pág.
518.
(4) Idem.
(5) KARDEC, Allan.
O Livro dos Médiuns. 71. ed. Rio de Janeiro: Federação
Espírita Brasileira, 2003, Cap. XXVI.
(6) KARDEC, Allan.
Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano
I. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2005, pág. 369.
(7) LOUSADA, Vinícius. Em Busca da Sabedoria. Porto Alegre:
Editora Francisco Spinelli, 2010, p. 104.
(8) KARDEC, Allan.
Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano
IV. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2006, pág. 517.