As declarações de Kardec, quanto à
natureza evolutiva do Espiritismo, têm servido de justificação
para muitas confusões doutrinárias. Renovadores encarnados
e reveladores desencarnados apóiam-se nas próprias palavras
do codificador, para desfigurarem a codificação. E quando
alguém se levanta em defesa da pureza da doutrina, é
logo acusado de retrógrado. Entretanto, a verdade é
que Kardec só admitia a evolução mediante rigoroso
controle dos fatos e das comunicações mediúnicas,
estas sempre sujeitas ao exame do bom-senso e ao critério da
universidade.
A facilidade com que hoje se aceitam inovações
doutrinárias é simplesmente espantosa. Há uma
sede tremenda de "novidades", alimentada na fogueira da
curiosidade malsã e da vaidade pessoal sem limites. Pessoas
que não chegaram a ler "O Livro dos Espíritos",
que não conhecem a doutrina, apegam-se a mensagens pretensamente
reveladoras e sustentam que Kardec está superado. Por outro
lado, divulgadores mais informados fazem palestras, escrevem artigos
e livros em que os princípios basilares da doutrina são
esquecidos, em favor de teorias novas e sem base. Tudo por que? Porque
o Espiritismo tem de evoluir, segundo afirmam, e não podemos
"estacionar em Kardec".
No capítulo primeiro de "A Gênese"
item 55, o codificador afirma que a natureza evolutiva da revelação
espírita, declarando que está "apoiada em fatos,
tem de ser, e não pode deixar de ser, essencialmente progressiva,
como todas as ciências de observação".
Mas os que citam as palavras de Kardec nesse sentido nem sequer atentam
para a significação desse trecho, em que o codificador
se refere ao progresso geral das ciências e particularmente
às relações do Espiritismo com as ciências.
É claro que o Espiritismo não poderia estacionar, num
mundo em que tudo evolui, tudo se transforma.
Negar a evolução do Espiritismo seria
negar a sua lei fundamental, que é exatamente a lei da evolução.
Mas aceitar para a doutrina uma evolução anárquica,
sem controle, sem leis, feita ao sabor da novidadeirice, e das vaidades
pessoais é atentar contra o patrimônio doutrinário
que recebemos, e pelo qual devemos zelar.
O progresso do Espiritismo não se faz através de "revelações
mirabolantes", dadas em tom profético, derramadas em palavreado
pomposo, nem através de teorias pessoais, sutilmente elaboradas
no recesso dos gabinetes, e menos ainda com a adoção
de processos mágicos e rituais religiosos. Todas essas formas
pertencem exatamente ao antiespiritismo, a um passado em que as idéias
espíritas estavam sufocadas sob as falsas interpretações
dos fatos. Depois do aparecimento do "Livro dos Espíritos"
que deu cumprimento à promessa do Consolador, os problemas
espirituais saíram da nebulosa das suposições
absurdas, das afirmações dogmáticas e das interpretações
pessoais, passando ao terreno positivo da observação
e da experiência. O Espiritismo tirou fatos chamados supranormais
do plano da charlatanice, para torná-los objeto de pesquisa
científica e reflexão filosófica.
Vejamos para comprovar isso, o que diz Kardec em "A
Gênese", item 55 do primeiro capítulo:
"O Espiritismo não estabelece, como princípio
absoluto, senão o que se acha evidentemente demonstrado, ou
que ressalta logicamente da observação." Esta
característica fundamental do Espiritismo não pode ser
esquecida, quando falamos em evolução da doutrina. Os
princípios doutrinários, firmados cientificamente, através
da experiência e da observação, só podem
ser alterados ou acrescentados por meio de novas conquistas positivas,
de evidência universal. Fora disso, não temos evolução,
mas retrocesso. Já no tempo de Kardec havia muitas "revelações"
imaginosas, que o codificador não levou em consideração,
por não conterem nenhum elemento de segurança.
Muitas "mensagens mirabolantes" lhe foram
enviadas e Kardec as deixou prudentemente de lado. Grande parte das
"novidades" mediúnicas de hoje são infinitamente
inferiores àquelas comunicações.
Outra tendência bastante acentuada entre nós é
a do desprezo pelas ciências positivas. O amor do maravilhoso
provoca vertigens no meio espírita, quando Kardec advertiu
que o Espiritismo é a própria negação
do maravilhoso.
Explicando os fatos supranormais pela descoberta das leis naturais
do espírito, a doutrina afasta a possibilidade do milagre e
conduz os homens à compreensão dos processos dinâmicos
da natureza. Não existe o sobrenatural, porque este só
podia existir diante da ignorância da extensão das leis
naturais, que não se limitam ao plano da matéria. Por
isso mesmo, Kardec acentuou que o Espiritismo e as ciências
se completam e devem avançar de mãos dadas. Em "A
Gênese", esclarece que o Espiritismo só
pode aparecer em meados do século dezenove, porque dependia
do desenvolvimento científico: "só podia vir depois
da elaboração das ciências". (Cap.
I, item 18).
Como vemos, desprezar as ciências é negar
as próprias condições de desenvolvimento da doutrina
espírita.
Não existe evidentemente, uma sujeição do Espiritismo
às ciências, mesmo porque, segundo acentua Kardec, o
Espiritismo é também uma ciência, aplicada ao
elemento espiritual universo. Mas existe uma relação
direta e necessária, que os próprios Espíritos
Superiores respeitam, em suas comunicações. Isso está
bem claro no item 54 do capítulo primeiro de "A
Gênese", quando Kardec declara que os Espíritos
não precipitam suas revelações. "Eles
não enfrentam as questões, diz o codificador –
senão na medida em que os princípios sobre que tenham
de apoiar-se estejam suficientemente elaborados, e bastante amadurecida
a opinião para os assimilar. É mesmo de notar-se que,
todas as vezes que os centros particulares quiseram tratar de questões
prematuras não obtiveram mais do que respostas contraditórias,
nada concludentes. Quando, ao contrário, chega o momento oportuno
o ensino se generaliza e se unifica, na quase universalidade dos centros".
Afinal "o Espiritismo evolui e tem forçosamente de
evoluir, mas, dentro das leis que regem o seu desenvolvimento, nos
quadros precisos da codificação kardeciana, que não
é uma elaboração pessoal, como sabemos, mas um
trabalho conjugado de encarnados, sob a égide do Espírito
da Verdade. A codificação é a rocha em que se
alicerça a doutrina, e a pedra-de-toque para verificação
das "novas verdades" que forem surgindo. Sem essa base e
essa medida, estaremos arriscados a fazer o Espiritismo retroceder
no tempo e no espaço, a título de fazê-lo evoluir".